tradução de Rafael de Luna
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Então, por que o E-cinema conquistou um nicho significativo apesar de sua baixa qualidade, e por que as pessoas não estão aguardando o padrão DCI para depois implementá-lo? Vamos examinar essa questão na Índia, onde o E-cinema representou um passo adiante em comparação com os modelos de distribuição e exibição de película existentes e onde a questão econômica é forte. Há uma relativamente baixa dependência de Hollywood em relação ao conteúdo na Índia, uma vez que a indústria cinematográfica local produz mais de 800 longas-metragens por ano abrangendo um grande número de locais e linguagens. É muito mais do que apenas a indústria de filmes falados em hindi localizada em Bombai – a chamada Bollywood – que a maioria das pessoas conhece no Ocidente. Um lançamento padrão de um filme Indiano envolve de 200 a 300 cópias; a primeira onda de distribuição foca nos mercados das grandes metrópoles e nas maiores cidades regionais. A pirataria é comum na Índia e na hora em que um lançamento chega às áreas rurais, a maior parte do público já viu o filme em um dos videoclubes locais especializados em projetar filmes pirateados. Além disso, as cópias já estão usadas e riscadas quando chegam aos cinemas dos vilarejos. Esse fato, combinado com a baixa qualidade do equipamento de projeção nas áreas rurais, leva freqüentemente a uma experiência cinemática de baixo nível de qualidade.
É importante notar que até o momento, e em contraste com o padrão DCI, todas as instalações de E-cinema usam o padrão de compressão MPEG para a criação de arquivos digitais. Na maioria das vezes, é o MPEG 2 com arquivos encodados em muito altos níveis de bit (geralmente na proximidade de 80 megabits por segundo para alcançar uma qualidade adequada à projeção em cinema), porém mais recentemente nós vimos a emergência do MPEG 4 AVC (H.264) [1], como uma alternativa viável para encodar e apresentar E-cinema [2]. A vantagem do MPEG 4 AVC (H.264) é que resultados de boa qualidade podem ser alcançados com arquivos muito menores do que pode ser alcançado ao se usar o MPEG 2, o que altera a equação de custos dos vários métodos de distribuição (nesse caso, satélites e links de dados se tornam opções atraentes).
O futuro dos equipamentos em conformidade com o DCI e baseados em resolução 2K está começando agora a reunir algum impulso, com o número de anúncios de instalações começando a crescer. No final de 2005, a Sony começou a produção do primeiro projetor cinematográfico digital 4K do mundo. O apoio ao padrão JPEG 200 adotado pelo DCI está crescendo conforme os fabricantes lançam equipamentos de "encodamento" e servidores de cinema digital capazes de criar e tocar conteúdo formatado em JPEG 2000.
Entretanto, apesar da moda, há um grande nível de resistência da parte dos exibidores em relação à instalação dos equipamentos em conformidade com o DCI. Hoje, uma típica instalação de um cinema DCI (projetor, servidor e equipamentos acessórios) custará no máximo A$ 150,000. Este é três a quatro vezes o valor de um projetor 35 mm (sem falar nos custos de atualização, o que não é necessário para projetores 35 mm).
Por outro lado, uma instalação de E-Cinema 1,4K (projetor, servidor e equipamentos acessórios) pode ser adquirida por algo em torno de A$60,000. Além disso, há outros custos operacionais mais altos [4] e a previsão de que em cinco anos o equipamento digital estará obsoleta e precisará ser substituído. Trocar seu hardware a cada cinco anos é uma prática padrão na indústria de TI (Tecnologia da Informação), onde computadores pessoais e servidores são considerados obsoletos após esse período de tempo. Isso se deve em parte ao risco crescente de uma falha do hardware e em parte à inabilidade do hardware de suportar programas contemporâneos. O cinema digital é essencialmente um sistema de computação – por que alguém esperaria que fosse diferente de qualquer outro sistema de computação? Se nós quisermos aceitar essa premissa, devemos encarar o desafio de conseguir o retorno dos altos custos de um equipamento em conformidade com o DCI num ciclo de vida de cinco anos [5]. É desnecessário dizer que muitas pessoas tem lutado contra esse argumento e inevitavelmente a resposta que eles sugerem é colher os frutos do cinema digital hoje através do E-cinema, com seus custos muito mais baixos de aquisição.
O que é o cinema digital usado hoje?
O baixo custo de distribuição e exibição, junto com a flexibilidade do cinema digital, garante uma oportunidade para aumentar o leque de obras cinemáticas disponíveis para o público. Em todo o mundo, a questão tem sido colocada: o cinema digital pode ser usado para dar a filmes especializados com um público alvo menor maiores oportunidades para que eles atinjam suas platéias? Vamos ver dois exemplos com abordagens contastantes. O CinemaNet Europe (anteriormente conhecido como EuroDocuZone) construiu uma rede que tinha originalmente o objetivo de garantir distribuição para filmes documentários, mas agora mostra um leque mais amplo de obras especializadas para platéias que, de outra maneira, não teriam a oportunidade de assistir a esses filmes em um cinema. A rede foi lançada em 2004 e agora abrange 180 cinemas em oito países: Áustria, Bélgica, França, Alemanha, Holanda, Espanha, Eslováquia e Reino Unido. O padrão de projeção é resolução de 1.4K, primordialmente porque com os fundos disponíveis isso permite muito mais instalações do que se 2K tivesse sido adotado como padrão. Além disso, sua experiência tem sido que o público é freqüentemente incapaz de distinguir projeções 1.K4K e 2K. De fato, em salas de cinemas pequenas os projetores 2K foram considerados muito brilhantes.
