sábado, 17 de julho de 2010

Congresso Nacional de Arquivologia

Do Informativo oficial da Associação dos Arquivistas do Estado do Rio e Janeiro (divulgação pessoal)

Inscrições para mini-cursos serão realizadas no CNA


As inscrições para os dois mini-cursos do IV Congresso Nacional de Arquivologia (IV CNA) serão realizadas no próprio local do evento, no dia 19 de outubro, no Slaviero Slim Alive Vitória Hotel.

Serão realizados os mini-cursos: “O que é cinema? Conhecer para preservar: subsidios para identificação e classificação de obras audiovisuais em suporte cinematográficos”, com o professor Rafael de Luna; “Paleografia e Documentos Notariais”, ministrado pela professora Iracema Marinho (UNB). O número de vagas é limitado e será por ordem de inscrição. Os valores serão definidos, em breve.

O CNA 2010 tem como tema: “A gestão de documentos arquivísticos e o impacto das novas tecnologias de informação e comunicação”. O evento é voltado para os profissionais da área de gestão da informação: arquivistas, administradores, bibliotecários, consultores, profissionais de tecnologia da informação e de qualidade.
O IV CNA já tem presença confirmada de importantes professores e autores de Arquivologia do Brasil e do exterior.

O evento será realizado no Slaviero Slim Alice Vitória Hotel, que se localiza na Rua Coronel Vicente Peixoto, Nº 95, Centro - Vitória – ES.

As inscrições podem ser feitas através do site do evento até o dia 13 de outubro. Após essa data poderão ser feitas exclusivamente na secretaria do Congresso.

As informações completas sobre o IV Congresso Nacional de Arquivologia estão disponíveis no site do evento

terça-feira, 13 de julho de 2010

Algumas considerações sobre o cinema brasileiro da década de 1930

Este texto foi originalmente publicado no catálogo da 5. CineOP, realizada em junho de 2010, em Ouro Preto, que sediou o 5. Encontro Nacional de Arquivos e Acervos Audiovisuais Brasileiros.

Em relação ao cinema brasileiro, a década de 1930 representa um recorte cuja justificativa possivelmente pode ir além da mera convenção cronológica. De fato, trata-se de um período que pode ser apropriadamente demarcado por momentos-chave ocorridos tanto no final da década de 1920, quanto no início dos anos 1940.

Por um lado, temos em 15 de março de 1930 a fundação da Cinédia, através dos investimentos pessoais de Adhemar Gonzaga. Com o relativo êxito de seu Barro Humano (1929) – realizado com parcos recursos por uma equipe de jovens amadores que se reunia aos fins de semana para as filmagens –, Gonzaga teve argumentos para convencer seu pai a lhe prover o que representou um montante até então inédito no cinema brasileiro, permitindo a construção física de estúdios, a importação de equipamentos modernos e a constituição de um corpo fixo de profissionais. A Cinédia marca, portanto, o início da “era dos estúdios” no cinema brasileiro, passando a ter ainda a companhia, ao longo dos anos 1930, da Brasil Vita Filme, da atriz Carmem Santos, e da Sonofilms, do empresário Alberto Byington Júnior.

Entretanto, o final dessa década encontraria as três empresas em crise. As instalações da Sonofilms foram destruídas por um incêndio em 1940, durante a montagem de Asas do Brasil, de Raul Roulien, cujos negativos e cópias foram queimados; a Brasil Vita Filme permanecia desde 1938 mergulhada na longa e atribulada produção de Inconfidência Mineira, que se arrastaria até 1948; a Cinédia, diante da crise financeira, via-se obrigada a interromper sua produções para alugar seus estúdios tanto para filmes brasileiros independentes – como Direito de pecar (dir. Leo Marten, 1940), lançando o locutor-galã César Ladeira no cinema – quanto para bem-vindas produções estrangeiras – É tudo verdade (It's All True, dir. Orson Welles), da RKO. Foi justamente em 1941 que seria fundada a Atlântida Cinematográfica, que mesmo só lançando seu primeiro longa-metragem dois anos depois – Moleque Tião (dir. José Carlos Burle, 1943) –, suplantaria a Cinédia em popularidade e volume de produção já em meados dos anos 1940.

