terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Programa de Restauro Cinemateca Brasileira - Petrobras

Leia abaixo os comentários do blog.

Lançamento da segunda Convocação do Programa de Restauro Cinemateca Brasileira - Petrobras

Dando seqüência ao bem-sucedido Programa de Restauro Cinemateca Brasileira – Petrobras, será lançada no próximo dia 28 de dezembro de 2009, com o apoio da Sociedade Amigos da Cinemateca, uma nova convocação pública para restauração de filmes cinematográficos nacionais. Poderão participar da seleção pessoas físicas ou jurídicas responsáveis por acervos, sempre com a expressa concordância dos detentores dos direitos sobre a obra.

Uma comissão composta por representantes do Ministério da Cultura, da Associação Brasileira de Cinematografia – ABC, da Petrobras e da Cinemateca Brasileira selecionará projetos em duas fases: a primeira levando em conta a importância da obra na filmografia nacional e a urgência em termos de preservação do patrimônio cultural nacional que a intervenção proposta significa; a segunda, após estimativa dos custos de cada solicitação, definindo como serão alocados os recursos disponíveis.

O valor total dos serviços oferecidos pela Cinemateca Brasileira será de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais), a serem integralmente aplicados nos projetos selecionados. Poderão ser submetidas propostas de restauração de curtas e longas-metragens, em 35 ou 16mm, preto e branco ou cores, e a restauração envolverá tecnologia fotoquímica e digital.

Os contemplados receberão ao final do processo uma nova cópia da obra e 20 exemplares em DVD. Como contrapartida, a Cinemateca Brasileira ficará com a propriedade dos materiais de preservação, intermediários, uma outra matriz digital. Ficará, ainda, com os direitos para inclusão da obra nas ações governamentais não-comerciais de difusão do audiovisual brasileiro de modo geral e, expressamente, nas ações denominadas Programadora Brasil, que faz circular filmes brasileiros de diversas épocas e temas, e Banco de Conteúdos Audiovisuais, programa decorrente de parceria estabelecida entre o Ministério da Ciência e Tecnologia e o Ministério da Cultura.

Os filmes restaurados serão entregues em duas etapas, devendo a primeira ser finalizada em novembro de 2010 e a segunda em maio de 2011.

Os projetos pré-selecionados na edição de 2007, que não foram contemplados por questões orçamentárias e que compõem o Banco de Projetos do Programa de Restauro, concorrerão automaticamente na próxima edição, salvo manifestação em contrário.

A partir do dia 28 de dezembro, a convocação na íntegra estará disponível pelo site da Cinemateca Brasileira: www.cinemateca.gov.br. Maiores esclarecimentos poderão ser prestados via e-mail: contato@cinemateca.org.br

COMENTÁRIOS:
Tradicionalmente, as Cinematecas preservam para a posteridade obras que consideram significativas pelas mais diferentes razões e interesses - de ordem estética, histórica, política ou social -, mas quase sempre realizadas por terceiros (cineastas, produtoras, estúdios, orgãos governamentais etc). Obviamente, surgiram também arquivos e filmotecas geralmente ligados a uma instituição e que se dedicavam somente à guardar as obras produzidas por elas mesmas ou do qual eram donos. Por exemplo, os arquivos dos estúdios de Hollywood (como os de Walt Disney, um dos mais bem cuidados dos EUA), os arquivos de determinados orgãos do governo que produzem obras audiovisuais (como o arquivo da Câmara Federal) ou os arquivos de emissoras de televisão (como os da Rede Globo).

Diferentemente destes exemplos, em que o investimento na preservação ocorria em um produto da própria empresa ou instituição, as Cinematecas geralmente dedicavam tempo e recursos para manter e salvar obras que não lhes pertenciam. Dedicavam-se à presevação do "patrimônio audiovisual", um bem comum.

Como é de se esperar, vários problemas surgiam nessa situação, como por exemplo, o caso de uma Cinemateca esforçar-se em restaurar um filme a partir de materiais em péssimas condições - muitas vezes por descaso e negligência do próprio detentor dos direitos - e, feito isso, o mesmo 'dono' da obra simplesmente pegar de volta os materias para explorá-lo economicamente (relançar nos cinemas, telecinar para TV, exibir em festivais etc), e, muitas vez, sem atentar para a necessidade de salvaguardar os materiais de preservação. Ou seja, o trabalho da Cinemateca ia por água abaixo com a obra sendo colocada novamente em risco pela visão a curto prazo de seus donos.

