sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

O Dilema Digital

Esta reportagem foi publicada na revista In Camera, de abril de 2008 (p.34-35) e faz referência ao relatório intitulado The digital dilemma: Strategic Issues in Archiving and Accessing Digital Motion Picture Materials, que pode ser adquirido no site da Academy of Motion Picture arts and sciences. O texto faz referência também a um artigo publicado no New York Times, intitulado The Afterlife Is Expensive for Digital Movies (A vida após a morte é cara para os filmes digitais), que pode ser acessado no site do jornal. Apesar de mal-escrita, esta reportagem é interessante, por exemplo, por ter sido publicada no revista da Eastman Kodak Company, que recentemente abraçou a tecnologia digital. Nesse dilema que os conservadores apontam, a Kodak pode estar vendo a permanência de um restrito, mas longevo nicho de mercado para as películas, cuja indústria é dominada por essa empresa há décadas. Há uma outra tradução desse texto disponível no site da Kodak brasileira.

“O Dilema Digital” – Relatório da Academia aborda o futuro dos filmes atuais
(tradução de Rafael de Luna Freire)

Um flashback para 1913: um crítico de jornal perguntou à lendária atriz teatral Sarah Bernhardt porque ela estava atuando em filmes “populares” ao invés de se concentrar na interpretação nos palcos. A diva respondeu que ela atuava nos filmes para a posteridade. A triste realidade é que aproximadamente metade dos filmes produzidos nos Estados Unidos no primeiro século da indústria se perdeu para sempre.
No final dos anos 1970, Martin Scorsese fez o alerta de que o insubstituível patrimônio de uma importante forma de arte estava em risco. Sua persistência levou a significativos avanços nas práticas de restauração e conservação de filmes.
Nos anos 1990, Scorsese e outros diretores de ponta fundaram a The Film Foundation, que se tornou uma força significativa na criação de consciência e na arrecadação de fundos para a restauração e conservação de centenas de filmes clássicos [incluindo Limite, filme brasileiro de 1929, dirigido por Mário Peixoto]
Um artigo do New York Times de 23 de dezembro de 2007, escrito por Michael Cieply, colocou em perspectiva o valor da conservação adequada. Ele citava um relatório da Global Media Intelligence que afirmava que aproximadamente um terço dos 36 bilhões de dólares dos rendimentos ganhos pelos estúdios de Hollywood vinha de suas coleções.
Outro passo gigantesco foi dado novembro passado quando a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (Academy of Motion Pictures Arts and Sciences) lançou um amplo relatório intitulado “O Dilema Digital” com o subtítulo “Questões estratégicas na conservação e acesso de materiais cinematográficos digitais”. O relatório de 75 páginas teve como co-autores duas autoridades respeitadas: Andy Maltz, diretor do Conselho de Ciência e Tecnologia da Academia, e o conservador Milt Shefter.
Uma frase no prefácio anuncia a missão: “Mesmo alguns dos artistas que são mais evangélicos a respeito do novo mundo do cinema digital algumas vezes parecem não ter explorado completamente a questão do que acontece com uma produção digital depois que ela deixa os cinemas e começa sua vida (se tudo correr bem) como um recurso para exploração em longo prazo do estúdio”.
O estudo de mais de um ano de duração foi lançado no inverno de 2005, após Phil Feiner, presidente do Comitê de Conservação Digital da Academia, propor uma conferência com conservadores de estúdios e especialistas em tecnologia, assim como seus equivalentes em outras organizações, incluindo agências governamentais, instituições de saúde, universidades e astrônomos.
“Esta é a primeira vez que executivos de tecnologia e conservadores dos estúdios e outras instituições públicas semelhantes, como a Biblioteca do Congresso, arquivos da UCLA [University of California] e a Association of Moving Image Archivists, se encontram para discutir a questão da preservação”,disse Shefter.
"A Academia não é uma organização de reivindicação”, acrescenta Maltz. “Nós temos pessoas que conhecem e se importam com a preservação reunidas para discutir os temas e determinar as questões que precisam ser levantas e respondidas. O relatório é um sumário de nossas descobertas. Mais de 70 especialistas foram entrevistados em seguida”.