O início da década de 1930 também é lembrado pelo advento do som, mudança tecnológica responsável por uma ruptura que, se por um lado determinou o fim dos focos de produção de filmes silenciosos em diversos pontos do país (os chamados ciclos regionais), por outro alimentou a vã esperança de que o cinema brasileiro finalmente se afirmaria em seu próprio mercado por conta da língua brasileira. A passagem do filme silencioso para os chamados talkies se deu de forma lenta e gradual no mercado brasileiro e apesar da comentada exibição do “vitaphonizado” Alta Traição (The Patriot, dir. Ernst Lubitsch) na inauguração do Cine Paramount, em São Paulo, já em abril de 1929, a conversão do circuito exibidor para o cinema sonoro se daria de forma mais acentuada somente entre 1932 e 1934, com a consolidação da legendagem como procedimento padrão adotado no país.(1) Data daí o último suspiro das produções silenciosas brasileiras – um “colapso quase tão radical quanto o de 1911 ou de 1921”, nas palavras de Paulo Emílio Sales Gomes (2) – e a diminuição do número de filmes brasileiros lançados anualmente, que passariam a se restringir quase que exclusivamente à produção dos estúdios cariocas até o final dessa década.

De forma semelhante, a passagem para a década de 1940 é também, ao mesmo tempo, um momento de crise e de esperança para o cinema brasileiro. Com o início da guerra na Europa (1939) e o posterior envolvimento dos Estados Unidos (1941) e do Brasil (1942) no conflito mundial, o mercado cinematográfico brasileiro sofreria consequências as mais diversas. Por um lado, gradativamente sumiriam das telas brasileiras os filmes europeus, enquanto a produção americana que chegava às salas do nosso país seria francamente criticadas por sua baixa qualidade em decorrência do esforço de guerra. Considerava-se estar vivendo, portanto, uma grande chance para os produtores brasileiros aproveitarem tanto a ameaçada escassez de cópias de filmes estrangeiros para atender ao circuito exibidor, quanto a momentânea rejeição do público aos lançamentos correntes, finalmente sendo possível fazer deslanchar a almejada indústria cinematográfica brasileira, de forma semelhante ao que ocorria então, por exemplo, com a siderurgia nacional. Porém, a guerra também representou escassez de filme virgem, insumos laboratoriais e equipamentos cinematográficos no mercado brasileiro, e os problemas estruturais que afetavam o cinema nacional não seriam superados tão facilimente apesar do otimismo.

Quando se procura pensar na memória do cinema brasileiro da década de 1930, devemos lembrar de alguns fatores. Em primeiro lugar, esse período ainda se localiza durante era do suporte de nitrato de celulose (conhecido também como “celulóide”), quando as películas cinematográficas eram marcadas por sua alta inflamabilidade – sujeitas até à combustão espontânea – em decorrência da instabilidade química dos materiais e de seu armazenamento em locais e condições pouco aconselháveis. Desse modo, grande parte dos filmes produzidos nesse período infelizmente se perdeu em graves e, infelizmente, não raros incêndios, geralmente ocorridos durante o verão em depósitos fechados ou mal-ventilados. Praticamente toda a produção da Sonofilms até 1940, incluindo os grandes sucessos das comédias musicais Banana da Terra (dir. Ruy Costa, 1939) (3) e Laranja da China (dir. Ruy Costa, 1940), foram destruídos no já mencionado incêndio, ocorrido dia 21 de novembro de 1940.

A Brasil Vita Filmes já sofrera um incêndio em meados de 1944, destruindo um pavilhão dos estúdios e dando grandes prejuízos financeiros. Como escreveu Pery Ribas na ocasião: “O fogo e o celulóide nunca foram bons amigos, principalmente entre nós. A história do cinema brasileiro está cheia de incêndios”.(4) E essa infeliz história continuou, pois no dia 8 de janeiro de 1957 um “violento incêndio” atingiu a Brasil Vita Filme, conforme noticiou O Globo no dia seguinte: “Os filmes ali guardados, entre os quais Inconfidência [sic], Favela dos meus amores e Rei do samba, foram devorados pelas chamas”.(5)

Coincidentemente, poucos dias depois, naquele mesmo verão, um incêndio irrompeu na jovem Cinemateca Brasileira, em São Paulo, destruíndo negativos e cópias que tinham tido a “sorte” de sobreviver aos sinistros anteriores e haviam sido reunidas por Caio Scheiby, Paulo Emílio e outros, ou ainda doadas por figuras como o próprio Adhemar Gonzaga. O dia 28 de janeiro de 1957 ficou marcado na história da instituição graças ao fogo que consumiu cerca de um terço dos filmes do arquivo e toda sua valiosa documentação, inclusive o inventário do acervo. Por isso, como escreveu Carlos Roberto de Souza, “nós podemos somente inferir o que foi destruído a partir das informações recolhidas da imprensa e dos relatos das testemunhas”. O certo, porém, é que a perda foi enorme e traumática.(6)

