George Eastman House |
Este post é uma colaboração da conservadora Ines Aisengart Menezes, que escreveu para o blog um relato sobre o Nitrate Picture Show 2015, realizado de 1 a 3
de maio de 2015 na George Eastman House, em que ela esteve presente. As fotos também são da autora.
Primeiramente, alguns links do site do evento que era uma celebração do cinema da era das películas no suporte de nitrato de celulose, fabricadas até 1950:
A programação foi divulgada somente no primeiro dia do
evento. Segundo o curador Paolo Cherchi Usai, não foi uma jogada de marketing,
mas sim uma forma de engajar as pessoas na experiência do nitrato, não
importando os títulos. Para mim soou também como uma solução para a produção do
festival, considerando que a investigação/preparação de cópias é um dos fatores
determinantes da programação. A curadoria foi focada em filmes narrativos de
Hollywood do final da década de 30 e 40. Segundo Usai e Jurij Meden (Curator of
Film Exhibitions, que escreveu esse belo texto), foi uma forma de não estigmatizar o festival (e
filmes de nitrato) com o cinema mudo, acompanhados por piano, etc.
Usai constantemente reforçou que as cópias que foram projetadas ainda estão acessíveis hoje por terem sido preservadas ao longo dos anos (George Eastman House, MoMA, UCLA, Academy Film Archive, Library of Congress, British Film Institute); e sobretudo que a exibição é parte crucial da preservação; que deveria ser uma regra o acesso à experiência original, e não uma exceção. As cópias estavam em ótimo estado (riscos leves, um curta com esmaecimento da cor, e dois longos visivelmente encolhidos, causando variação foco constante); sendo que algumas destas eram do mesmo ano de lançamento do filme, e em outros casos, eram relançamentos ou cópias feitas em anos seguintes. Pela manhã antes do primeiro filme, uma mensagem gravada indicava as medidas de segurança enquanto alunos da Selznick School of Film Preservation indicavam as saídas de emergência mais próximas (em estilo usado por tripulante de cabine). Durante a apresentação de cada filme, os projecionistas eram nomeados e aplaudidos; e eram sempre três projecionistas por sessão: um controlando o projetor, outro assistindo ao filme e alertando sobre a qualidade da imagem, e o terceiro supervisionando os outros dois. Me chamou a atenção que dois dos projecionistas são jovens. A projeção foi feita através de dois projetores Century, que eram limpos após cada rolo. Ao final do festival foi feita uma visita guiada à cabine de projeção: 5 projetores, sendo os outros dois para acetato/poliéster, e um 2K.
O festival de 2016 já tem data marcada: 29/4 a 2/5.
Usai constantemente reforçou que as cópias que foram projetadas ainda estão acessíveis hoje por terem sido preservadas ao longo dos anos (George Eastman House, MoMA, UCLA, Academy Film Archive, Library of Congress, British Film Institute); e sobretudo que a exibição é parte crucial da preservação; que deveria ser uma regra o acesso à experiência original, e não uma exceção. As cópias estavam em ótimo estado (riscos leves, um curta com esmaecimento da cor, e dois longos visivelmente encolhidos, causando variação foco constante); sendo que algumas destas eram do mesmo ano de lançamento do filme, e em outros casos, eram relançamentos ou cópias feitas em anos seguintes. Pela manhã antes do primeiro filme, uma mensagem gravada indicava as medidas de segurança enquanto alunos da Selznick School of Film Preservation indicavam as saídas de emergência mais próximas (em estilo usado por tripulante de cabine). Durante a apresentação de cada filme, os projecionistas eram nomeados e aplaudidos; e eram sempre três projecionistas por sessão: um controlando o projetor, outro assistindo ao filme e alertando sobre a qualidade da imagem, e o terceiro supervisionando os outros dois. Me chamou a atenção que dois dos projecionistas são jovens. A projeção foi feita através de dois projetores Century, que eram limpos após cada rolo. Ao final do festival foi feita uma visita guiada à cabine de projeção: 5 projetores, sendo os outros dois para acetato/poliéster, e um 2K.