Apenas para colocar em perspectiva esse comentário, em 1999 cientistas da NASA descobriram que eles eram incapazes de ler arquivos digitais descrevendo imagens que a expedição espacial Viking tinha enviado para a Terra em 1975, por que a informação estava num formato obsoleto.
Processo barato
Shefter observa que todos os estúdios de Hollywood tem arquivado seus longas-metragens, incluindo o negativo original e materiais intermediários, em película de poliéster estável preto-e-branco com separação YCM (amarelo, ciano e magenta), em ambientes com umidade e temperatura controladas, nos últimos 40 anos, ou ainda mais em alguns casos.
“Eu já calculei que um longa-metragem gera em média 300 estojos de negativos, interpositivos, filmes em YCM, negativos B e planos não utilizados, além de roteiros e notas”, diz Shefter. “Os YCMs podem ser usado para reproduzir o negativo original sem comprometer as imagens. É um processo barato em comparação com os custos da preservação digital”.
Um artigo recente publicado pelo DGA Quarterly [1] citava Feiner que observava que quando Superman returns [Superman, o retorno, dir. Bryan Singer] foi produzido em formato digital em 2006, ele gerou aproximadamente 200 Terabytes de informação. Um único terabyte equivale a 1.000 bilhões de bytes de informação. [2]
Feiner perguntou: “O que você faz com toda essa informação?”
Shefter nota que I Love Lucy e outros programas produzidos pelos estúdios Desilu há cinqüenta anos ainda estão sendo comercializados com a TV porque foram adequadamente conservados.
“Eu trabalhei nos laboratórios da CFI durante anos”, diz Shefter. “Nós tínhamos os filmes dos programas da Desilu guardados em nossos arquivos. Os programas originais foram produzidos em película preto-e-branco e depois em negativos coloridos. Desilu conservou os filmes de seus programas de televisão nos arquivos do laboratório sem perceber que eles se tornariam valiosos. Alguns desses programas ainda estão sendo negociados com as televisões, gerando lucros.”
O relatório “O Dilema Digital” foca nos filmes dos estúdios de Hollywood. Ele compara ambas as praticas e custos para conservação digital e fotoquímica. O relatório cita o entendimento geral que por causa da degradação dos sinais e da obsolescência dos formatos e padrões, a mídia digital é muito mais volátil do que a película. Há um consenso de que os arquivos digitais devem realizar migrações a cada quatro ou cinco anos para garantir sua acessibilidade.
O relatório da Academia relata que o custo anual para a conservação de uma matriz digital de um longa-metragem gira em torno de US$ 12.514, comparado com aproximadamente US$ 1.059 para a película. O relatório afirma que o custo para conservação de todos os elementos relevantes de um longa-metragem produzido em formato digital é de US$ 208.569 por ano. O relatório também diz que a mídia digital em disco rígido pode “congelar” em meros dois anos e que os arquivos em DVD vão eventualmente se deteriorar – espera-se que cerca de metade deles não sobrevivam mais que 15 anos.
O relatório também foca no uso de tecnologia de intermediação digital (DI – digitial intermediate) para a feitura de matrizes de longas-metragens produzidos tanto em película quanto em formato digital. Essas matrizes são utilizadas para produzir cópias de lançamento no cinema tanto digitais quanto em 35 mm.
Mais de 20 estúdios de pós-produção só nos EUA estão atualmente oferecendo serviços DI hoje. Não existem estatísticas oficiais documentando a percentagem de longas-metragens que tem matrizes por intermediação digital. As estimativas variam de70% a 80%. Após a edição offline, o negativo montado é digitalizado em resolução que varia de HD até 2K e 4K, dependendo do produtor e do orçamento. Os longas-metragens que são lançados nos cinemas são transferidos para película 35 mm, que pode se tornar o registro de arquivo do corte final.
Botando o dedo na ferida
“O que vai acontecer daqui a 20, 30 ou 50 anos, quando alguém quiser relançar uma versão do diretor de um filme, incluindo ainda cenas excluídas?”, pergunta Shefter.
É uma pergunta retórica. Ele observa que se os donos dos conteúdos não se comprometerem a realizar as migrações das matrizes DI e dos arquivos digitais não utilizados na montagem final para novos formatos e padrões a cada quatro ou cinco anos, há chances de que eles se percam para sempre.