A Cinédia foi talvez um dos únicos grandes estúdios brasileiros a não sofrer com o fogo em suas próprias instalações (embora a água tenha sido o vilão na inundação do arquivo em Jacarepaguá, em 1996) e, por isso, grande parte do que ainda existe do cinema brasileiro ficcional da década de 1930 seja representado pelos filmes dos estúdios de Adhemar Gonzaga, como Lábios sem beijos (dir. Humberto Mauro, 1930), Ganga Bruta (dir. Humberto Mauro, 1933), Alô! Alô! Carnaval (dir. Adhemar Gonzaga e Wallace Downey, 1936), Bonequinha de Seda (dir. Oduvaldo Vianna, 1936), Samba da Vida (dir. Luiz de Barros, 1937), Maridinho de luxo (dir. Luiz de Barros, 1938) ou Alma e corpo de uma raça (dir. Milton Rodrigues, 1938), entre outros. Mas mesmo a Cinédia também sofreu perdas inestimáveis, como as de Alô, Alô, Brasil! (dir. Wallace Downey, 1935) e Estudantes (dir. Wallace Downey, 1935), os dois primeiros filmes do estúdio com a estrela Carmem Miranda cujos materiais se deterioraram ainda na década de 1940.

Outras observações também podem ser feitas sobre a preservação do cinema brasileiro dos anos 1930, como o fato das primeiras experiências com o cinema sonoro terem sido realizadas através do sistema de acompanhamento por discos, tanto o improvisado Sincrocinex de Lulu de Barros no pioneiro Acabaram-se os otários (1929), como o nacional “Munizógrafo” criado por Fausto Muniz para o film-opereta hoje desaparecido Cabocla Bonita (dir. Leon Marten, 1935), além obviamento do sistema Vitaphone, da Warner, usado pela primeira vez no Brasil em Coisas Nossas (dir. Wallace Downey, 1930), primeira produção de Alberto Byington.(7) A tecnologia do chamado sound-on-disk – que viria a ser definitivamente suplantada nos primeiros anos da década de 1930 pelo sound-on-film, o som ótico gravado fotograficamente na película – implicava na peculiaridade da obra estar registrada em dois suportes diferentes: as imagens na película e o som nos discos. Desse modo, alguns filmes desse período sobreviveram sem os registros sonoros até o resgate dos discos originais, como no caso de Mulher (dir. Octávio Gabus Mendes, 1931), que teve sua trilha sonora restaurada e foi relançado pela Cinédia em 2004. Já Coisas Nossas representa um caso singular em que apenas os discos chegaram aos nossos dias, tendo sido encontrados pelo pesquisador gaúcho Jesus Antonio Pfeil. Hoje esse pioneiro musical brasileiro só pode ser “ouvido”, mas não “visto”.

Ainda sobre a preservação dos filmes da década de 1930, devemos mencionar que colaborava para o fato de muitas obras se perderem o fato dos filmes não serem distribuidos com muitas cópias, que circulavam às vezes exaustivamente até se estragarem pelo uso, não sobrando muitos outros materiais no caso da perda dos negativos. Um lançamento era feito nos cinemas lançadores das capitais, com ingressos mais caros, prosseguindo somente depois nas salas do subúrbio e do interior do país ao longo de meses a fio. Segundo dados do anuário The 1935-1937 Motion Picture Almanac, filmes como Alô, Alô, Brasil!, Estudantes, Noites Cariocas, Favela dos meus amores e Alô! Alô! Carnaval! foram lançados com somente seis cópias pela Distribuidora de Filmes Brasileiros (D.F.B), o que já representava um número elevado para o mercado. Com os cine-jornais não era diferente, sendo cada edição lançada com apenas três cópias cada um.(8) Apenas sucessos extraordinários resultavam na confecção de um número maior de cópias e Alice Gonzaga citou matéria de Cine Magazine, em 1938, que descrevia a feitura de dez cópias do cinejornal da Cinédia com imagens do jogo entre Brasil e Polônia pela Copa do Mundo de Futebol, reveladas e distribuídas com grande rapidez para todo o país.(9)

