Depois da (polêmica) compra do acervo de filmes e documentos da Atlântida (ver aqui artigo escrito para o blog sobre a questão), o MinC prossegue, em parceria com a Cinemateca Brasileira, a estratégia de adquirir os mais importantes acervos da história do cinema brasileiro. Foi anunciada recentemente a compra da Vera Cruz, que inclui documentos e objetos históricos, além dos direitos sobre as obras produzidas pela companhia fundada em 1949. A grande parte das cópias e negativos dos filmes agora pertencentes ao governo já se encontravam depositados sob comodato na Cinemateca Brasileira, orgão vinculado à Secretaria do Audiovisual.
Como ocorreu com a compra da Atlântida, a notícia da venda da Vera Cruz surpreendeu aos profissionais da área de preservação audiovisual, uma vez que a recente estratégia do MinC de aquisição de acervos jamais foi discutida com a sociedade (em fóruns como o CineOP, que realiza encontros anuais sobre o tema em Ouro Preto) e não está prevista, por exemplo, nos planos de ação do SAv para 2009.
Mais estranho é o fato de que os valores envolvidos tanto na compra da Atlântida quanto da Vera Cruz não foram divulgados publicamente. Existe a apreensão generalizada de como e quem irá gerenciar os direitos dessas obras junto, por exemplo, aos produtores interessados em exibir os filmes em mostras, festivais ou canais de TV ou utilizar trechos ou imagens das obras em documentários ou publicações impressas. Outro ponto sujeito à controvérsias é se o investimento de recursos na compra dos direitos de filmes cujos materiais já se encontravam sob a guarda da Cinemateca Brasileira - que efetua a preservação de seu acervo, mas em geral não possui os direitos das obras - seria a prioridade numa área extremamente carente de recursos e cujos arquivos espalhados por todo o país encontram-se numa situação de grande desigualdade.
Persiste a suspeita de que essa estratégia esteja associada ao ambicioso projeto do MinC-SAv, em parceria com o Ministério de Ciência e Tecnologia, de criação do "Banco de Conteúdos Audiovisuais Brasileiros", com previsão de investimentos de cerca de R$ 30 milhões. Os filmes da Altântida e da Vera Cruz, adquiridos pelo MinC, poderiam então ser disponibilizados na internet juntamente com a maior parte dos filmes silenciosos ainda preservados que já se encontram em domínio público, gerando grandes dividendos políticos para os orgãos do governo.
Os profissionais da área, porém, questionam a prioridade de investimentos dada à digitalização das obras realizadas originalmente em película, uma vez que é consenso junto aos especialistas o fato de que a película cinematográfica é um suporte muito mais estável e confiável e que essas obras devem ser preservadas em seus suportes originais. Além disso, discute-se o "inchaço" de uma instituição como a Cinemateca Brasileira, criada pelo falecido Paulo Emílio Salles Gomes e que era um orgão privado até 1984. Apesar de ter sido incorporada ao governo, a maior parte de suas atividades são realizadas pelo SAC (Sociedade de Amigos da Cinemateca), associação privada sem fins lucrativos que tem recebido nos últimos anos a quase totalidade de recursos públicos para a área, a despeito da situação de carência de profissionais e equipamentos de diversos arquivos audiovisuais públicos em todo o país responsáveis por acervos que incluem não somente longas-metragens de ficção, mas curtas-metragens, documentários, cine-jornais, filmes antropológicos e ciêntificos e programas de televisão, além de valiosas coleções de documentos correlatos.
Rafael de Luna Freire
Reportagem publicada na Folha de São Paulo (Folha Online - http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u661675.shtml)
04/12/2009 - 09h18
MinC compra acervo de 40 filmes da Vera Cruz
O projeto de revitalização dos antigos estúdios da Vera Cruz inclui o tombamento do acervo de 40 longas-metragens e cerca de 10 mil fotos, hoje guardadas no Museu da Imagem e do Som (MIS).
São Bernardo cria mais um projeto para área do estúdio Vera Cruz
Há, ainda, pôsteres, documentos, fichas de empregados que estão sob a tutela da família Khouri, na rua Martins Fontes, região central de São Paulo.