O festival de 2016 já tem data marcada: 29/4 a 2/5.
This Film is Dangerous: A Celebration of Nitrate Film, ed. Roger Smither, Associate editor Catherine A Surowiec. FIAF (Fédération Internationale des Archives du Film), London: United Kingdom, 2002. Index.
A ideia do livro surgiu no Congresso da FIAF de 1992 em
Montevideo. Smithers apresentou a pesquisa do livro, parcerias, e algumas
curiosidades sobre o livro e o nitrato. Falou das tragédias, como indicadas
pelo Le Petit Journal de 16 Maio de 1987 sobre um incêndio de cinema, com morte
de mulheres e crianças; os grandes incêndios em arquivos, como 1913 em
Tanhouse, 1957 na Cinemateca Brasileira, e 1982 no Mexico. Foi comentado como a
indústria do cinema demonizou o nitrato por décadas, gerando a destruição de
negativos/cópias após as cópias em acetato. Foram mencionados as iniciativas
Nitrate Project 2000; Last Film Search na Austrália; Congresso da FIAF de 2000
em Londres: “The Last Nitrate Picture Show / The Futurology of Film Archiving”
(o livro seria lançado neste ano, mas acabou atrasando e incorporou debates
ocorridos no Congresso). Smither destacou a essencial colaboração de arquivos e
pesquisadores/preservadores, como Ray Edmondson. Contou alguns causos em torno
do nitrato, como operadores de camera e projecionistas fumantes, sala de
despacho perigosamente caóticas, e colecionadores com posse de supostos filmes
perdidos. Comentou sobre a cultura do nitrato em outros filmes, como Sabotagem, Cinema
Paradiso, Bastardos Inglorios; comic: Captain Nitrate, por Borislav
Stanojevic. O título do livro é retirado de um filme feito pela Marinha Inglesa
sobre nitrato em 1948 (exibido no festival em acetato), demonstrando como o
fogo do nitrato é perigoso e quais medidas de segurança devem ser tomadas (com
um tom cômico involuntário). O título foi considerado alarmista por alguns
colaboradores do livro, mas não pela FIAF.
Foi levantada a questão de que algumas pessoas não consideram o nitrato extraordinário, e que seria então nostalgia pelos tempos idos; ou que a imagem radiante viria da quantidade de prata na emulsão (e portanto não toda cópia em nitrato seria esplendorosa); ou a imagem seria os projetores a carbono; ou ainda a fumaça dos fumantes na plateia que conferia uma certa ‘atmosfera’ às projeções.
Participantes da platéia acabaram dividindo notícias recentes descobertas de nitrato em suas cidades, como um filme de 1905 (dado como perdido) pela George Eastman encontrado em bom estado no meio de vários materiais em nitrato deteriorados, que será preservado/restaurado pelos Selznick alunos e apresentado neste ano em Pordenone; assim como descobertas recentes na Library of Congress; Georgia Film Museum; National Film and Sound Archive.
Foi comentado a existência de película 16mm em nitrato, resultado da falta de película no mercado durante a II Guerra: 35mm cortado ao meio.
Foi levantada a questão de que algumas pessoas não consideram o nitrato extraordinário, e que seria então nostalgia pelos tempos idos; ou que a imagem radiante viria da quantidade de prata na emulsão (e portanto não toda cópia em nitrato seria esplendorosa); ou a imagem seria os projetores a carbono; ou ainda a fumaça dos fumantes na plateia que conferia uma certa ‘atmosfera’ às projeções.
Participantes da platéia acabaram dividindo notícias recentes descobertas de nitrato em suas cidades, como um filme de 1905 (dado como perdido) pela George Eastman encontrado em bom estado no meio de vários materiais em nitrato deteriorados, que será preservado/restaurado pelos Selznick alunos e apresentado neste ano em Pordenone; assim como descobertas recentes na Library of Congress; Georgia Film Museum; National Film and Sound Archive.