Devemos ressaltar ainda que a década em questão também foi marcada pelo Decreto nº 21.240, de 1932, que tornou obrigatória a exibição de um complemento nacional junto de cada longa-metragem estrangeiro, no que se constituiu na primeira ação do Estado em relação à reserva de mercado para a produção cinematográfica brasileira. Seria a produção dos cinejornais – de certo modo tornando “oficial” a antiga prática informal dos cavadores – que viria a sustentar grande parte dos profissionais do cinema brasileiro ao longo da década em diversas partes do país, e em especial em São Paulo. A Cinédia foi uma das maiores produtoras dos também chamados “complementos” nos anos 1930 através do Cinédia atualidades (1933-4), Cinédia-Jornal (1934-42) e Cinédia-revista (1937-1944). Mas estes também não escaparam dos incêndios, como o da Cinemateca Brasileira, além dos dois que acometeram o laboratório do veterano cinegrafista carioca Alberto Botelho, ou o que atingiu os depósitos localizados na casa do pioneiro do cinema paulistano Gilberto Rossi, responsável pelo Rossi Actualidades. No verão de 1965 foi a vez dos depósitos da Leopoldis, em Porto Alegre, serem destruídos pelo fogo, perdendo-se parte da produção anterior a esta data, incluindo muitos números de seu Atualidades Gaúchas, lançado em 1932.(10) Os orgãos públicos não escaparam da mesma sina, como pode ser constatado pelo incêndio ocorrido em 1952 que destruiu os filmes realizados e os reunidos por Pedro Lima desde os anos 1930 no Serviço de Informação Agrícola (SIA) do Ministério da Agricultura.(11) Pelo seu maior volume e pela menor atenção que lhe foi geralmente dispensada – além do fato de cenas dos cine-jornais terem sido sistematicamente reaproveitadas em edições seguintes por seus produtores –, a memória do cinema brasileiro de não-ficção do período em questão que sobreviveu até nossos dias é certamente muito mais desfalcada do que sua contrapartida ficcional.

Apesar de todos esses problemas, parece curioso perceber que talvez conheçamos melhor o cinema brasileiro da década de 1930 do que o da década seguinte. Os anos 1940 foram ainda marcados não somente pelos incêndios, mas sobretudo pelo descaso e despreocupação para com a memória do cinema brasileiro, um quadro que apenas se reverteria de forma mais acentuada nos anos 1950. Mas essa já é outra história.

Rafael de Luna Freire é professor e pesquisador.

Notas
1 FREIRE, Rafael de Luna. A passagem para o cinema sonoro no Brasil. Pesquisa inédita.
2 GOMES, Paulo Emílio Sales. Panorama do cinema brasileiro: 1896/1966. In: Cinema: trajetória no subdesenvolvimento. São Paulo: Paz e Terra, 2001, p. 52.
3 Deste filme, existe ainda o famoso número musical de Carmem Miranda “O que que a baiana tem?”, reaproveitado em Laranja da China, e utilizado no curta-metragem Carmem Miranda (dir. Jorge Ileli, 1969).
4 A Cena Muda, v. 24, n. 27, 4 jul. 1944, p. 3.
5 O Globo, 9 jan. 1957.
6 SOUZA, Carlos Roberto de. Inconfidência Archiveira: Nitrate fires in Brazilian Film History. In: SMITHER, Roger; SUROWIEC, Catherine (ed.). This film is dangerous. Bruxelas: FIAF, 2002, p. 465. (Tradução minha)
7 cf. COSTA, Fernando Morais. O som no cinema brasileiro. Rio de Janeiro: 7letras, 2008, p.75-126.
8 WEISSMAN, A. The Year in Brazil. In: The 1936-1937 Motion Picture Almanac, p. 1107-8.
9 GONZAGA, Alice. 50 anos de Cinédia. Rio de Janeiro: Record, 1987, p. 163.
10 PÓVOAS, Glênio. Leopoldis: a história do cinema gaúcho é contínua. In: MACHADO JR., Rubens et al. Estudos de cinema Socine. São Paulo: Annablume, Socine, 2007.
11 cf. HEFFNER, Hernani. Preservação. Contracampo, n. 34, 2001. Disponível em: ; e SOUZA, Carlos Roberto de. A Cinemateca Brasileira e a preservação de filmes no Brasil. São Paulo, 2009. 318f. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo.