“É importante para os produtores entenderem que as matrizes digitais que estão sendo geradas hoje não são um suporte de preservação que você possa tirar da lata daqui a dez anos”, diz Shefter. “Uma alternativa é passar para a película e fazer as separações em YCM. Entretanto, o único registro que está sendo preservado é o que quer esteja no DI.”
Mesmo que relatório “O Dilema Digital” foque nos filmes dos grandes estúdios lançados nos cinemas, ele gera questões sobre os shows de televisão produzidos em película que depois são pós-produzidos em formato HD. Maltz nota que os produtores podem conservar o negativo original e o negativo montado, mas a matriz em HD levanta as mesmas preocupações que as matrizes DI provocam na indústria de longas-metragens. Os arquivos digitais em HD irão se deteriorar? Os programas compatíveis necessários para ler e remasterizar os arquivos estarão disponíveis no futuro? O público de amanhã terá aparelhos de televisão com resolução 2K ou 4K em suas casas?
"O relatório parece ter colocado o dedo na ferida”, conclui Maltz. “Nosso objetivo foi fazer as pessoas de dentro e de fora da indústria tomarem consciência dessa importante questão”.
A alternativa para a busca de soluções está na assustadora conclusão no artigo de Cieply no New York Times. Ele prevê que o público do futuro poderá assistir aos filmes com Wallace Beery muito tempo depois que filmes contemporâneos produzidos ou conservados em formato digital já tenham se perdido. Nota: Berry estrelou filmes em Hollywood de 1913 até 1949.
Notas:
1 - DGA quarterly é a revista do Director's Guild of America. Eles publicaram a excelente reortagem sobre sobre preservação cinematográfica na edição volume 3, número 1, de 2007, que pode ser vista aqui.
2 - 1 MB é igual a 1.000.000 de bytes. 1 G é igual a 1.000.000.000 de bytes. 1 TB é igual a 1.000.000.000.000 bytes. Ou seja: um Tera equivale a mil Gigas ou a um milhão de Megabytes. São necessários mais de 200 mil DVDs ou 40 discos Blu-Ray juntos para armazenar um Terabyte de informação. E isso sem falar em Petabytes (que equivalem a mil Teras, ou um milhão de Gigas)...

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Cineclubes e clubes

O Blog ganhou sua primeira colaboração externa. Este texto foi enviado e traduzido pelo Fausto Douglas Correa, doutorando na UNESP com a tese Cinematecas e cineclubes na periferia do capitalismo: a Seção Latino-Americana da FIAF no debate histórico sobre o conceito de cinemateca (1955-1968). Este artigo é de autoria de Laurent Mannoni - autor, por exemplo, do indispensável A grande arte da luz e da sombra: Arqueologia do cinema (São Paulo: Senac, 2003) - e foi publicado como verbete no Dictionnarie du cinéma mondial: mouvements, écoles, courants, tendences et genres (Éditons du Rocher. Jean-Paul Bertrand Éditeur. 1994. P.170-175). Ainda sobre o tema Cineclubes, Clubes de Cinema e Cinematecas, vale a pena conferir o site português O movimento dos cineclubes, que também tem artigos interessantes (e em português) sobre a História do cineclubismo em Portugal e no mundo.


CINECLUBES E CLUBES
de Laurent Mannoni (tradução de Fausto Douglas Correa)
Desfaçamos uma lenda: o termo cine clube não foi criado por Louis Delluc, em 1920. Em 14 de Abril de 1907, Edmond Benoit-Lévy, diretor da revista Phono-Ciné-Gazette, anuncia a fundação do primeiro ciné-club, instalado nº 5, Boulevard Montmartre, em Paris, na sede de um cinema Pathé e da futura sociedade Omnia. Este cineclube oferecia aos seus membros, um lugar de reunião, uma sala de projeção, uma biblioteca, um Boletim Oficial do Cineclube. Tinha por finalidade “trabalhar no desenvolvimento e no progresso do cinematógrafo de todos os pontos de vista”, mas “interditando toda discussão religiosa ou política”.
Esta primeira tentativa desaparece rapidamente. É preciso esperar o ano de 1920 para ver reaparecer, na imprensa, a palavra cineclube, com Louis Delluc e Charles de Vesme, que lançam em 14 de janeiro de 1920 Le journal du ciné-club Onze dias transcorreriam até eles criarem o Cineclube da França, “com a finalidade de agrupar os profissionais e os amantes do cinematógrafo, na capital e no interior, de maneira a lhes permitir uma reunião”. O jornal do cineclube se dirige aos habitués de cinema, e agrupa “uma elite de escritores se endereçando a uma elite de leitores”.