O acordo, alinhavado entre Cinemateca, Ministério da Cultura, prefeitura de São Bernardo e família, é tratado, publicamente, com cautela, já que o contrato ainda não foi assinado. Mas o anúncio da compra e do tombamento do acervo estão programados para o dia 15. "Nosso interesse é que isso tudo seja preservado e disponibilizado", diz Fred Khouri, responsável pela empresa Vera Cruz.
Os cuidados no tratamento público do assunto se justificam. O uso indevido do nome Vera Cruz e de material iconográfico sem autorização da família já rendeu vários processos judiciais. "Desde os anos 1970, aquilo é só um prédio, não é a Vera Cruz", diz o pesquisador Sergio Martinelli, explicando a confusão que tem origem em questões empresariais. "As pessoas confundem o terreno com a mitologia. A Vera Cruz, empresa, tem um escritório em São Paulo desde os anos 1970."
Para desatar o nó, é preciso voltar na história dos estúdios criados por Franco Zampari. Com equipamentos de ponta, profissionais experimentados e produções ambiciosas, os "anos de ouro", entre 1949 e 1954, produziram sucessos de bilheteria, mas pouco renderam para a empresa, que deixou a distribuição a cargo de subsidiárias de Hollywood. "A bilheteria acabava não voltando para a Vera Cruz", diz Martinelli.
Endividado, Zampari teve de entregar os estúdios ao Banco do Estado de São Paulo. Uma nova empresa, a Brasil Filmes, garantiu a continuidade da produção, nos anos 1960. Uma terceira fase teria início em 1973, quando a manutenção dos estúdios se tornou inviável e os irmãos Walter Hugo e William Khouri trouxeram a empresa para São Paulo.
"Parece que a Vera Cruz é só um nome que todo mundo pode usar", diz Khouri. Foi por uso indevido da marca que a família abriu processos contra a prefeitura de São Bernardo, uma empresa da cidade e até contra um bar.
De acordo com Khouri, foi acertado, com a prefeitura de São Bernardo, que, no novo projeto, o nome Vera Cruz poderá ser usado para fins históricos. (ANA PAULA SOUSA)
2 comentários:
É cabível discutir a concentração de recursos na Cinemateca Brasileira, mas não concordo na crítica à iniciativa do Minc de adquirir os acervos. Com frequência se reclama da inércia oficial quanto ao patrimônio audiovisual brasileiro, e quando algum movimento se inicia não cabe contestar pura e simplesmente. Por outro lado, a simples disponibilização de filmes na internet não desobrigaria o Minc de garantir a preservação das matrizes em película. Não é uma coisa OU outra, mas uma coisa E outra.
(escrevendo de um teclado sem acentos)
Carlos,
Minha principal critica neste caso eh ao fato de que os criterios e a prioridade dessa politica de aquisicao de acervos pelo MinC nao foi discutida com a sociedade e ou com a classe (nada disso foi mencionado nem pelo Silvio Da-Rin nem pelo Carlos Magalhaes no ultimo CineOP, por exemplo) e nao esta sendo feita de forma transparente.
O Governo Lula tem revertido muitos mais recursos para a area de preservacao audiovisual do que os governos anteriores, mas uma politica nacional de preservacao que seria a prioridade numero um, nao esta sendo elaborada em conjunto com a sociedade civil, mas esta sendo decidida, conduzida e imposta como se o simples fato de ser destinar mais investimentos para a area justificasse a imposicao do silencio e a ausencia de qualquer debate sobre a origem, utilizacao e destinacao justa e eficiente desses recursos.
A aquisicao dos direitos dos filmes nao vai salvar os materiais da Atlantida e da Vera Cruz que ja estao sendo preservados na Cinemateca Brasileira. Com a excecao da documentacao correlata, o que sera feito com o arquivo filmico eh uma acao puramente de difusao, que ficara inteiramente sob a alcada do governo. Preservacao e difusao sao dois lados da mesma moeda, mas percebo na atual politica do MinC um total desequilibrio, um crescente autoritarismo e um enorme interesse em acoes que garantam sobretudo visibilidade aos seus condutores.
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