domingo, 4 de julho de 2010

Um Eldorado no Ceará

Texto e fotos por Rafael de Luna

Em maio de 2010, estive em Juazeiro do Norte, interior do Ceará, para ministrar um curso sobre a história tecnológica do cinema no Centro Cultural do Banco do Nordeste. Em minha primeira noite, fui conhecer os únicos cinemas da cidade, as duas salas do Cine Cariri, localizadas obviamente no único shopping center da cidade, o Cariri Shopping, onde estavam sendo exibidos Chico Xavier – o filme (dir. Daniel Filho, 2010) e O Homem de Ferro 2 (dir. Jon Favreau, 2010). Como já tinha visto o primeiro, fui assistir ao blockbuster de Hollywood. A projeção em 35mm era bastante precária (parte da tela ficava fora de foco), mas, em compensação, o preço do ingresso era atraente: promoção de quarta-feira com ingresso à R$ 6,00 com direito a um saco de pipoca grátis (a meia-entrada saía por R$ 3,00 e também com pipoca). No fim de semana, o ingresso inteiro não era muito mais caro, saindo por R$ 8,00.
No dia seguinte, sabendo do meu interesse por cinema, alguém me perguntou se eu não queria conhecer o Seu Expedito, dono de sala de cinema na cidade. Perguntei se ele era o dono das salas do Shopping, mas me informaram que sua sala funcionava como cinema pornô. Fui procurá-lo no Plaza Hotel, onde ele morava e em cuja recepção a foto ao lado foi feita (junto à onipresente estátua de Padre Cícero e algumas cadeiras retiradas de seu cinema). Com muita paciência, ele gentilmente me recebeu para uma boa conversa. Logo fiquei sabendo que “Seu” Expedito Costa, nascido em Pocinhos, em 1944, mas criado em Campina Grande, foi um dos maiores exibidores e distribuidores do interior do Ceará e Paraíba.
Sua ligação com cinema começou ainda criança, como espectador frequente do Cinema Babilônia, em Campina Grande, aberto em 1939 (e fechado em 2000). Por estar sempre na “sala escura”, aos treze anos foi convidado pela esposa do dono do cinema para vender confetes na sala, o que lhe permitiria assistir aos filmes de graça. Foi confeiteiro do Cinema Babilônia, antes de mudar-se para João Pessoa para dar prosseguimento aos estudos. Além de cursar o ginásio na capital, passou a frequentar o Cinema Brasil, onde tornou-se ajudante de projecionista.
De volta a Campina Grande, retornou também ao Cinema Babilônia, mas agora como “operador cinematográfico”, ganhando um “salário razoável”, em suas palavras. Em 1963, junto com um sócio, abriu em Sumé, PB, sua primeira sala, o Cinema Municipal, dotada de um projetor 16mm RCA. Ao longo das duas décadas seguinte, expandiu seus negócios adquirindo novas salas, maiores e melhor aparelhadas (mas muitas delas com projeção 16mm), vindo a constituir inclusive a Distribuidora Expedito da Costa. No auge dos negócios, na segunda metade dos anos 1970, chegou a ter cerca de 17 salas no interior do Ceará e da Paraíba, em cidades importantes como Patos, Campina Grande e Juazeiro do Norte.
Em sua opinião, as ditas chanchadas representaram a época de ouro do cinema nacional e chegou a exibir filmes da Atlântida em Juazeiro do Norte, mas somente em reprise, já que eles eram lançados com exclusividade no Cinema Eldorado, do circuito Severiano Ribeiro. Porém, devido ao grande número de lançamentos da U.C.B. (distribuidora de Severiano Ribeiro), eles ficavam apenas dois ou três dias em cartaz, tendo bastante público ainda para assistí-las quando passavam para outra sala.
Viajava com frequencia à Boca do Lixo, em São Paulo, para comprar direitos de filmes para exibição no interior do Nordeste, ou os alugava nas filiais das distribuidoras de Recife e Fortaleza. Para os filmes estrangeiros, a porcentagem do distribuidor era de 60% da bilheteria na primeira semana e 50% na segunda, mas havendo ainda a cota mínima que deveria ser atingida – nesse caso, se o filme fracassava de público, a porcentagem do distribuidor podia abocanhar grande parte da bilheteria, não rendendo praticamente nada ao exibidor. Filmes italianos de gladiadores (“peplum”), filmes de terror e de comédia mexicanos (Cantiflas ou O Santo) e faroestes e filmes de ação americanos eram os gêneros privilegiados, mas havendo grande espaço para o cinema nacional e, obviamente, para a tradicional exibição de uma versão cinematográfica de “A Paixão de Cristo” durante a Semana Santa.
Seu Expedito exibia ainda diversos filmes brasileiros da Embrafilme, que cobrava porcentagem fixa de 50% (o que era uma grande vantagem para o exibidor) e entre os grandes sucessos que passaram em seu cinemas ele destacou aqueles estrelados pelo cantor gaúcho Teixeirinha, como Motorista sem limites (dir. Milton Barragan, 1970) e o Gaúcho de Passo Fundo (dir. Teixeirinha, 1978). Segundo seu depoimento, alguns dos maiores sucessos dos anos 1970 foram os filmes Coração de luto (dir. Eduardo Llorente, 1967, com Teixeirinha) e a reprise do célebre O Ébrio (dir. Gilda de Abreu, 1946). Em 1977, ele viajou ao Rio de Janeiro e comprou de Alice Gonzaga, da Cinédia, os direitos para o relançamento do filme estrelado pelo cantor Vicente Celestino no Nordeste. Ele ainda guardava um cartazete do lançamento do filme pela sua distribuidora. Ao lhe contar que eu conhecia Dona Alice, ele me entregou aquele documento, hoje uma raridade, para que presenteasse a atual dona da Cinédia. Entreguei a “encomenda” algumas semanas depois a Dona Alice, que ainda se lembrava do negócio fechado entre os dois mais de trinta anos antes.
Na mesma viagem ao Rio de Janeiro, Seu Expedito conheceu também o cineasta Watson Macedo e adquiriu os direitos ara relançar a chanchada “junina” Aguenta o rojão (dir. Watson Macedo, 1958), que havia sido um grande sucesso na época de seu lançamento na região. Entretanto, o Laboratório Rex lhe informou que os negativos estavam em mau-estado e não permitiam a feitura de novas cópias. Seu Expedito não cobrou o dinheiro de volta de Macedo, grato que estava pelo modo como foi recebido pelo grande cineasta. Desse encontro com o pai das chanchadas, mantém até hoje como recordação um extraordinário album fotográfico do filme estrelado por Zé Trindade.
A partir do final dos anos 1980, a crise no circuito exibidor se intensificou e Seu Expedito foi se desfazendo de suas salas. Os imóveis eram vendidos ou alugados, restando as cadeiras (que podiam ser negociadas com outros comerciantes) e os projetores (a maioria foi vendida para salas do Sudeste para ser reformado e reaproveitado – segundo sua versão, as salas do Cariri Shopping são equipadas com projetores Phillips de 1956, que tiveram apenas o leitor de som trocado!)
A única sala ainda em seu poder fica justamente em Juazeiro do Norte, o Cine Eldorado, originalmente com 1.500 lugares (hoje com 1.300), que ele adquiriu ao Circuito Severiano Ribeiro. O aprofundamento da crise nos anos 1990 o obrigou a fechar a sala, ficando a cidade sem nenhum cinema até a abertura do Cariri Shopping. Recebeu ofertas de compra para transformar o espaço em Igreja, mas não aceitou. Entretanto, para não manter o imóvel ocioso, em 2010 ele projetava filmes pornográficos em vídeo. Segundo palavras de um amgo, só duas pessoas geralmente estão na sala, e uma era seu filho, Paulino, que iria lá só para fechar a porta. Já nas palavras do neto de Seu Expedito, só “veado” frequentaria o cinema.
Após conversar com Seu Expedito, fui ver o seu cinema abrir naquele sábado e contei quinze espectadores (todos homens) entrando no início da única sessão do dia, às 19h, sendo recebidos por Paulino, filho de Expedito. Os ingressos custavam R$ 5,00 (R$ 2,00 a meia entrada), um pouco mais barato do que as salas do shopping. Os filmes pornográficos eram exibidos em DVD, numa projeção em vídeo bastante precária. Pude conhecer naquela noite a cabine de projeção, onde além dos projetores desmontados e racks de som abandonados, sobreviviam alguns rolos de pontas e trailers dos anos 1990. Se Leo Enticknap, em seu excelente livro Moving Image Technology (2005), indica que a projeção cinematográfica com arco voltaico deixou de ser utilizada na década de 1950, substituída pelas lâmpadas incandescentes, é possível perceber, inclusive pela quantidade de bastões de carvão novos esquecidos no Cine Eldorado, que esse sistema de projeção permaneceu sendo utilizado em muitas salas do interior do Brasil certamente até a década de 1980.
No domingo pela manhã, último dia em que eu estaria na cidade, Paulino, filho de Seu Expedito, permitiu que eu conhecesse o interior da sala onde ainda existiriam documentos e filmes da época áurea das empresas de seu pai, reunidas naquela útlima sala. Encontrei um espaço abandonado, mas cheio de tesouros, como pilhas e pilhas de cartazes e foto-cartazes de filmes dos anos 1970 e 1980. Paulino permitiu que eu levasse alguns deles para o Rio de Janeiro como forma de divulgar os tesouros escondidos em seu cinema. Recolhi alguns exemplares de cartazes raros (mas geralmente duplicados) de filmes brasileiros que já foram doados para o acervo da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Dentre os cartazes de alguns sucessos dos Trapalhões (Os trapalhões nas Minas do Rei Salomão, 1977), Zé do Caixão (Estranha Hospedaria dos Prazeres, 1976, ou Inferno Carnal, 1976) e sobretudo daqueles estrelados pelo cantor Sérgio Reis (Mágoa de Boiadeiro, 1978, Os Três Boiadeiros, 1979, O Filho Adotivo, 1984) encontrei pelo menos três raridades que, pelo que pude constatar, não existiam sequer nos acervos da Cinemateca Brasileira e da Cinemateca do MAM, os dois maiores arquivos de documentação correlata sobre cinema brasileiro do país:
1)O cartaz original de Aguenta o Rojão, em ótimo estado, e ainda uma foto de porta de cinema do ator Reginaldo Faria nesse filme, um de seus primeiros trabalhos em cinema.
2)O cartaz do filme Secas e Molhadas (1975), de Mozael Silveira, pornochanchada carioca que é um clássico exemplar da produção do Beco da Fome do Rio de Janeiro.
3)O cartaz do grande sucesso Coisas Eróticas 2 (1984), cujo título foi alterado para parecer um filme americano intitulado Private 25. Mas pelo nome do diretor, Raffaele Rossi, percebi que tratava-se de um filme nacional e pude identificar o título original olhando o cartaz pelo verso, contra a luz.