Por esses motivos, os arquivos e a FIAF deteminaram certas regras - ou prerrogativas - para as Cinematecas relacionadas ao 'bom uso' (fair use) dos materias sob a sua guarda e responsabilidade. Desse modo, ao aceitar preservar um determinado material de uma obra com seus próprios recursos (em seus depósitos, com seus funcionários e insumos), a Cinemateca passaria a poder:
1 - Exibir cópias dessa obra em suas próprias salas de exibição (sem objetivo de lucro, mas como ação de difusão cultural) ou emprestá-las para outras Cinematecas, desde que não colocasse a obra em risco (sem exibir cópias únicas ou de preservação), e sem precisar de autorização dos detentores dos direitos.
2 - Teria o direito de realizar, com seus próprios recursos ou de terceiros, materiais de preservação (ex. contratipos ou másteres) das obras depositadas que se destinariam a garantir sua salvaguarda. Mesmo que a utilização destes materiais novos (para dar origem a novas cópias, por exemplo) não fosse autorizada pelos detentores dos direitos, ainda assim eles não poderiam ser retirados da Cinemateca pelo 'dono' da obra ou dos materiais que possam lhe ter dado origem.

O Programa de Restauro Cinemateca Brasileira - Petrobras foge do procedimento tradicional das Cinematecas ao vincular a restauração da obra à cessão (de parte) dos direitos à própria instituição que irá restaurar o filme. Por um lado, pode-se argumentar que essa é a contrapartida do produtor ao dinheiro público que está sendo gasto (embora quem é que aceitaria "ceder" parte da propriedade de sua casa, digamos, tombada pelo IPHAN, em troca de sua restauração pelo poder público?) Por outro lado, a difusão cultural da obra a ser restaurada já está tradicionalmente garantida e o que está ocorrendo é uma barganha maior dos direitos de circulação da obra pelo governo(em seus programas de maior visibilidade, a Programadora Brasil e o ambicioso Banco de Conteúdos Audiovisuais). Vendo de um outro ângulo, uma instituição pública como a Cinemateca Brasileira estaria agindo da mesma forma que um laboratório comercial, exigido alguma forma de 'pagamento' (no caso, a cessão dos direitos de difusão na internet) pelos seus serviços.

Pode-se argumentar novamente que nenhum produtor é obrigado a inscrever seu filme neste Programa, mas dada a dificuldade de se captar recursos ou conseguir a restauração de uma obra fora das instituições responsáveis por este edital (Cinemateca Brasileira e Petrobrás), a barganha pode ser encarada como chantagem. Mas muito estrategicamente essa visão é anulada pelo formato do Programa. Pareceria um absurdo - e realmente uma chantagem - a Cinemateca colocar essas condições para restaurar um filme que está em seus depósitos ou que alguém lhe ofereça, batendo na porta da instituição em São Paulo, mas sob o formato de uma inscrição voluntária num edital, o absurdo não se torna mais tão absurdo.

Talvez, no final,todos fiquem felizes, pois os produtores poderão ter cópias novas de seus filmes para, quem sabe, exibir em mostras e festivais, e DVDs para vender para o Canal Brasil ou TV Brasil, enquanto a Cinemateca e o SAv ampliarão o número de obras que, em breve, disponibilizarão na internet. Ainda assim, as condições deste Programa me parecem merecedoras dessas breves reflexões.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

MinC prossegue a política de aquisição de acervos: é anunciada a compra da Vera Cruz

Depois da (polêmica) compra do acervo de filmes e documentos da Atlântida (ver aqui artigo escrito para o blog sobre a questão), o MinC prossegue, em parceria com a Cinemateca Brasileira, a estratégia de adquirir os mais importantes acervos da história do cinema brasileiro. Foi anunciada recentemente a compra da Vera Cruz, que inclui documentos e objetos históricos, além dos direitos sobre as obras produzidas pela companhia fundada em 1949. A grande parte das cópias e negativos dos filmes agora pertencentes ao governo já se encontravam depositados sob comodato na Cinemateca Brasileira, orgão vinculado à Secretaria do Audiovisual.
Como ocorreu com a compra da Atlântida, a notícia da venda da Vera Cruz surpreendeu aos profissionais da área de preservação audiovisual, uma vez que a recente estratégia do MinC de aquisição de acervos jamais foi discutida com a sociedade (em fóruns como o CineOP, que realiza encontros anuais sobre o tema em Ouro Preto) e não está prevista, por exemplo, nos planos de ação do SAv para 2009.
Mais estranho é o fato de que os valores envolvidos tanto na compra da Atlântida quanto da Vera Cruz não foram divulgados publicamente. Existe a apreensão generalizada de como e quem irá gerenciar os direitos dessas obras junto, por exemplo, aos produtores interessados em exibir os filmes em mostras, festivais ou canais de TV ou utilizar trechos ou imagens das obras em documentários ou publicações impressas. Outro ponto sujeito à controvérsias é se o investimento de recursos na compra dos direitos de filmes cujos materiais já se encontravam sob a guarda da Cinemateca Brasileira - que efetua a preservação de seu acervo, mas em geral não possui os direitos das obras - seria a prioridade numa área extremamente carente de recursos e cujos arquivos espalhados por todo o país encontram-se numa situação de grande desigualdade.
Persiste a suspeita de que essa estratégia esteja associada ao ambicioso projeto do MinC-SAv, em parceria com o Ministério de Ciência e Tecnologia, de criação do "Banco de Conteúdos Audiovisuais Brasileiros", com previsão de investimentos de cerca de R$ 30 milhões. Os filmes da Altântida e da Vera Cruz, adquiridos pelo MinC, poderiam então ser disponibilizados na internet juntamente com a maior parte dos filmes silenciosos ainda preservados que já se encontram em domínio público, gerando grandes dividendos políticos para os orgãos do governo.
Os profissionais da área, porém, questionam a prioridade de investimentos dada à digitalização das obras realizadas originalmente em película, uma vez que é consenso junto aos especialistas o fato de que a película cinematográfica é um suporte muito mais estável e confiável e que essas obras devem ser preservadas em seus suportes originais. Além disso, discute-se o "inchaço" de uma instituição como a Cinemateca Brasileira, criada pelo falecido Paulo Emílio Salles Gomes e que era um orgão privado até 1984. Apesar de ter sido incorporada ao governo, a maior parte de suas atividades são realizadas pelo SAC (Sociedade de Amigos da Cinemateca), associação privada sem fins lucrativos que tem recebido nos últimos anos a quase totalidade de recursos públicos para a área, a despeito da situação de carência de profissionais e equipamentos de diversos arquivos audiovisuais públicos em todo o país responsáveis por acervos que incluem não somente longas-metragens de ficção, mas curtas-metragens, documentários, cine-jornais, filmes antropológicos e ciêntificos e programas de televisão, além de valiosas coleções de documentos correlatos.

