
Somente para situar o que é esse 8K, hoje o que chamamos de TV Digital no Brasil baseia-se na transmissão e exibição, pelos televisores, de imagem em Full HD ou HDTV (1920 x 1080 pixels). Nas salas de cinema, o padrão mínimo de cinema digital mundialmente é o 2K (2048 x 1080 pixels). Esse 2K nada mais é do que um termo genérico que designa uma resolução na ordem de 2 mil pixels. Entretanto, uma parcela dos cinemas já instalaram projetores 4K - no Brasil, a UCI começou a instalar os primeiros projetores no final de 2010, mas ainda são poucos em todo o país. 4K (4096 × 2160 pixels) designa o que seria o dobro da resolução do 2K, mas é difícil saber quais salas de cinema no Brasil tem 2K ou 4K, já que a divulgação é sobretudo se o filme é em 3D, IMAX (um sistema que abrange ainda uma tela maior) ou se a sala tem atendimento VIP.
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Anúncio da Sony 4K nos estádios da Copa |
Desse modo, os testes em 8K parecem e são mesmo apenas uma experiência, sem aparente previsão de massificação a curto prazo. Mas no planejamento otimista da NHK, em 2016, nas Olimpíadas do Rio, a empresa pretende fazer as primeiras transmissões experimentais em 8K e, em 2020, de fato televisionar a Olimpíadas de Tóquio nesse novo padrão.
O evento ao qual fui assistir consistiu na exibição de um filme de 30 minutos com imagem e som nesse padrão de Ultra Alta Definição, com filmagens de vários eventos: o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro deste ano, um desfile de modas e um espetáculo de queima de fogos no Japão, trechos da final da Copa das Confederações de 2013 (Brasil x Espanha) e trechos de um jogo da Copa do Mundo que está ocorrendo no Brasil (no caso, do jogo de ontem Grécia x Japão).
Além da maior resolução de imagem, a tecnologia prevê a substituição do sistema de som multicanal (5.1 ou 6.1) por 22.2 canais de áudio. Esse sistema consiste em três faixas horizontais de alto-falantes atrás da tela, cada uma com 3 (mais baixo e mais alto) e 5 (meia altura) canais, além de dois grids de surround, a meia altura (5) e no teto (5 + 1, no centro do teto). Assim: tela (3 + 3 + 5) e surround (5 + 6) resultam em 22 canais + 2 subwoofers = 22.2.
Os folhetos publicitários destacam as "imagens altamente realistas", a "imersão" do som, e os "impressionantes detalhes". Enfim, as mesmas qualidades que cada nova onda tecnológica apregoa ao longo da história, dos grandes formatos nos anos 1920 até a atualidade, passando pelas telas panorâmicas, pelo som estereofônico e pelas primeiras gerações do som e imagem digital.
A minha impressão pessoal dos filmes é de que se trata, sobretudo, de um ganho de resolução e nitidez. A progressão numérica (2K, 4K, 8K etc.) baseia-se em ter mais pixels na imagem. No início do filme, faz-se uma comparação entre o Full HD e o 8K, quando se mostra um plano geral de uma rua com pedestres. Ao enquadrar um trecho dentro da tela e fazer um zoom, a narração destaca como, nesse caso (no recorte de um detalhe da imagem), o Full HD fica sem nitidez, pixalado, enquanto no 8K não. Isso me parece significativo de que, o 8K, só provoca algum impacto num quadro geral ou num pequeno detalhe.
A escolha do que é mostrado no filme-teste é bastante significativa. No caso do carnaval e do desfile de moda, a opção é por planos gerais que revelem um número enorme de pessoas e detalhes (roupas, adereços, efeitos, texturas) - tudo sempre em foco para revelar a precisão dos detalhes. Nesse sentido, ao se abster do uso da profundidade, as imagens ficam absurdamente nítidas, mas com a impressão de serem chapadas.