Além de muitos outros cartazes e fotos, permanece no Cine Eldorado um outro tesouro talvez ainda mais importante: toda a documentação financeira e administrativa das empresas de Expedito Costa, como borderôs das salas de cinema e notas fiscais das distribuidoras. Num momento de interesse pela história econômica do cinema brasileiro (exemplificado pela série de livros editada por Alessandra Meleiros), trata-se de uma documentação primária que pode fornecer subsídios fundamentais para uma análise mais rigorosa da inserção do filme nacional no mercado cinematográfico nos anos 1970 e 1980.
Mas ainda havia uma outra surpresa: em uma outra sala, fechada por uma porta cujo cadeado não era aberto havia uns dez anos (cuja chave demoramos quase uma hora para achar), estavam dispostos latas e mais latas de filmes. Não tive tempo e nem condições de verificar o conteúdo delas, alguns em péssimo estado (já melados, por exemplo), mas grande parte ainda em razoável condição (o cheiro de vinagre nem era tão forte, pois o local era suficientemente ventilado). Pelo que me foi possível constatar, grande parte dos filmes parecei ser estrangeiro, com títulos como Dio, come ti amo (dir. Miguel Iglesias, 1966) ou trechos de relançamentos de comédias do Gordo e Magro ou faroestes. Porém, vi rolos identificados como Os Três Mosquiteiros Trapalhões (dir. Adriano Stuart, 1980) ou Atrapalhando a Suate (dir. Dedé Santana, 1983) – esse último que lembro de ter visto, quando criança, no Cinema Carioca, na Praça Saes Peña, na Tijuca, em meados dos anos 1980. Esse filme foi feito durante o racha no quarteto dos Trapalhões, sendo estrelado apenas pelo Dedé, Mussum e Zacarias. Nas minhas recordações de criança, era um dos filmes mais engraçados que já tinha visto na vida (até hoje acho ainda que é o melhor filme do grupo). De qualquer forma, em relação aos dois filmes, mesmo que seus negativos estejam bem preservados (o que não sei se é o caso), a existência de cópias originais em 35mm da época de lançamento não deve ser desprezada.
Há perspectivas da transformação do Cinema Eldorado em Centro Cultural, Escola de Cinema ou Teatro, mas segundo Seu Expedito, se isso não ocorrer nos próximos meses, ele irá fechar o cinema e transformá-lo em estacionamento, uma vez que se localiza no movimentado centro de Juazeiro. O que não pode acontecer é deixarmos que vá para o lixo ou se perca de alguma forma o precioso tesouro que permanece até hoje esquecido nas entranhas de seu cinema.