Rafael de Luna Freire


Reportagem publicada na Folha de São Paulo (Folha Online - http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u661675.shtml)

04/12/2009 - 09h18
MinC compra acervo de 40 filmes da Vera Cruz


O projeto de revitalização dos antigos estúdios da Vera Cruz inclui o tombamento do acervo de 40 longas-metragens e cerca de 10 mil fotos, hoje guardadas no Museu da Imagem e do Som (MIS).

São Bernardo cria mais um projeto para área do estúdio Vera Cruz

Há, ainda, pôsteres, documentos, fichas de empregados que estão sob a tutela da família Khouri, na rua Martins Fontes, região central de São Paulo.

O acordo, alinhavado entre Cinemateca, Ministério da Cultura, prefeitura de São Bernardo e família, é tratado, publicamente, com cautela, já que o contrato ainda não foi assinado. Mas o anúncio da compra e do tombamento do acervo estão programados para o dia 15. "Nosso interesse é que isso tudo seja preservado e disponibilizado", diz Fred Khouri, responsável pela empresa Vera Cruz.

Os cuidados no tratamento público do assunto se justificam. O uso indevido do nome Vera Cruz e de material iconográfico sem autorização da família já rendeu vários processos judiciais. "Desde os anos 1970, aquilo é só um prédio, não é a Vera Cruz", diz o pesquisador Sergio Martinelli, explicando a confusão que tem origem em questões empresariais. "As pessoas confundem o terreno com a mitologia. A Vera Cruz, empresa, tem um escritório em São Paulo desde os anos 1970."

Para desatar o nó, é preciso voltar na história dos estúdios criados por Franco Zampari. Com equipamentos de ponta, profissionais experimentados e produções ambiciosas, os "anos de ouro", entre 1949 e 1954, produziram sucessos de bilheteria, mas pouco renderam para a empresa, que deixou a distribuição a cargo de subsidiárias de Hollywood. "A bilheteria acabava não voltando para a Vera Cruz", diz Martinelli.

Endividado, Zampari teve de entregar os estúdios ao Banco do Estado de São Paulo. Uma nova empresa, a Brasil Filmes, garantiu a continuidade da produção, nos anos 1960. Uma terceira fase teria início em 1973, quando a manutenção dos estúdios se tornou inviável e os irmãos Walter Hugo e William Khouri trouxeram a empresa para São Paulo.

"Parece que a Vera Cruz é só um nome que todo mundo pode usar", diz Khouri. Foi por uso indevido da marca que a família abriu processos contra a prefeitura de São Bernardo, uma empresa da cidade e até contra um bar.
De acordo com Khouri, foi acertado, com a prefeitura de São Bernardo, que, no novo projeto, o nome Vera Cruz poderá ser usado para fins históricos. (ANA PAULA SOUSA)

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Arquivistas tentam salvar memoria digital do Geocities

fonte: http://www.enara.org.br/modules.php?name=News&file=article&sid=935

GEOCITIES é OFICIALMENTE ENCERRADO

Lançado em 1994, o Geocities foi um dos mais importantes serviços de criação de sites antes do advento dos blogues. É o fim de uma era, dizem muitos. O Geocities, fundado em 1994 e comprado pela Yahoo em 1999, foi o primeiro serviço a permitir a uma grande parte dos internautas partilhar os seus interesses de forma simples, um pouco à semelhança do que acontece agora com os blogues e as redes sociais.

