O segundo dia do Simpósio Técnico da AMIA, The Reel Thing 2009, começou com a palestra de John Galt, da Panavision, intitulada “Resolution Limitations of Film Scanners: More Pixels Do Not Mean More Resolution”.
Este enfático título auto-explicativo já indicava o teor de sua excelente comunicação que criticou severamente a tendência de “olharmos apenas os números” – o que nos deixa entusiasmados com os alardes sobre o não-sei-quantos-mil-pixels da última câmera ou do último filme – , indicando que a realidade é muito mais complexa e que a quantidade de pixels não equivale à resolução de uma imagem. Em suas palavras, a resolução que vemos na tela de um cinema depende de lentes, negativos, interpositivos, contratipos e cópias. Ou seja, a baixa qualidade em qualquer um desses elementos certamente vai comprometer o resultado final, pois é o “pior elemento do sistema que define a qualidade máxima do seu resultado”. A sugestão de Galt era: “analise seu sistema como um todo”.
Para dar um exemplo óbvio de suas palavras, ele mostrava como a moderna câmera profissional Gênesis, que pesa 2,5 kg, atualmente utilizada em vários longas-metragens e programas de televisão, registrava imagens de 12 MegaPixels. A mesma quantidade de pixels que o celular que ele carregava no bolso.
A resolução na tela não depende, obviamente, apenas dos elementos envolvidos no sistema de filmagem e feitura da cópia, mas também de projeção (lentes e equipamentos envolvidos). Dizia ainda: “Se você quer 2k na tela, você precisa de um projetor 8K”, sendo necessário para uma correta avaliação do resultado fotográfico a visão do filme num ambiente adequado. “Veja o filme, não os números”, ressaltou.
Além disso, Galt dizia para desconfiarmos dos números utilizados como propaganda. Se a Kodak fala que um negativo é 400 ASA, mas na verdade descobre-se que ele é, na prática, 250 ASA, os fabricantes dizem que o registro digital é em 4K quando ele mal chega a ser HD.
Por fim, Galt alertava que tecnologia das lentes estão chegando no limite de sua máxima qualidade possível. Desse modo, a única solução que ainda existe para ampliar a qualidade das imagens é o aumento da área de registro.
Ainda no campo do digital, a palestra seguinte foi a do consultor internacional e conservador da Cinemateca Real da Bélgica, Nicola Mazzanti, que fez um relato dos resultados do Projeto EDCINE (Enhanced Digital Cinema), destinado a pesquisar soluções técnicas para gerenciar, preservar e distribuir coleções audiovisuais digitais das cinematecas.
Mazzanti apontou a necessária mudança de concepção da preservação com o advento do digital. Da idéia de conservação a longo prazo – “mantenha frio e mantenha seco” (ou seja, a -5 °C e 20 a 30% de umidade relativa do ar) – chegamos a um quadro marcado por quatro fatores – deterioração da mídia, obsolescência da mídia, obsolescência do formato, ausência de padrões – que implicam na necessidade de migração constante. Afinal, o que se diz sempre é que o digital ou vai “durar para sempre” ou vai durar só cinco anos... É melhor nos prevernirmos para o segundo e mais frequente caso.
Pensando nos vários problemas envolvidos na rotina de um Arquivo de Filmes, com obras em diferentes formatos digitais chegando e diferentes formatos sendo solicitados para acesso e uso, com diferentes equipes com distintos conhecimentos trabalhando no arquivo, e com a necessidade de se levar em consideração os variáveis custos de digitalização – chegou-se à conclusão da necessidade de se pensar numa abordagem sistemática desse problema. Alguns dos principais fatores seriam a preservação de metadados (que são um ponto central), o estabelecimento de estratégias de migração e a adoção de padrões.
Nesse sistema desenvolvido pelo EDCINE, existiriam o Submission Information Pack (SIP) – com os dados e mais metadados que entram no arquivo –; o Master Archive Package (MAP); o Intermediate Acess Package (IAP); e o Delivering Information Package (DIP), que são os arquivos a serem acessados. O MAP, por exemplo, seria no formato JPEG 2000 sem compressão, enquanto o IAP, seria o JPEG 2000 com compressão, 2040 x 1080, 24 x 48 fps.
Alguns dos elementos principais de um sistema são: Padrões e formatos abertos, bem-documentados e livres; arquivos com ou sem compressão; compatibilidade com todas as resoluções, formatos etc.; viabilidade para imagens em movimento; arquivos de fácil extração para resoluções mais baixas; arquivos que permitam preservação para longo prazo.