Isso me provocou dois efeitos. Por um lado, o excesso desse "tudo-em-foco-e-muito nítido", me causou um certo desagrado. As imagens me pareceram confusas, desequilibradas. No caso do carnaval, outros detalhes desviavam minha atenção das alegorias, dos carros e dos passistas. Meu olhar ia para alguém sem camisa na plateia, para o cinegrafista que se destacava no meio do desfile, para uma pessoa de uniforme no camarote. O excesso de foco provocava uma falta de foco.
Por outro lado, alguns efeitos pareciam mais bonitos, como a chuva de papel picado prateado, que reluziam em todos os cantos da tela. Ou a enorme fumaça rosada e crescente de uma cena do lançamento de um foguete. Me lembrei, curiosamente, do texto de Jacques Aumont (Lumière, o "último pintor impressionista", do livro O Olho Interminável), quando o autor comenta os temas banais dos primeiros filmes do final do século XIX, e a reação dos primeiros espectadores fascinados com a realidade palpável de detalhes como o balançar das folhas pelo vento ou o marasmo do bater das ondas na areia. No caso do filme A Saída dos Operários da Fábrica Lumière (1895) a atração estaria na "generosidade visual" do movimento de inúmeras pessoas, todas diferentes e que não se repetiam. A abundância visual da realidade retratada na tela.
Enquanto alguns aspectos que me desagradam no digital não são solucionados pelo aumento de resolução - a textura da cor, por exemplo, continua fria e feia quando comparada com a película -, noto também esse efeito crescente do fascínio dos detalhes no plano geral.
Me lembrei do impacto que senti quando assisti à animação O corcunda de Notre Dame (1996) em seu lançamento nos cinemas. Esse filme é da primeira geração de desenhos da Disney que incorporava as ferramentas digitais e, na época, foi divulgado o quanto isso teria facilitado as cena gerais com muitos personagens se movendo individual e diferentemente em vários sentidos e velocidades. O número musical Topsy Turvy, por exemplo, abusa justamente das cenas de multidão numa festa popular, com direito até à chuva de papel picado. Até hoje, me parece, o grande avanço das animações (que incorporaram o digital em sua máxima potencialidade) foram no sentido do aparente realismo das texturas e detalhes (folhas de árvore, aparência de madeira ou tecido, pêlos de animais etc.) que, muitas vezes, contrastam com a artificialidade de outros personagens, objetos ou cenários.
Nas cenas dos jogos de futebol em 8K, porém, diferentemente das cenas de carnaval, havia o enquadramento de jogadores em plano americano, com o fundo (arquibancada) fora de foco. Nesses casos, minha atenção acabava indo para detalhes do próprio corpo em evidência: a nitidez do suor no rosto do jogador, na textura da camisa molhada, nos cabelo desarrumado. No campo do som, porém, a questão é menos a existência da tecnologia do que seu uso. Apesar dos 22.2 canais, o som quase todo me pareceu vir dos canais centrais da tela. Apenas na sequência dos fogos de artifício, que subiam aos céus, me chamou atenção o uso das caixas frontais superiores, dando a impressão do som se elevar ou vir de cima, mas, de forma geral, o sistema surround me parece muito pouco explorado frente ao que já ouvi em 5.1, por exemplo.
Nas cenas de futebol, apesar da adoção do mesmo enquadramento geral tradicional na transmissão televisiva, não havia narração, mas o som em "primeiro plano" de cada chute ou toque na bola. Apesar do propagado realismo, foi curioso notar o evidente artificialismo de escala, com a imagem distante, e o som em "close", talvez para aumentar a suposta imersão, mas que me deu a impressão de estar assistindo um vídeo-game. Curiosa essa influência de uma estética onde o avatar, mesmo quando distanciado e, logo, reduzido na imagem, quase sempre tem o som de seus movimentos e ações (socos, tiros, passos) amplificado e muito próximo e alto.
Após a projeção do filme, os técnicos japoneses, com a ajuda de uma intérprete, respondiam às perguntas da platéia. Juntando tudo isso, foi uma experiência muito interessante e que pode ser desfrutada por qualquer um, gratuitamente, até o dia 11 de julho,internet. Mais informações neste link: http://redeglobo.globo.com/globouniversidade/noticia/2014/05/experimente-nova-tecnologia-8k-tv-em-ultra-alta-definicao.html