O percurso do serviço termina hoje, segunda-feira, após a perda de popularidade para sites como o Myspace ou o Facebook. Será lembrado por alguns como um democratizador da Internet e, por muitos outros, como um local povoado de páginas de animações rudimentares e muito pouca informação revelante. O certo é que o serviço Geocities tornou possível ao utilizador comum construir uma página simples e colocar online conteúdo, numa altura em que a Internet ainda não era, verdadeiramente, a "autoestrada da informação" que conhecemos e utilizamos hoje em dia.


Para além de não ser possível efectuar registo no serviço, também todos os dados armazenados nos milhões de páginas criadas ao longo dos anos será apagado permanentemente a partir de hoje,
segunda-feira.


No entanto, segundo o Computer World, uma equipa de arquivistas digitais está a tentar salvar o máximo de informação possível, através do download do conteúdo colocado nas páginas criadas pelos utilizadores do Geocities. O volume de informação que o grupo estima conseguir acumular ronda os dez terabytes.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

CARTA ABERTA AOS RESPONSÁVEIS PELA PROJEÇÃO DIGITAL NO BRASIL

A projeção digital chegou ao Brasil com a missão de democratizar o acesso aos filmes e libertar os distribuidores da dependência de cópias em 35 milímetros, cuja confecção e transporte são notoriamente caros. A instalação de projetores digitais permitiria ao público assistir a títulos que dificilmente seriam lançados nas condições tradicionais e ainda ofereceria condições para que espectadores situados longe do eixo Rio-São Paulo (onde se concentram quase 50% das salas de cinema do país) tivessem acesso aos mesmos títulos simultaneamente.

O que estamos vendo, no entanto, é uma total falta de respeito ao espectador no que se refere à exibição do filme propriamente dita. As razões são basicamente duas: projeções incapazes de reproduzir fielmente os padrões de cor e textura da obra e/ou projeções incapazes de exibir os filmes no formato em que foram originalmente concebidos. Sem falar no som, que muitas vezes ganha uma reprodução abafada, limitada ao canal central, muito diferente de seu desenho original.

A adoção da projeção digital pelos dois maiores festivais internacionais do Brasil (o Festival do Rio e a Mostra de São Paulo) e por outros festivais do país, infelizmente, não respeitou o que seriam critérios mínimos de qualidade de projeção de filmes em cinema – algo que é observado com atenção em qualquer festival internacional que se preze. Trata-se de uma situação particularmente alarmante tendo em vista o papel de formadores de plateia que esses eventos desempenham.

Sucessivamente, temos visto um autêntico massacre ao trabalho de cineastas, fotógrafos, diretores de arte, figurinistas, técnicos de som e até mesmo de atores. Apenas para citar um exemplo: Les herbes folles, o novo filme de Alain Resnais, originalmente concebido no formato 2:35:1, foi exibido no Festival do Rio, com projeção digital, no formato 1:78. Isso representou o corte da imagem em suas extremidades, resultando em enquadramentos arruinados, movimentos de câmera deformados e rostos dos atores cortados. Um pouco como se A santa ceia, de Leonardo Da Vinci, tivesse suas pontas decepadas, deixando alguns discípulos de Jesus fora de campo – e da história. Para completar o desrespeito, não há qualquer aviso em relação às condições de exibição e o preço cobrado pelo ingresso não sofre qualquer alteração.

www.gopetition.com/online/31415.html

sábado, 8 de agosto de 2009

A Questão da Preservação na Mixagem do Filme - trabalhos de alunos

A experiência do Jesse como editor de som é responsável pela interessante tema de seu trabalho de final da disciplina de "Preservação, Memória e Políticas de Acervos audiovisuais" do curso de cinema da UFF, no primeiro semestre de 2009, atentando para a preservação do som - geralmente relegada, dada à prioridade da imagem nos cuidados - e, mais importante ainda, para a necessidade de se pensar a preservação durante o processo de realização dos filmes (mais especificamente, em sua finalização), não apenas para uma remota restauração do filme num futuro distante, mas inclusive para possíveis intervenção no próprio processo, muitas vezes longo, de concepção e lançamento da obra.

A Questão da Preservação na Mixagem do Filme
por Jesse Marmo de Moraes

Introdução

O objetivo deste trabalho é relatar minha experiência como assistente de mixagem de som para cinema, durante 3 anos nos Estúdios Mega, cuja sala de mixagem fica localizada no Pólo Cine e Vídeo da Barra da Tijuca, citando todas as etapas envolvidas no processo de mixagem, desde a chegada do material (vindo do editor de som), até a entrega do som finalizado para o laboratório. Também abordarei alguns aspectos históricos sobre a evolução da tecnologia sonora no cinema e sobre os formatos de mídia mais comuns, e questões que acabamos por lidar no dia a dia, relacionadas a armazenamento de mídias, backups, e qualidade do som nas salas de exibição.

