quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

Museus audiovisuais (acervos em Curitiba) - parte 4

Em outubro deste ano, fui convidado para viajar a Curitiba, pela professora Solange Stecz, para participar de um evento na UNESPAR, e ainda de um debate no festival Super 8. Como não ia a capital curitibana há alguns anos, aproveitei para visitar a Cinemateca de Curitiba e o Museu da Imagem e do Som do Paraná.

A Cinemateca é uma instituição pública ligada à prefeitura de Curitiba. Tive o prazer de ser recebido pelo amigo Marcos Saboia, que me mostrou o espaço da cinemateca, incluindo a reserva técnica de filmes e sala de projeção. Fiquei positivamente surpreendido pelo incrível acervo de equipamentos da instituição, tanto as peças catalogadas no acervo, quanto aquelas em exposição na entrada da Cinemateca e na sala de consultas. 

Destaco dois importantes projetores 35mm portáteis, que foram usados em escolas brasileiras no final dos anos 1920, antes da bitola 16mm se transformar no padrão do cinema escolar. Um é o Kinox, da alemã Ernemann, e o outro o Jacky, da francesa Debrie. São projetores que menciono num recente artigo (ainda não publicado) que escrevi sobre a difusão do 16mm em espaços como escolas e cineclubes, e que foi um prazer descobrir exemplares preservados numa instituição brasileira

Kinox

Jacky

O acervo da Cinemateca de Curitiba conta ainda com projetores  de maior porte, como um incrível projetor Incol 16-35, isto é, um aparelho conjugado para filmes em 16mm e 35mm. A Incol foi uma importante fabricante brasileira de projetores cinematográficos, embora seja mais conhecida pelos seus aparelhos conjugados 35-70, que foram instalados em muitos cinemas brasileiros na década de 1970, auge do sucesso local dos filmes em 70mm, existindo um par até hoje na cabine do Pathé Palace, na Cinelândia carioca, onde hoje funciona uma Igreja Universal do Reino de Deus.

Incol

Na reserva técnica, pude notar ainda um grande número de projetores de outras bitolas e muitas câmeras, de diferentes épocas e formatos, todos catalogados e acondicionados.

O Museu da Imagem e do Som do Paraná, por sua vez, é uma instituição estadual, e que se dedica não apenas ao cinema, mas também ao rádio, disco e televisão. Fui muito bem recebido por sua diretora, Mirele Camargo, que gentilmente me mostrou o espaço e vasto acervo do museu. Por sorte, pude visitar ainda uma bela exposição de seu acervo, com destaque para os aparelhos de rádio e, principalmente, para a variada coleção de monitores de televisão. Em relação aos aparelhos de cinema, havia também interessantes peças em exposição, como uma moviola italiana Prevost (objeto menos comum de ser encontrado, dada a supremacia posterior da moviola alemã Steenbeck no país) e um projetor 35mm nacional Sólidus VII, da Empresa Cinematográfica Pathé, de São Paulo. Os dois estão nas fotos abaixo.


Foi um prazer poder visitar a Cinemateca de Curitiba e o MIS-PR e conhecer os belos acervos de equipamentos audiovisuais preservados nessas duas instituições públicas da capital paranaense. Que eles sejam bem conservados e estimulem o interesse de pesquisadores locais.

segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Eu e a Cinemateca Brasileira: um relato pessoal