Foi comentado a existência de película 16mm em nitrato, resultado da falta de película no mercado durante a II Guerra: 35mm cortado ao meio.
Film Conservation Revisited - Burning Passions: A Roundtable
Discussion
Paolo Cherchi Usai, George Eastman House (mediador) / Kevin Bronlow, Photoplay Productions / Tone Føreland, Digital Library Development - National Library of Norway / Meg Labrum, National Film and Sound Archive of Australia / Katie Trainor, Department of Film - MoMA
Usai levantou a questão do destino das cópias de nitrato em tempos de projeção digital, e o grande desafio de manter acesso aos originais em filme (em qualquer suporte). Comentou sobre o desvanecimento do conhecimento sobre o projeção de filme, e reforçou da necessidade de treinamento de projecionistas em película e digital, e da necessidade de manutenção de projetores (como manter um piano afinado), e da preservação de equipamentos de projeção. Falou ainda do enorme desafio (subestimado) da preservação e restauração de sistemas e equipamentos sonoros. Comentou que cópias em 16mm tem sido mais danificadas em empréstimos, e da importância da película de teste em loop (já rara no mercado).
Labrum compartilhou a experiência da Last Film Search na Australia na decada de 80: uma caravana coletando nitrato por todo o país. O projeto foi planejado para alguns poucos anos, mas está ativo até hoje, e coleta filmes de família, cinejornais, filmes narrativos. Comentou que a NFSA tem recolhido projetores, e falou da importância de ter peças extras, e alguém da platéia falou de fazer peças com impressoras 3D.
Trainor falou do comprometimento de cinemas do circuito de arthouse com a manutenção da exibição em 35mm/16mm; de workshops feitos pela AMIA sobre manuseio de materiais de arquivo, que tem atraído muitos jovens, e que gerou otimismo para ela. Explicou o procedimento para aluguel de cópias do MoMA: registro e verificação por algum afiliado à FIAF mais próximo, e que cópias únicas não saem do museu. E ecoou as palavras de Usai sobre a importância da exibição, e lembrou que o circuito de cinema amador projeta material reversível com muito esmero. Ela mencionou que a cabine de projeção adaptada ao nitrato do MoMA não foi mantida na renovação no início dos anos 2000.
Bronlow compartilhou muitas estórias antes de campanhas para salvar nitrato.
Paolo Cherchi Usai, George Eastman House (mediador) / Kevin Bronlow, Photoplay Productions / Tone Føreland, Digital Library Development - National Library of Norway / Meg Labrum, National Film and Sound Archive of Australia / Katie Trainor, Department of Film - MoMA
Usai levantou a questão do destino das cópias de nitrato em tempos de projeção digital, e o grande desafio de manter acesso aos originais em filme (em qualquer suporte). Comentou sobre o desvanecimento do conhecimento sobre o projeção de filme, e reforçou da necessidade de treinamento de projecionistas em película e digital, e da necessidade de manutenção de projetores (como manter um piano afinado), e da preservação de equipamentos de projeção. Falou ainda do enorme desafio (subestimado) da preservação e restauração de sistemas e equipamentos sonoros. Comentou que cópias em 16mm tem sido mais danificadas em empréstimos, e da importância da película de teste em loop (já rara no mercado).
Labrum compartilhou a experiência da Last Film Search na Australia na decada de 80: uma caravana coletando nitrato por todo o país. O projeto foi planejado para alguns poucos anos, mas está ativo até hoje, e coleta filmes de família, cinejornais, filmes narrativos. Comentou que a NFSA tem recolhido projetores, e falou da importância de ter peças extras, e alguém da platéia falou de fazer peças com impressoras 3D.