A mixagem:

A sala de mixagem dos Estúdios Mega foi construída com dimensões que atendem os requisitos exigidos pela Dolby, de forma que ela esteja autorizada a codificar a mixagem, seja em estéreo ou surround 5.1, para o padrão Dolby SR e Dolby Digital. A mesa de som por onde chegam as pistas de áudio é um console digital Euphonix System 5, com capacidade para tocar até 70 canais simultaneamente, mais 32 linhas de áudio de saída. Para reproduzir as pistas de som, se trabalha com dois computadores executando o software de manipulação de áudio digital Digidesign ProTools, que nesse caso funciona apenas como "player", ou seja, o software não grava o resultado da mixagem nem executa as automações da mixagem (equalização, compressão, fades, delays, reverbs, etc.).

Durante o período que trabalhei como assistente de mixagem, era incumbência minha receber o material, na forma de sessões do ProTools ou de outro software utilizado pelo editor. Estas sessões, contendo as pistas de diálogo, efeitos, ambientes e ruídos de sala, trabalhadas pelo editor de som, são reorganizadas, de forma a se obter as sessões de ProTools preparadas para a primeira etapa da mixagem, a pré-mixagem. É comum a maioria dos editores de som trabalharem com ProTools, o que facilita o trabalho de organização das pistas de som, já que o material vem no padrão do mesmo software utilizado no estúdio de mixagem. No universo sonoro do filme, o digital se estabeleceu mais cedo do que no universo da imagem. Hoje em dia, os próprios gravadores de som direto já trabalham com som digital (padrão .wav ou .aiff, 16 ou 24 bits, 48KHz, e agora, 96 KHz). Dentre os mais conhecidos e utilizados podemos citar os seguintes modelos e fabricantes: Cantar (da Aaton), Sound Devices e Marantz. Com a aposentadoria dos Nagra, e os DAT's prestes a seguirem o mesmo caminho, falar em som de cinema hoje (seja o som direto bruto, editado ou mixado) é falar de arquivo digital, formato .wav ou .aiff. Em função deste áudio ter formato de um arquivo de computador, o material relativo ao som do filme que nos chega, normalmente vem gravado em DVD's ou em HD's externos (para ilustrar o tamanho de um arquivo de som mono, formato .wav, 48 KHz, 16 bits, com duração de 1 minuto, podemos calcular: 1 minuto = 60 segundos; em 1 segundo de som, eu tenho 48 mil amostragens do som "empacotados" em blocos de 16 bits (ou 2 bytes, já que 1 byte = 8 bits). Então, 1 segundo = 48.000 *2 bytes = 96000 bytes. Em 1 minuto, teríamos então 60*96000 = 5.760.000 bytes, aproximadamente 5.5 MB. Se o arquivo for estéreo, o valor dobra (1 minuto = 11 MB)

Esse material recebido, gravado em DVD no HD externo do editor, é transferido para o HD externo da sala. É importante frisar que o ProTools não trabalha com HDs externos no formato USB, somente Firewire ou SCSI. Transferido o material para o disco da casa, são criadas sessões, discriminadas por rolo e por característica do arquivo (se é diálogo, efeito, ambiente, ruído de sala ou música). Criadas e organizadas as sessões, inicia-se o processo de pré-mixagem, necessário porque o console digital trabalha com até 70 canais de som simultâneos, e em grande parte dos longa-metragens, se somarmos todas as pistas de som referentes ao filme, a conta final passará em muito de 70. Para se ter uma idéia, em média uma sessão de diálogo/som direto, por rolo, costuma vir com 10 pistas de som direto, 2 de dublagem, 4 de efeitos gravados no set (ou pfx, do inglês "production effects"), 2 de ambientes gravados no set (para servir de cobertura de diálogos de diferentes takes) mais 3 de ADR (do inglês "Additional Dialog Recording"), totalizando 21 pistas. A sessão de efeitos, por conter muito mais tipos de sons heterogêneos e pontuais, pode contar com até 50 pistas (é bom lembrar que arquivos estéreos contam como 2 pistas). Por isso mesmo, de acordo com a demanda exigida pelo desenho sonoro de cada filme (uns trabalham com mais diálogos, outros com mais efeitos, outros com mais ambientes, e assim vai), antes da mixagem do filme propriamente dita, são feitas as pré mixes, agrupadas pela característica de cada som, de forma que a conta total das pistas pré-mixadas não ultrapasse os 70 canais que a mesa suporta.