Eu já ouvi comentários através de amigos e de desconhecidos, recentemente ou há anos atrás, de que eu era considerado um “inimigo”, um “desafeto” ou um “adversário” da Cinemateca Brasileira. São comentários vindos, principalmente, de pessoas que não me conhecem bem ou não me conhecem em nada. Considero isso uma tremenda bobagem, no mínimo. Como historiador e preservador do cinema brasileiro, eu amo a Cinemateca Brasileira e seu acervo. Utilizei sua vasta e preciosa documentação desde o meu mestrado e, sempre que estou em São Paulo, visito sua biblioteca. Já exibi cópias de filmes de suas coleções em diversas aulas e eventos ao longo de duas décadas. Admiro e respeito profundamente a história da instituição. Justamente por amar a Cinemateca Brasileira é que eu fui, ao longo de anos, abertamente crítico a certas práticas, iniciativas e ações tomadas pelos seus gestores, quando achei que elas eram prejudiciais à instituição e sua missão (fosse em 2009, em 2012, em 2019, ou qualquer outro ano). Criticar o que merece ser criticado nas ações de quem esteja à frente da Cinemateca Brasileira não é ser inimigo dela, muito pelo contrário, é defender a Cinemateca Brasileira. E eu defendo a Cinemateca como a instituição pública que ela, há 40 anos, é. E que por ser uma instituição pública, deve se pautar pela impessoalidade, moralidade, eficiência e legalidade. Eu defendo a Cinemateca Brasileira como uma instituição que atua na preservação audiovisual, visando, acima de tudo, a salvaguarda e o acesso ao seu acervo – para todas e todas, da geração atual e futuras, sem distinção. Não podia e continuo não podendo aceitar, impassível, se uma instituição pública de preservação audiovisual deixa de priorizar, havendo recursos para tal, ações fundamentais para a conservação dos itens mais preciosos de seu acervo. Não podia e continuo não podendo aceitar se uma instituição pública de preservação audiovisual deixa de permitir o acesso para quem deseja ou precisa utilizar seu acervo por motivos obscuros ou obscenos. Não podia e continuo não podendo aceitar se uma instituição pública de preservação audiovisual faz escolhas curatoriais, editoriais ou contratuais por amizade ou compadrio ao invés de reconhecida capacidade, talento ou experiência.  Não podia e continuo não podendo aceitar se uma instituição pública de preservação audiovisual age como uma empresa privada, priorizando o lucro acima do interesse público. Na pior fase de sua longa e turbulenta história, durante o governo Bolsonaro, quando a Cinemateca Brasileira esteve fechada e sem funcionários, ajudei a denunciar internacionalmente a situação, escrevendo para o blog e participando da criação de textos em inglês que permitiram que, ao redor do mundo, mais pessoas soubessem do atentado contra a instituição. Ao longo de minha vida profissional, aprendi com grandes funcionários da Cinemateca Brasileira, como Fernanda Coelho, Carlos Roberto de Souza e Francisco Mattos, e fui beneficiado por algumas de suas mais importantes iniciativas, como os cursos e seminários abertos à comunidade de preservadores audiovisuais, oferecidos no início dos anos 2000. Trabalhei junto com a Cinemateca Brasileira quando idealizei e fui o curador da primeira retrospectiva integral da produção do estúdio paulista Maristela, patrocinado pelo Centro Cultural Banco do Brasil, em 2011. Por meio dessa retrospectiva, financiamos a feitura de cópias novas, em 35mm, de alguns raríssimos filmes realizados nos anos 1950 que foram exibidos no evento e, depois, incorporados ao acervo da instituição. Minha defesa e valorização da instituição nunca me fez, porém, deixar de criticar quando achasse que erros e desvios estavam sendo cometidos. E sofri retaliações. Quando quis organizar o lançamento em São Paulo de meu livro “Cinematographo emNictheroy: história das salas de cinema de Niterói”, publicado em 2012, tive singelamente “recusada” a possibilidade de fazê-lo na Cinemateca Brasileira, mesmo se outros livros de cinema, de autores “amigos”, tivessem sido lançados normalmente lá nas semanas anteriores. O motivo? Nunca me foi dito claramente. Os comentários nunca são diretos. Ainda assim, apesar de alguns olhares desconfiados e da reação constrangida de uns poucos, nunca deixei de entrar e frequentar a Cinemateca Brasileira de cabeça erguida – a instituição é pública e não tem donos, apesar de alguns desejarem ou pensarem ser. Atualmente, acredito que, apesar da tragédia recente, a situação institucional da Cinemateca Brasileira é a melhor em muitos anos. Como especialista da área, fui convidado a participar da comissão de avaliação e acompanhamento do contrato de gestão da Secretaria do Audiovisual com a Sociedade Amigos da Cinemateca, entidade privada sem fins lucrativos responsável pela gestão da instituição. Trata-se de um trabalho complexo e árduo que eu e meus colegas realizamos voluntariamente – estritamente de forma voluntária, reitero. Não ganhamos um centavo sequer para ler, discutir e avaliar os volumosos relatórios de gestão, o cumprimento das metas e a adequação dos indicadores. O relatório da comissão que integro foram recentemente tornados públicos, no site do Ministério da Cultura, permitindo que qualquer brasileiro possa também acompanhar e fiscalizar o contrato e as ações da O.S. Essa é a tal transparência que eu vinha defendendo há tantos anos. Aliás, nunca recebi um real que fosse de nenhum projeto ou de nenhuma diretoria da Cinemateca Brasileira, mesmo quando milhões de reais atravessavam alegremente o caixa da instituição. Talvez isso tenha causado estranhamento em algumas pessoas que me viam enfrentar, então, poderosos mandachuvas. Apesar de sua origem, em meados do século XX, numa época de instituições personalistas, a Cinemateca Brasileira não me odeia, não me vê como inimigo, pois é uma instituição que não tem dono, nem nunca teve. Quem talvez tenha manifestado e ainda manifeste essa opinião sobre mim é quem vê na Cinemateca Brasileira, sobretudo, um espaço de disputa e conquista de poder. Azar. Essas pessoas passam. A Cinemateca Brasileira fica. E é isso que importa.