Novo blog sobre preservação

É um prazer anunciar a criação de mais um blog dedicado ao tema da preservação audiovisual. Trata-se de http://nitratoacetatopoliester.wordpress.com/, criado pela colega profissional e acadêmica Lila Foster. Uma excelente iniciativa que colaborará para o necessário aprofundamento da reflexão sobre essa campo no Brasil.

Resposta Cinemateca Brasileira

São Paulo, 14 de junho de 2010.
Ofício CB/240/10-DIR/172/10.

Aos integrantes da Associação Brasileira da Produção de Obras Audivisuais,
da Associação Brasileira das Empresas Produtoras Independentes de Televisão,
da Associação Brasileira de Cineastas,
da Associação Brasileira de Documentaristas,
da Associação das Produtoras Brasileiras de Audiovisual,
da Associação Paulista de Cineastas,
do Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro,
do Congresso Brasileiro de Cinema,
do Fórum Brasileiro de Ensino de Cinema e Audiovisual,
do Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo,
do Sindicato Interestadual da Indústria do Audiovisual do Rio de Janeiro
e da Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual

Prezados Senhores,

Foi para nós uma grande satisfação realizar a reunião do último dia 7 de junho, em que
estiveram presentes representantes de oito das doze associações de profissionais do
audiovisual que convidamos para conversar a respeito das questões listadas em carta aberta
veiculada no dia 24 de maio pela internet, além de membros do Conselho, da Diretoria e do
corpo funcional da Cinemateca Brasileira.