A primeira grande reunião do Cineclube da França ocorreu em 12 de junho de 1920, na sala Pépiniére-Cinéma. Emile Cohl falou sobre desenhos animados, seguido de André Antoine que debateu o “cinema de ontem, de hoje e do amanhã”, com projeções de filmes antigos. Foi um sucesso.
Entretanto, Louis Delluc deixa rapidamente O jornal do cineclube (Le Journal du Ciné-Club) para a Fumaça Negra. A revista deixa de circular em 11 de fevereiro de 1921. Este ano é rico em eventos. O termo cineclube está definitivamente lançado, assim como a moda de associações, clubes e grupos cinematográficos de todo gênero e de revistas independentes, onde aparecem os primeiros artigos teóricos e críticos. Trata-se de um fenômeno francês, e nenhum outro país – à exceção da URSS – conhecerá tal eclosão de debates estéticos em torno do cinema. Os Clubes foram uma parte muito importante do aparecimento das vanguardas cinematográficas francesas.
Em 6 de maio de 1921, Louis Delluc publicou o primeiro número de Cinéa, hebdomadário de grande qualidade que ele dirigiu apenas até novembro de 1922. Cinéa organizo matinês, e a primeira, em 14 de novembro de 1921, revelou aos franceses O gabinete do Doutor Caligari (1919) de Robert Wiene, o que sucitou debates polêmicos. Em 22 de janeiro de 1922, Louis Delluc ministra uma conferência sobre o Cinema, arte popular, no Colisée, acompanhado de Marcel L’Herbier, que apresenta seu filme experimental Prométhée…banquier.
O poeta italiano Ricciotto Canudo retoma de Louis Delluc a idéia de cineclube e, em 26 de março de 1921, Ciné-Journal anuncia a criação do Clube dos Amigos da Sétima Arte (CASA). Canudo quer “afirmar por todos os meios o caráter artístico do cinema, o cinema sendo irrefutavelmente uma arte, a sétima”. Ele queria assim “elevar o nível intelectual da produção francesa” e “colocar tudo em obra de modo a lançar ao cinema os talentos criadores, os escritores e os poetas”. Ele organiza com grande sucesso conferências e jantares mundanos (diante de um público “elegante e refinado”, lemos na imprensa), notadamente no Restaurante Poccardi ou em sua própria casa, no nº 12 da rua Quatro de Setembro. Suas teorias estéticas, por vezes um pouco obscuras, foram seguidamente objetadas por Louis Delluc, que não hesitava em combatê-las com humor e justeza.
Canudo acostumou-se a dar a suas conferências um brilho mundano que as de Delluc não tinham. Ele teve o mérito de lançar ao CASA personalidades de toda ordem: grandes realizadores de filmes comerciais (Henri Fescourt, René Le Somptier, Henri Pouctal, Léone Perret), cineastas de vanguarda (Marcel L’Herbier, Alberto Cavalcanti, Jean Epstein, Abel Gance e Germaine Dulac, sendo que os dois últimos foram vice-presidentes do CASA em 1921), artistas (Robert Mallet-Stevens, Fernand Léger), escritores e críticos (Leon Moussinac, Blaise Cendrars, Jean Cocteau) e comediantes (Éve Francis. Jacque Catelain, Jean Toulout, Gaston Modot,Yvette Andreyor), etc. Em junho de 1922, o CASA se instala no número 16 da Faubourg Montmartre, e oferece aos seus membros uma sala de projeção, um salão de chá, uma sala de leitura, uma sala de leitura: o velho sonho de Edmond Benoît-Lévy foi realizado. O CASA participou enfim do prestigioso Salão de Outono, entre 1921 e 1923.
Graças à ação dinâmica de Canudo, as conferências se multiplicam, da mesma forma que os clubes. Entre eles, é preciso citar Os amigos do Cinema (fundado em dezembro de 1921 pela revista Cinémagazine), o Cine-clube Bruxelano (primeira sessão em 5 de julho de 1921), o Clube de Faubourg (criado em 1922 por Léo Poldès), o Clube da Tela (criado em 1928 por Pierre Ramelot) e o importante Clube Francês do Cinema (fundado por Léon Moussinac em 1922 e dirigido por Léon Poirier).