Para mais informações sugiro o site do EDCINE (http://www.edcine.org), assim como http://www.dspace.org/
Depois dessas duas palestras, ocorreu a pré-estréia da cópia restaurada do filme silencioso de Frank Capra, “The Way of the Strong” (1928). A responsável pelo setor de restauração da Sony Pictures Entertainment, Rita Belda, fez uma breve explanação sobre os desafios para este trabalho.
Conhecido pelos seus longas-metragens realizados a partir de meados dos anos 1930 (Aconteceu naquela noite, E a mulher fez o homem, Do mundo nada se leva etc.), boa parte dos primeiros filmes, inclusive silenciosos, de Capra se perdeu e não existiam nos arquivos da Columbia Pictures. No caso de The Way of the Strong, a restauração partiu sobretudo de uma cópia de nitrato em 35 mm encontrada na Cinemateca da Dinamarca. A pedido da Colúmbia, foi providenciada um negativo de alta densidade dessa cópia dinamarquesa, cujo principal problema se encontrava no fato de todas as cartelas originais , em inglês, terem sido recriadas (e reescritas em dinamarquês). Tentou-se recriar as cartelas originais a partir das folhas de continuidade originais encontradas nos arquivos, mas estas continham apenas as quatro primeiras palavras de cada cartela. Finalmente, foi encontrada uma cópia em nitrato de 1931, bastante danificada, mas que permitiu scannear pelo menos um fotograma de cada cartela para utilizar na restauração.
O resultado desse processo foram arquivos armazenados em fitas LTO, novos negativos em 35mm e um máster de vídeo em HD. Foram gastos dois meses entre a digitalização dos materiais e a cópia final.
O filme foi exibido e é fantástico, uma espécie de melodrama com gangsters no contexto da Lei Seca.
À tarde, a palestra de Bob Eicholz, voltou ao tema digital, sendo intitulada “Eletronic Arquiving: Lessons from 8 years in the DI Trenches”, e trazendo algumas lições da atual realidade com o predomínio da Intermediação Digital.
Conforme Bob, os arquivos eletrônicos são muito mais difíceis do que geralmente se pensa, e ele ressaltou como é importante se guardar os másteres digitais. Mesmo nesses últimos tempos, a obsolescência tem sido rápida (da fita LTO aberta para a LTO-1 e daí para a LTO-4) e os riscos são muitos, incluindo de ocorrerem danos às fitas, seja por causa de software, de erro humano, danos físico ou de hardware. Ele mencionou o caso, por exemplo, de um robô responsável pelo acesso às fitas de um arquivo ter destruído uma fita por erro.
Desse modo, o palestrante afirmava que duas cópias não são suficiente, sendo necessário existir sempre 3 cópias de cada fita.
Apontando como hoje, na indústria, várias mudanças nos filmes ocorrem durante a intermediação digital (por exemplo, a alteração da cor das árvores, fazendo com que uma cena filmada no verão ganhe um tom “outonal”), Bob ressaltou a importância da preservação do DI (Digital Intermediate), que possui elementos inexistentes nos negativos originais. Mesmo que esses elementos estejam presentes nas cópias finais, a questão da qualidade torna necessário a guarda do DI. Afinal, do DI para a cópia, são duas gerações que sempre implicam perdas (do DI – negativo – cópia). Entretanto, mas frequentemente são 4 gerações entre o DI e a cópia na tela (DI – negativo de separação de cor, YCM – scanner – film recorder –negativo – cópia).
A fala de Bob gerou comentários da platéia e suscitou um animado debate. Um diretor de fotografia presente reclamou do atual excesso de manipulação dos coloristas e de como os estúdios estão forçando, mesmo sem necessidade, a feitura de DI, da qual os diretores de fotografia são “desconvidados” para participar. Desse modo cria-se uma quantidade descomunal e desnecessária de arquivos digitais, exemplificado pela produção de 100 TB de dailies (cópias feitas imediatamente depois de cada dia de filmagem para verificação dos resultados).
Em seguida, houve a palestra do restaurador do arquivo da UCLA, Bob Gitt, sobre a recente restauração do musical Sapatinhos vermelhos (The Red Shoes, 1948). Em outro post falarei mais detidamente desse filme, que vi em outra ocasião na mesma época em que estive em Los Angeles.
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