Fotografias de minha primeira passagem pela Cinemateca Brasileira, no curso de duas semanas de duração, para técnicos de arquivos de filmes, em dezembro de 2003 - exatos vinte anos atrás. Fotografias tiradas, digitalizadas e compartilhadas pelo colega Marcus Alves



terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

Relatório final do GT de Preservação do Fórum de Tiradentes 2023

Após a tragédia que assolou o Brasil nos últimos anos, especialmente para o campo da cultura e da memória, torna-se necessário reconstruir o país - e o seu audiovisual, por exemplo. Nesse sentido, no final de 2022, sob a iniciativa de Mário Borgneth e Alfredo Manevy, foram criados cinco Grupos de Trabalho (GTs) dedicados aos campos da Produção, Exibição, Distribuição, Formação e Preservação audiovisuais. Os GTs foram integrados por profissionais de cada especialidade para subsidiar o novo governo com as demandas, opiniões e sugestões do campo do audiovisual. Fui convidado a integrar o GT de Preservação pelo seu coordenador, Hernani Heffner, tendo como meta a reunião presencial entre todos os grupos de trabalho no Fórum de Tiradentes, realizado durante a Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro de 2023.


Nosso GT teve diversas reuniões remotas entre dezembro e janeiro, para redigir um texto base que foi levado ao Fórum de Tiradentes, contando ainda com colaborações enviadas, por email, através da Universo Produção, por toda e qualquer pessoa interessada. Durante a mostra, os GTs tiveram novas reuniões e debates, incluindo uma plenária na qual o texto base foi lido e discutido.

O Fórum de Tiradentes resultou num documento conjunto a ser entregue ao governo brasileiro, assim como a Carta de Tiradentes 2023.

Entretanto, cada GT também finalizou um relatório próprio, mais extenso e detalhado. Esse também foi o caso do GT de Preservação.

O texto que está sendo compartilhado aqui é um dos mais importantes já produzidos sobre o campo da preservação audiovisual no Brasil. Além de um extenso e detalhado diagnóstico sobre a situação atual do setor, ele apresenta uma série de sugestões e propostas concretas para seu desenvolvimento. São propostas a curto, médio e longo prazo, voltadas para setor privado, para o legislativo, e para os governos federal, estaduais e municipais. Os desafios, dificuldades e necessidades do campo são tratados de forma ampla e minuciosa. 

Não se trata de um texto final, mas é, sem dúvidas, um excelente ponto de partida para a inadiável implantação de uma política pública para o campo da preservação audiovisual no Brasil.

Acesse aqui o RELATÓRIO FINAL DO GRUPO DE TRABALHO DE PRESERVAÇÃO AUDIOVISUAL - FÓRUM DE TIRADENTES 2023