Pré-mixes prontas, parte-se para a mixagem final, onde se mistura e se define os níveis todos os elementos sonoros do filme. Definida a concepção e desenho sonoros do filme, gravam-se, em um gravador digital de 24 pistas, blocos separados por tipos de sons, chamados (do inglês) de Stems (Dialog Stem, Music Stem, Effects Stem). Para o diálogo, gravam-se 5 pistas (referentes aos lados esquerdo, central, direito, esquerdo surround e direito surround; não há pista de sub woofer), para a música e efeitos, são utilizadas 6 pistas (nesses há 1 pista para o sub woofer), perfazendo um total de 17 pistas. Essas mix stems serão a base para a gravação do Print Master (que é o arquivo Dolby Digital 5.1 codificado e gravado em um disco magneto-ótico, normalmente abreviado para a sigla M.O.). No Print Master, que sempre é realizado sob a supervisão do engenheiro responsável da Dolby, além da geração do arquivo codificado Dolby Digital gravado no disco M.O. (é esse disco que vai para o laboratório para que seja gerado o negativo de som), também e possível obter as 6 pistas do som 5.1, utilizadas mais tarde para autoração de DVD's e para a masterização e transmissão em televisão.

Na ocasião do Print Master, o engenheiro da Dolby confere a equalização e a resposta acústica da sala, mede a resposta individual de cada caixa, e realiza, quando necessário, calibragens pra equilibrar e garantir a fidelidade do som escutado. Ao se passar pelo equipamento responsável pela codificação da mixagem, realiza-se uma simulação da operação do leitor de som ótico presente no projetor, para saber se poderá haver distorção ótica na projeção, em função de algum excesso de nível.

Após esse processo, algumas produtoras requisitam o que se convencionou chamar de banda internacional, ou seja, uma outra mixagem, mas que não contenha os diálogos na língua original, para que esta receba a dublagem na língua do país que comprou os direitos de exibição daquele filme. É na confecção da banda internacional (conhecida também pelo jargão M&E, de "música e efeito") que se utiliza as 12 pistas dos stems referentes à música e efeito do filme. Eventualmente, um ou outro efeito (uma batida de porta, um beijo, ou um tapa, por exemplo) podem estar contidos no stem de diálogo, e fazerem falta na preparação da banda internacional. Para esses casos, utiliza-se efeitos e/ou ruídos de sala, fornecidos pelo editor de som.

A produção da banda internacional está incluída naquilo que as produtoras chamam de delivery do filme, ou seja o material sonoro relativo ao filme que será entregue e armazenado nas produtoras, funcionando de uma certa forma como um back up do som do filme, já que acontecendo qualquer imprevisto, como uma perda do M.O. do som do filme, por exemplo (fato que já presenciei), pode se gerar outro M.O. através dos stems do filme. Assim que comecei a trabalhar na área de mixagem do Mega, ainda se gravava os stems do filme, a mixagem 5.1 e a banda internacional (em 5.1 também), em fitas magnéticas Hi8, de oito pistas, que eram usadas nos famosos gravadores Tascam DA-88. Com o passar do tempo, algumas produtoras foram pedindo para o seu delivery, além das fitas Hi8, DVD's contendo esses mesmos arquivos. Hoje em dia, a grande maioria dos "deliveries" é feita somente em DVD's, devido a praticidade e a economia no espaço de armazenagem.

Alguns problemas gerados por essa digitalização das mídias de áudio (e a consequente quase extinção das fitas), são os constantes casos de perdas de DVD's (tendo como causa, ironicamente, o tamanho reduzido que acaba por facilitar essas perdas), o que acarreta uma demanda de responsabilidade de reposição desse material sobre o estúdio gerador do conteúdo. Para evitar tais problemas, estipulamos uma política própria de backups dentro da empresa, através da gravação de DVDs por nossa conta (um backup do backup, já que este normalmente já é incluído no delivery para a produtora). Com o passar tempo, mesmo com o espaço reduzido de um disco de DVD, o espaço e o tempo demandados para adminstração desses backups começaram a se tornar críticos, pedindo uma reavaliação dessa política. Acredito que uma solução razoável seja manter esses DVD's por um tempo estipulado (3 anos, por exemplo), e a partir daí se cobrar pelo serviço de manutenção e cuidado daquele material ali armazenado.

