Não obstante a existência de importantes
instituições que preservam a história do cinema brasileiro – a exemplo da
Cinemateca Brasileira sediada em São Paulo e da Cinemateca do MAM, no Rio de
Janeiro – outros órgãos também conservam em seus acervos referências relevantes
a respeito do tema. E dentre eles, destacamos o Arquivo Histórico Municipal de
São Paulo, uma vez que na sua vasta documentação podemos encontrar, por
exemplo, a antiga legislação municipal pertinente ao assunto, bem como o
registro de diversos momentos em que houve uma interface do poder constituído
com os empresários responsáveis pelos primeiros espetáculos cinematográficos na
cidade.
O estudo de Ricardo Mendes é louvável, entre outros motivos, pela atenção à pouca estudada questão da tecnologia de projeção, abordando com riqueza de detalhes a coexistência, nos cinemas de São Paulo, do sistema de projeção "direta" (com o projetor posicionado frontalmente à tela) e "por transparência" (com o projetor localizado atrás da tela).
Como o autor aponta, há muitas coisas envolvidas na adoção de um sistema ou de outro: o tipo de material empregado na tela, a necessidade de lentes objetivas específicas para a distância focal, a necessidade de inversão do filme já que a retroprojeção deixa a imagem "espelhada", a arquitetura das salas etc.
Um aspecto fundamental é, como aponta Mendes, o fato de serem comuns nas cidades brasileiras os "lotes estreitos e compridos", com a arquitetura típica dos sobrados de dois ou três andares. A utilização desses espaços para a projeção cinematográfica resultava, no caso da projeção direta, numa longa distância entre o projetor e a tela, o que possivelmente favoreceria a adoação da retroprojeção. Como descrevo em meu livro "Cinematographo em Nictheroy", o Cinema Colyseu, inaugurado nos anos 1920, tinha quase 3 mil lugares dispostos em um sobrado estreitíssimo do século XIX. Por fotos da época, é possível afirmar que sua arquitetura e a disposição dos assentos do público certamente inviabilizava a projeção frontal. Não à toa, o Colyseu fechou com a chegada do cinema sonoro. Entre outros motivos, é possível assinalar que os filmes falados não permitiam a inversão do filme (já que a banda sonora, no caso do som ótico, ficava sempre à esquerda da película) e que os altofalantes ocuparam a parte de trás das telas. O cinema niteroiense teve que ser reformado e adotar a projeção frontal ao ser reinaugurado como Cinema Rio Branco em 1940.
A questão do sistema de projeção, como Mendes aponta, leva ainda à discussão da "natureza da fonte luminosa" - e, acrescento, da própria configuração do projetor. O surgimento dos palácios de cinema com mais de um ou dois mil lugares nos anos 1920 vai demandar o aumento da potência luminosa dos projetores para a projeção frontal. Esse aumento, porém, resultava num maior aquecimento da lâmpada, o que motivou passagem do obturador, geralmente localizado na frente da objetiva, para dentro do corpo do projetor, entre a fonte luminosa e o filme. Assim, o giro das hélices do obturador também serviria para amenizar o calor emitido pela lâmpada na direção da película de nitrato, altamente combustivel.
Por fim, que o trabalho de Ricardo Mendes no AHSP incentive outros estudos.