Ano passado, uma alternativa à abordagem utilizada pela CinemaNet Europe foi lançada pelo UK Film Council. Usando os fundos da loteria nacional, o conselho deu o pontapé inicial para o seu projeto Digital Screen Network, uma rede envolvendo mais de 200 cinemas ao redor do Reino Unido, com um custo de aproximadamente 13 milhões de libras. O conselho contratou a Arts Alliance Media Limited para instalar projetores 2K e servidores de cinema com capacidade para JPEG 2000 – em outras palavras, uma solução em conformidade com o DCI, embora inicialmente e até que o JPEG 2000 atinja maturidade no mercado, o "encodamento" e transmissão do cinema digital será feito usando QPE (Qualitiy Priority Enconding). A razão principal para o UK Film Council estabelecer os projetores 2K no lançamento de seus cinemas digitais é garantir que as salas participantes serão capazes de projetar conteúdo digital de Hollywood quando ele se tornar disponível. Em troca da instalação do equipamento, cada cinema se compromete a exibir uma certa quantidade de cinema especializado por ano.
Outros exemplos de redes de cinema digital incluem a rede RAIN no Brasil, o programa AVICA na Irlanda, o Emerging Pictures nos EUA, a rede Folkets Hus och Parker na Suécia, e o Reginal Digital Screen Network da AFC na Austrália. Algumas dessas redes usam projetores de resolução 1.3K, algumas usam 2K. Algumas têm objetivos comerciais, outras têm como objetivo proporcionar alternativas ao cinema hegemônico [6].
O que todos esses projetos demonstram é o interesse definido de usar o cinema digital para ampliar nossos horizontes cinemáticos além do que é oferecido pelos cinemas comerciais mainstream. Em outras palavras, para reverter a tendência na direção da redução das opções que temos testemunhado desde o surgimento do multiplex.
Muitas pessoas que se preocupam com a diversidade no cinema vêem o cinema digital como uma oportunidade, não uma ameaça.
Qual é o futuro do cinema digital?
No momento em que você ler isto, o número total de instalações de cinema digital em todo o mundo terá passado de 1 mil. Uma estimativa recente do total de números de salas de cinema comercial calculava no máximo 120 mil. Ainda há claramente um longo caminho pela frente. Quem vai pagar pelo equipamento, sua manutenção e atualização contínua e sua substituição a cada cinco anos? Este debate já está rolando a alguns anos e provavelmente irá continuar no futuro próximo. As estimativas mais otimistas falam em alto em torno de cinco a dez anos para que as instalações de cinema digital superem o número de instalações de película apenas.
Talvez seja o tempo para alguma modelo inovador de negócio desenvolver um passo na direção de um público de massa crítico. Por exemplo, a companhia Thomson recentemente anunciou um acordo com a Twentieth Century Fox para uma abordagem baseada em serviços: “Segundo os termos do acordo, a Twentieth Century Fox vai distribuir seu conteúdo cinematográfico digitalmente através dos EUA e Canadá e pagar um taxa de cópia virtual para a Techicolor Digital Cinema pelo conteúdo exibido em telas equipadas com o sistema da Techicolor, começando no primeiro trimestre de 2006. O suporte do plano da Techicolor Digital Cinema para a Twentieth Century Fox cobre a abertura inicial de um sistema completo de projeção digital em mais de 5000 telas em conformidade com o DCI nos próximos 3 a 4 anos. A Thomson, através dos negócios da Techicolor Digital Cinema, pretende instalar no mínimo 15.000 telas equipadadas digitalmente nos EUA e Canadá nos próximos 10 anos através desse lançamento inicial e de fases seguintes” [veja mais].
Por vários anos, a discussão sobre o cinema digital tem se preocupado com tecnologia – o que será usado, quais serão os padrões e como ele se compara com a película, para listar apenas alguns. Agora, as discussões sobre o cinema digital estão cada vez mais concentradas em questões comerciais. É ainda muito comum focalizar na tecnologia, mas com o seu amadurecimento e a instituição de padrões, o que realmente importa é o modelo de negócios. Como o cinema digital é essencialmente construído em hadwares e softwares de computadores e não em aparatos mecânicos (como os projetores de película 35 mm), o paradigma operacional é mais aparentado ao sistema tradicional de TI, onde é primordial garantir que o nível de suporte para o sistema seja apropriado para o risco perceptível de falha e ao impacto da perda de ganhos devido a qualquer envelhcimento do sistema. Durante um ciclo de vida de cinco anos, isso provavelmente representa dar lugar a uma estrutura de suporte que será mais custosa do que a exigida pela projeção em película.
Logo, no futuro proóximo, o modelo de negócios para o cinema digital deve levar em conta tanto capitais e custos operacionais mais altos. Este é sem dúvida uma previsão preocupante para os exibidores.
2 - Como exemplo, a DG2L Technologies ganhou um contrato em 2005 para instalar cinemas digitais baseados em MPEG 4 em 2.000 salas de cinema controladas pelo exibidor indiano United Film Organisers. No momento de escrita deste artigo, 150 sistemas foram instalados.(N.A.)