Outra questão que aflige mixadores, diretores e produtores de cinema diz respeito ao nível sonoro com que se ouve a mixagem do filme nas salas de exibição. O aparelho da Dolby, que decodifica a leitura do ótico de som e transfere o sinal para os amplificadores, possui um controle de volume, que em tese deveria estar na posição 7 (é em função dessa posição que são feitos os ajustes de calibragem e alinhamento da sala de mixagem). Na teoria, em uma sala de exibição (estando o decodificador da Dolby na posição 7, os amplificadores calibrados e alinhados, e as caixas de som em perfeito estado), o som ouvido no cinema deverá ser o mais fiel possível (já que igual nunca será), em relação ao som ouvido na sala de mixagem. O que ocorre na prática, é que muitos filmes norte-americanos acabam sendo mixados mais alto do que o "volume 7" da sala, obrigando (em função da proximadade das salas, do tamanho reduzido destas, e da inexistência de isolamento acústico entre as salas de cinema dos sistemas multiplex) os projecionistas a deliberadamente abaixar esse volume (já fiquei sabendo de casos onde volume chegou a ficar na posição 5). É por isso que muitas vezes, quando, antes do filme começar, ao assistirmos aos trailers nacionais e norte-americanos em sequência, saímos com a impressão de que o som do trailer estrangeiro está muito melhor do que nacional, quando na verdade o estrangeiro é mixado pra tocar bem mais alto no volume 7, enquanto o trailer nacional "respeita" mais essa norma. O resultado disso é que muitos produtores e diretores brasileiros já perceberam essa diferença e acabaram propositadamente definindo níveis sonoros mais altos para as suas mixagens, criando um círculo vicioso, onde quanto mais o exibidor abaixa o volume, mais o diretor compensa na mixagem.

Conclusão:

É interessante notar que questões de preservação acabam não ficando restritas apenas ao círculos das cinematecas, salas de armazenamento e arquivos de som e imagem. No meu caso prático, eu lidava frequentemente com essas questões, se pensarmos que muitas decisões sobre o que apagar ou não eram tomadas na sala de mixagem. Muitas vezes, acabávamos por apagar arquivos de som (proveniente da edição de som), que não eram utilizados nas mixagens, muito pela questão de espaço em disco, mas também em função da organização e praticidade do trabalho. No princípio nossa política se limitava a "backupear" todo material que fosse gerado na sala de mixagem, o que mais tarde se revelou impossível também de se administrar. Na verdade, se as produtoras respeitarem a integridade desse material gerado na mixagem, e que lhes é entregue, poderemos aumentar a possibilidade de restaurar filmes no futuro, não dependendo somente da informação gravada na película, porque como sabemos, este é um suporte que demanda cuidados específicos e locais devidamente climatizados e projetados para armazenagem e preservação. Não se fala aqui de digitalizar o som registrado na película, mas sim da preservação do som (que foi captado, editado e mixado digitalmente) que originou a master gravada na película.

Interessante também é notar um conceito diferente de preservação, com o qual acabei esbarrando por ocasião do desenvolvimento desse trabalho, e que diz respeito à preservação do conceito original do desenho sonoro do filme, e que não está sendo respeitado por alguns exibidores, na medida em que, alterando o nível sonoro do filme exibido, ele acaba alterando a relação entre as frequências que compõe o som do filme que chega até o espectador, já que não é linear a relação entre volume sonoro e percepção das frequências (há perdas em baixas e altas frequências, e as frequências que compõe a faixa média de frequência acabam se fazendo mais presentes). Nessa disputa, entre o "mixar mais alto" e o "projetar mais baixo", travada pelo diretor e exibidor, o espectador sai perdendo no final das contas.

Referências bibliográficas:

-KLACHQUIN, Carlos. Cinema Digital e Cinema Eletrônico.

-KLACHQUIN, Carlos. Não se esqueça do som!

-KLACHQUIN, Carlos. O som no cinema.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Exibição digital no Brasil: realidade ou ficção - Trabalho de alunos

Este foi o trabalho final da disciplina "Preservação, Memória e Políticas de Acervos Audiovisuais" do aluno Luiz Gomes sobre a exibição digital. A questão do digital, em geral, é um tema de muito interesse para os alunos do curso, uma vez que atinge diretamente algo que marca definitivamente esta geração. O tema da exibição digital, em particular, é um tópico de atenção especial, uma vez que se trata de um processo atualmente em curso que eles também estão presenciando. Se a filmagem e a pós-produção digital já está totalmente incorporada à realidade dos mais jovens, muitos deles jamais tendo tido contato antes com a película cinematográfica, a exibição no formato digital em salas de cinema comercial ainda é algo recente, pois mesmo acostumados com o dvd, internet, blu-ray etc, a maioria ainda foi e continua sendo formada pela visão de filmes em 35 mm. O texto de David Walsh que traduzi para este blog tem se mostrado o mais popular dentre todos os artigos disponibilizados até agora, sobretudo por tratar de forma muito clara de questões técnicas como resolução, formato e compressão, geralmente deixadas de lado num discurso vago sobre o digital que, como outros termos como "gênero", "nacional" ou "popular", virou uma palavra difícil no campo dos estudos de cinema, usada por diferentes pessoas para falar de coisas as mais diferentes. Frente a essa dificuldade, o trabalho do Luiz Paulo Gomes é uma clara e sintética introdução a essa complexa questão no Brasil.

Exibiçao digital no Brasil: realidade ou ficção,
de Luiz P. Gomes

O que significa ir ao cinema hoje?