Trainor falou do comprometimento de cinemas do circuito de arthouse com a manutenção da exibição em 35mm/16mm; de workshops feitos pela AMIA sobre manuseio de materiais de arquivo, que tem atraído muitos jovens, e que gerou otimismo para ela. Explicou o procedimento para aluguel de cópias do MoMA: registro e verificação por algum afiliado à FIAF mais próximo, e que cópias únicas não saem do museu. E ecoou as palavras de Usai sobre a importância da exibição, e lembrou que o circuito de cinema amador projeta material reversível com muito esmero. Ela mencionou que a cabine de projeção adaptada ao nitrato do MoMA não foi mantida na renovação no início dos anos 2000.
Bronlow compartilhou muitas estórias antes de campanhas para salvar nitrato.
Minhas breves impressões:
Após a exibição de A Star is Born na noite
anterior ao início do festival, senti que não havia nada de especial sobre a
projeção: a cópia estava linda, mas não extraordinária. No dia seguinte,
durante a Casablanca, tive a sensação de que eu estava assistindo a um
filme radicalmente diferente. Foi bom começar com um filme que eu assisti
muitas vezes antes (ambo em digital e 35mm), para que eu pudesse perceber
melhor sobre a cópia de nitrato.
A experiência do nitrato foi mais impactante em alguns
filmes/cópias, por vezes a imagem em p&b me parecia mais brilhante, com
riqueza de detalhes nos pretos e nos brancos, e as vezes o Technicolor era de
um colorido assustadoramente bonito. Eu oscilava entre a imersão no filme e
observar a cópia, luminância, etc. Foi curioso ver diferentes tipos de marcas
de troca de rolos, ruídos/interferência na imagem (fungo? não saberia dizer), e
variações na banda sonora.
Eu tinha a forte expectativa de assistir a filmes de diversas partes do mundo e filmes não-sonoros tinted, toned, stencilled, que foram prometidos para o próximo ano. Com exceção de Les Maudits de René Clément, e de dois curtas publicitários de animação da Noruega, os demais filmes eram todos de Hollywood e Inglaterra (uma pena, esperava filmes asiáticos!). Para mim, o ponto alto do festival foi a exibição de Portrait of Jennie (1948), num lindo p&b, com uma textura de tela em algumas das cenas,e que no rolo final a imagem expandiu de 1:1.37 para "cycloramic screen", com uma cena em tinted verde, toned sepia e Technicolor.
Eu tinha a forte expectativa de assistir a filmes de diversas partes do mundo e filmes não-sonoros tinted, toned, stencilled, que foram prometidos para o próximo ano. Com exceção de Les Maudits de René Clément, e de dois curtas publicitários de animação da Noruega, os demais filmes eram todos de Hollywood e Inglaterra (uma pena, esperava filmes asiáticos!). Para mim, o ponto alto do festival foi a exibição de Portrait of Jennie (1948), num lindo p&b, com uma textura de tela em algumas das cenas,e que no rolo final a imagem expandiu de 1:1.37 para "cycloramic screen", com uma cena em tinted verde, toned sepia e Technicolor.
Esperava mais discussões sobre a cultura cinematográfica em
tempos de digital, o que reforçou a sensação de estar em um 'universo
paralelo'.
Ao chegar na George Eastman House me senti em um universo
paralelo, de culto ao nitrato e a cultura do cinema, como um clube privado de
velhos conhecidos onde eu era penetra. Como foi minha primeira vez nos EUA,
tudo era novidade para mim, e de certa forma, tudo me pareceu grande ou
extremo. Rochester é uma cidade linda, com a ajuda da primavera, que tinha
acabado de chegar, mas com um centro esvaziado e triste (após fábricas
fechadas, como Kodak). A cidade no inverno com dias curtos e frios não deve ser
nada acolhedora...
George Eastman House tem um museu sobre a história de
Eastman e da Kodak, da qual destaco uma sala interativa de pré-cinema e
fotografia, com uma camara obscura, mutoscope (original, que podia ser
manipulado), images estereoscópicas, zoetrope, etc.
Um comentário:
Excelente relato do que parece ter sido mesmo um evento ultra especial. Ótimo resumo de alguns debates e posicionamentos, boas e informativas imagens. Deixa a gente com muita vontade de ir ao próximo!
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