De fato, o verdadeiro Cineclube, tal qual nos entendemos hoje em dia (“seção hebdomadária, apresentação de um filme por um crítico, discussão aberta entre os espectadores e o apresentador, entrada sob inscrição com carta de aderência”, segundo Jean Mitry), só aparece desta forma em 1925, com a Tribuna Livre do Cinema, criada por Charles Leger nos quadros da Exposição de Artes Decorativas. A Tribuna, da qual Jean Mitry foi secretário geral, foi freqüentada assiduamente por jovens apaixonados pelo cinema: Marcel Carné, Edmond Gréville, Jean George Auriol; Colette por lá aparecia de tempos em tempos.
Em 1925 igualmente aparece o Cineclube da França, nascido do CASA (Canudo morreu em 10 de novembro de 1923) e do Clube Francês do Cinema de Léon Moussinac. Em torno deste último, nos encontramos Léon Poirier, René Blum, Jacques Feyder e Henri Clouzot, diretor do museu Galliera. É este Cineclube da França que revela aos parisienses O encouraçado Potenkim, em 12 de novembro de 1926, no Artistic-Cinéma.
Para lutar contra a censura (os filmes soviéticos foram proibidos pelo chefe de polícia Jean Chiappre), Léon Moussinac decide criar Os amigos de Spartacus, em julho de 1927, com Jean Lods, Francis Jourdain, Paul Vaillant-Coturier, George Marrane e o apoio da associação comunista Bellevilloise. Eles compram e abrem, em 15 de março de 1928, o cinema do cassino de Grenelle, e lá apresentam A mãe e O fim de São Petersburgo, de Vsevolod Pudovkin, entre outros. O chefe de polícia Chiappre intervém; mas a breve influência deste clube sobre a vanguarda francesa foi considerável, tanto do ponto de vista artístico como do político.
Paralelamente a todos estes clubes e associações, salas especializadas, no mesmo espírito, se abrem: O Vieux Colombier, em 1924, o Studio des Ursulines, em 1926, ou o Studio 28, em 1928. Elas também sustentam um cinema não comercial com eficácia. Novas e notáveis revistas teóricas e estéticas vêem o dia, como a famosa Revue du Cinéma, em dezembro de 1928.

O advento do cinema falado marca o fim de um certo gênero de cineclubes intelectuais, aqueles que sustentavam apaixonadamente os filmes estrangeiros difíceis, ou a excepcional vanguarda francesa, que não pôde resistir à vaga dos filmes falados comerciais. Rapidamente alguns retomam o tempo da arte muda. Henri Langlois e George Franju, no início dos anos 30, freqüentam os cineclubes parisienses, únicos lugares onde era possível ainda ver as grandes obras de Fritz Lang, F.W Murnau ou D.W Griffith. Havia o Club 32, criado por Jacques Aubin e Jean-Charles Reynaud (1932), o Phare Tournant de Raymond Blot (1933), o Club de la femme de Lucie Derain (1934) e o Club Cedrillon de Sonika Bo, para as crianças (1932). Langlois, associado a George Franju e Jean Mitry, funda seu próprio cineclube, em outubro de 1935: é o Cercle du Cinéma, que promove sua primeira seção em dezembro, no número 33 da Champs-Élyssées. Lá se pode ver O gabinete do Doutor Caligari, A vontade da morte e A queda da mansão Usher: tantos filmes hoje salvos. Para Langlois, “trata-se antes de tudo de mostrar os filmes e não de discuti-los depois. Os debates não servem para nada”.
O Cercle du Cinéma retoma a tradição dos clubes dos anos 20. Ele ensina a linguagem cinematográfica – sem discursos, apenas pela exibição do filmes – a futuros cineastas, tal como Jacques Becker, Marcel Carné e Jean-Paul Le Chanois. Qual maior lição que um filme de Griffith dos anos na Biograph? Em setembro de 1936, Henri Langlois, George Franju, Jean Mitry e Paul-August Harlé transformam o Cercle em Cinémathèque Française, cuja enorme influência sobre a nouvelle-vague dos anos 50 é igualmente bem conhecida.