Pudemos confirmar, acima de tudo, que vários interesses dos pesquisadores e realizadores são
convergentes com os esforços da instituição e, como tivemos oportunidade de demonstrar no
início da reunião, muito em breve finalizaremos a implantação da nova estrutura que vem
sendo desenvolvida desde 2007, em torno do programa Banco de Conteúdos Culturais, que
ampliará as possibilidades de acesso aos acervos sob a guarda da Cinemateca Brasileira, não
só para pesquisadores, mas para o público em geral.

Listamos abaixo, para conhecimento dos que não puderam estar presentes, esclarecimentos
pontuais com relação às diversas questões abordadas na carta em referência.
1. A Cinemateca Brasileira deixou de ser uma Fundação em 1984, quando passou a ser
vinculada ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN do então
Ministério de Educação e Cultura – MEC. Em 2003 tornou-se uma unidade autônoma da
Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura.

2. A produção audiovisual brasileira é, em seu conjunto, entendida como um bem público,
o que não se confunde com os acervos sob a guarda da Cinemateca, de naturezas
diversas e, em diversos casos, de propriedade privada, confiados ao Estado, com
obrigações e direitos definidos entre as partes. Procuramos, na consecução de nossa
missão institucional, empreender e incentivar ações completas, que tratem tanto da
preservação como da difusão, de maneira integrada. É nosso entendimento que a
questão preservação versus difusão está superada.

3. Valores e prazos praticados pela Cinemateca pela contraprestação de determinados
serviços poderão ser publicados no site, como sugerido. No entanto, como foi
esclarecido na reunião, tais valores e prazos deverão ser entendidos como mera
referência, já que estão subordinados a autorização e definição de terceiros, bem como
às prioridades da própria Cinemateca Brasileira no desempenho de suas atribuições
institucionais. Nos campos da preservação e difusão do audiovisual brasileiro os
interesses da Cinemateca e da classe produtora são convergentes ficando clara, no
entanto, a questão de que a instituição não está submetida à mesma lógica de
mercado.

4. Conforme pudemos também informar durante a reunião, a atual política de valores
praticada quando da solicitação de serviços já leva em conta a natureza do projeto, ou
seja, aplicam-se valores diferenciados segundo o perfil e o objetivo do mesmo.

5. Com relação ao acesso às bases de dados desenvolvidas e mantidas pela Cinemateca é
preciso diferenciar entre as informações de livre acesso, tais como as contidas na
Filmografia Brasileira, já disponível no nosso site há muitos anos, a base Tupi, com
previsão de entrada no ar para muito breve e as demais, com informações de acesso
restrito em função de cláusulas contratuais e/ou de seu caráter privado. Há também que
se ter clareza na distinção entre as informações sobre materiais diversos e a existência
desses materiais nos acervos sob a guarda da Cinemateca. Por definição, um é
subconjunto do outro.

6. A estrutura de consulta aos diversos acervos sob guarda da Cinemateca está sendo
alterada no âmbito do Programa Banco de Conteúdos Culturais, que tornará acessíveis
via internet todos os acervos de domínio público, os de titularidade da Cinemateca
Brasileira bem como os daqueles que se dispuserem a participar do Programa.

7. Com relação à telecinagem de materiais fora da instituição, pode ser feita sempre que o
depositante autorizar. No caso de materiais de propriedade da própria Cinemateca a
regra geral é de que não devem sair da instituição, exceção para projetos específicos,
com justificativas técnicas.

8. As reportagens do acervo jornalístico da TV Tupi vêm recebendo todo o tratamento
técnico para garantir a sua preservação e acesso, disponibilizadas no site como
resultado, por exemplo, do projeto Resgate do Acervo Audiovisual Jornalístico da TV
Tupi, patrocinado pelo Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos
do Ministério da Justiça. Já formulamos propostas de tratamento de outros tipos de
produção da Tupi que, caso sejam contempladas, resultarão na disponibilização de
novelas e outros programas veiculados ao longo dos 30 anos de atividade da emissora.

9. Os acervos adquiridos pelo Ministério da Cultura, no âmbito de sua política nacional de
preservação e acesso a acervos nacionais, precisam ser incorporados e tratados antes
de se tornarem acessíveis para o público. É inconcebível franquear o acesso a qualquer
material em condições frágeis, sem as devidas cautelas e tratamentos de preservação,
colocando em risco o seu acesso a médio e longo prazo.

Informamos ainda que o Relatório de Atividades do exercício de 2009 da Cinemateca está
disponível em nosso site http://www.cinemateca.gov.br.

Sendo o que se apresenta para o momento, agradecemos a atenção e subscrevemo-nos,
Cordialmente,

Gustavo Dahl
Presidente do Conselho

Carlos Wendel de Magalhães
Diretor Executivo