Em 1936 também aparece o Ciné-Club de Paris, de Jacques Loew e Jacques Aubin, depois o Club des Cinq, de Jean Nery e Robert Chazal. Um evento de importância é a criação por Jean Renoir do movimento Ciné-Liberté, com Henri Jeanson, Léon Moussinac, Calude Aveline, Louis Cheronnet (Germaine Dulac cria por sua vez o movimento Mai 36). Os aderentes do Ciné-Liberté participaram do financiamento de documentários sociais e do filme La Marseillaise, de Jean Renoir. As palavras de ordem do movimento, na febre da Frente Popular, eram as seguintes: “União pelas atualidades populares; união por produções de cooperativas livres e independentes; união pela livre distribuição dos melhores filmes sociais e dos filmes proibidos (interditados); união contra a censura burocrática; união pela defesa e pela renovação do cinema francês”. Um jornal foi editado: Ciné-Liberté. Tal tentativa lembra bem aquela dos Amis de Spartacus, e também, de forma um pouco mais distante, a da Cooperativa do Cinema do Povo, sociedade criada por anarquistas em 1913.
O renascimento dos cineclubes foi naturalmente interrompido pela Guerra. Mas, após a liberação nós assistimos novamente a uma eclosão espantosa. Em março de 1946, os seis cineclubes existentes (Cercle Technique de L’ecran; Ciné-Clube universitaire; Cercle du Cinéma; Ciné-Club Cedrillom; Ciné-Jeunes; Club Français du Cinéma) se agruparam sob a Federação Francesa de Cineclubes (FFCC), presidida por Jean Painlevé; ela contava em abril de 1946 com mais de 80 clubes e mais de 50.000 membros.
Em 1948, foram recenseados na França 150 cineclubes, agrupando aproximadamente 100.000 membros. Em Paris, aparecem os novos cineclubes Griffith, Cineum, Du Vendredi, 46, Renault, Air France, Volontaire, Île-de-France, etc.! A Revue du Cinéma reaparece, em sua capa amarela, graças a Jean George Auriol; nós redescobrimos, graças as virtudes do 16 mm, as obras primas de Jean Vigo, Robert Flaherty, Howard Hawks, D.W Griffith ou Carl Dreyer. André Bazin, ele mesmo um animador de cineclubes, considera como um dos eventos mais importantes do pós-guerra este desenvolvimento um pouco monstruoso, que ele compara à voga dos anos 20, analisado mais acima.
Do pós-guerra data igualmente a floração de novas federações: A Federação Internacional de Cineclubes (FICC, 1947); A União Francesa das Obras Laicas de Educação pela Imagem e pelo Som (UFO-LEIS, 1953, na tradição da Liga de Ensino, que possuía no domínio do Audiovisual uma sólida experiência, com a lanterna mágica, desde 1895); A Federação Lazer e Cultura Cinematográfica (FLECC, 1946, este movimento católico evocava ele também esforços pretéritos da Maison de la Bonne Presse em matéria de educação pelo audiovisual, em 1986), A União Nacional Inter Cineclubes (UNICC, 1958), etc. Nós contamos também as novas revistas de qualidade; Ciné-Club (1947, da Federação Francesa de Cineclubes), Image et son (1951, pela UFOLEIS, transformada em Revue du Cinéma), Cinéma 55 (1955, pela FFCC), Jeune Cinéma (1964, pela Federação Jean Vigo), etc.
A instalação progressiva da televisão em todos os domicílios, o aparecimento do magnetoscópio e de fitas de vídeo-cassete para locação provocam uma brusca baixa no fenômeno cineclube, e do cinema em geral. Milhões de espectadores, de hoje, assistem o Ciné-Club da Antenna 2 ou do France 3: “Pelo destino de uma ironia cruel, é no momento onde a palavra composta: cineclube tem sua maior popularidade que o movimento ele mesmo atravessa as maiores dificuldades frente à indiferença dos poderes públicos”, nota François Truffaut em 1981. Ele relembra igualmente que o movimento dos cineclubes, que se desenvolveu magnificamente no pós-guerra “foi vítima de seu próprio sucesso, pois dele nasceu uma forma de exploração popular e seletiva, que é a extensão de sua vocação: trata-se das salas de arte e de ensaio”. Estas salas, agora suficientemente numerosas em Paris, notadamente no Quartier Latin, propõe, com efeito, os clássicos e filmes raros, por um preço reduzido, e em boas condições de projeção, em geral. Elas alcançam um público muito amplo, do colegial ao aposentado.
Além do mais, nas salas de arte e de ensaio nóss encontramos cada vez mais “retrospectivas” e “festivais” bastante completos, organizados por instituições poderosas: o Museu D’Orsay, que se dedica ao século XIX, propõe todo ano programas inteligentes de filmes mudos, que levam um numeroso público de curiosos e de conhecedores (o Festival de Pordenone, na Itália, foi o primeiro a se dedicar unicamente aos filmes mudos, com grandioso sucesso). O Centro George-Pompidou oferece seus ciclos variados, acompanhado por publicações de catálogos eruditos.
As cinematecas são de fato as principais rivais dos cineclubes. Desde suas aparições, elas ensinam o cinema junto aos jovens, da maneira mais simples, projetando os filmes sem debates nem comentários, a um preço muito baixo. Lembremo-nos, a Nouvelle-Vague nasceu da cinemateca de Henri Langlois, e esta continua em nossos dias a formar ou a influenciar cineastas (Wim Wenders ou Leos Carax, por exemplo, são dois filhos da Cinemateca). Em Paris, a Cinemateca Universitária exibe igualmente filmes bastante raros, os primitivos ou de cavação do cinema francês dos anos 30-50, pobres esteticamente, mas ricos em dados sociológicos. Enfim, a Cinemateca de Toulouse, com arquivos interessantíssimos, anima encontros e publica excelentes revistas.
Mas os museus e as cinematecas conduzem os cinéfilos, amadores e historiadores a um material bruto: o filme. Ele cai como um meteoro sobre a tela, sem nenhuma indicação histórica ou estética. Mais do que nunca, os cineclubes parecem aqui indispensáveis: eles podem propor debates, explicações sobre tal filme importante; eles nos parecem a anti-câmara obrigatória das cinematecas ou das salas especializadas.
Assim, do ponto de vista histórico, os cineclubes devem continuar a sustentar as obras contemporâneas de vanguarda. Um organismo como a Coordenação das Federações de Cineclubes exibe em 16 mm filmes de Peter Greenaway, de Jerzy Skolimowski, Krzystof Kieslowski, da mesma forma que as obras de Philippe Garrel, Jean-Luc Godard ou Jacques Rivette; obras importantes e ambiciosas, que talvez não conheceram jamais uma passagem na tela pequena [1] e que mereceriam certamente serem descobertas pelas novas gerações.
Os cineclubes de nossos dias têm deste modo um papel essencial a cumprir no ensino da história, da cultura e da linguagem cinematográfica, no domínio importante da educação do olho. Nos geralmente estamos de acordo sobre a utilidade dos cineclubes de liceus, colégios, estudantis. No entanto, o cineclubismo intelectual dos anos 20 e 30 desapareceu totalmente hoje em dia e ninguém parece sonhar em fazê-lo renascer. Não temos mais gente como Louis Delluc, Ricciotto Canudo, Jean Mitry, ou André Bazin. Existe aqui a evidencia de uma lacuna a ser combatida, uma ação a exercer, um lugar a ocupar. O surgimento atual, em diversas cidades do interior, de Clubs Cinéma que fazem – sem a etiqueta – tudo o que os cineclubes faziam outrora, prova que a exigência implantada por eles ainda vive.
[1] Circuito “fechado” de debates, estudo. Dentro da proposta de cineclubes debatida aqui. Não se trata de “tela pequena” como sendo TV ou vídeo. N do T.
Bibliografia:

ABEL, Richard. French Cinema, The First Wave. Princeton University, 1984.
DELLUC, Louis. Ècrits cinématographiques, éditon etablie par Pierre Lherminier, Cinémathèque Française, Éditions de L’Etoile, 1985-1990.
MITRY, Jean. De l’origine des ciné-clubs, dans 1895, bulletin de l’Association française de recherche sur l’Histoire du cinéma, nº3, 1987.
PINEL. Introduction au ciné-club: histoire, théorie, pratique. Éditions ouvrières, 1964
Institut Pédagogique National, Les ciné-clubs, 1964
MYRENT, Glenn. Henri Langlois, Denoël, 1986.