Se nos primórdios do Cinema, a implementação de tecnologias como o Cinema Sonoro e o Cinema à Cores, representou uma revolução na maneira de ofertar a experiência cinematográfica, atualmente, é a chegada do digital que pode fazer uma nova revolução. Não de sensações, pois o grande público dificilmente diferencia uma exibição em película 35mm, de uma exibição digital com certo nível de qualidade, mas sim uma revolução na possibilidade de distribuição e exibição dos filmes.
Quando pensamos em Cinema Digital podemos cair basicamente em duas temáticas principais. Em primeiro lugar, podemos pensar no digital para o processo de produção em si. O uso de câmeras e gravadores digitais nos sets de filmagem, algo já muito consolidado nos documentários e que passa a ser difundido também na ficção, é uma realidade, devido a crescente qualidade dos equipamentos e também do barateamento dos seus custos.
Entretanto, não aprofundaremos aqui nem a questão da democratização proveniente dessas novas tecnologias de captação digital para o audiovisual, ou mesmo em um ponto muito controverso atualmente, que é a forma pela qual os filmes digitais serão preservados.
Em segundo lugar, e este sim é o tema de aprofundamento do presente trabalho, podemos tocar no que diz respeito à exibição digital. Cabe ressaltar que no caso não importa se o filme foi realizado em película ou não, mas sim se ele será oferecido ao público, no caso através do circuito exibidor brasileiro, com cópia digital.
Para esmiuçar melhor a temática, procuraremos dar um panorama geral da exibição digital, explicar alguns de seus conceitos técnicos (resolução, compressão, diferenciação entre D-Cinema e E-Cinema) e fazer um pequeno estudo de caso da experiência brasileira, através de entrevistas com Cacá Carvalho, gerente de atendimento da Rain, e com Paulo Máttar, gerente e coordenador de programação do Cine Arte UFF.

Conceitos e definições da exibição digital

A exibição de Cinema, que podemos considerar mais tradicional, é baseada na projeção de filmes em cópias de película 35mm. Por muitos anos, todo o modelo de negócios que gira em torno da indústria cinematográfica era baseado na distribuição de cópias, proveniente de um negativo, para determinados cinemas de acordo com o padrão de lançamento determinado pela campanha de marketing que acompanha o filme. Hoje em dia, principalmente nos blockbusters dos grandes estúdios de Hollywood, esse lançamento é mundial, demandando um grande número de cópias e custos com a distribuição. Fazendo parte de uma estratégia de marketing que na verdade pode ser considerada algo muito mais relevante para se evitar os prejuízos decorrentes da pirataria.
A indústria cinematográfica, atualmente, tem se interessado pela progressiva implementação de uma tecnologia digital para a exibição de seus filmes, baseando-se na projeção de arquivos digitais, ao invés das tradicionais cópias em película 35mm. Segundo David Walsh(1), essa implementação é interessante para a indústria por quatro razões principais: o barateamento do custo das cópias; a qualidade da projeção digital, que é a mesma tanto na primeira exibição quanto na milésima, diferente da degradação decorrente do uso que ocorre na película; segurança, podendo, assim evitar ao máximo o problema da pirataria; e a flexibilidade da programação nas salas de cinema, pois sendo as projeções baseadas em arquivos, há a possibilidade de que o exibidor tenha muito mais opções para ajeitar a programação de suas salas.
Ao pensar numa projeção digital, devemos pensar que há uma forte estrutura de tecnologia de informação presente, sendo pertinente analisar alguns conceitos básicos que refletem na qualidade da imagem projetada na tela. Um primeiro ponto diz respeito a resolução, que se refere ao número de pixels dispostos horizontalmente em um quadro. A resolução 2K, bastante recorrente como padrão mínimo de qualidade, possui 2048 pixels, dispostos horizontalmente, por 1080 linhas verticais para cada quadro.(2) Assim, uma resolução de 4K teria uma qualidade maior em relação à 2K e uma resolução de 1.4K teria uma resolução menor, devido ao maior ou menor número de pixels. Além disso, outro conceito importante é em relação à compressão da imagem. Ou seja, para digitalizar um filme de duas horas com resolução 2K, precisaremos de mais de 2 milhões de pixels por fotograma, ou seja, 10 Megabytes de memória, resultando em um arquivo final com quase 2 Terabytes. Assim, para que o cinema digital possa ser distribuído, há a necessidade da compressão dos arquivos, havendo a compressão com perda, onde há perda da informação e, conseqüentemente, da qualidade da imagem, e também a compressão sem perda, onde a qualidade da imagem é mantida.
Walsh mostra que há dois tipos de projeção digitais no mundo, sendo a diferença entre elas a resolução de tela. Primeiramente, há o E-Cinema, ou Cinema Eletrônico, onde as imagens são projetadas com resolução de tela inferior a 2K. Há também o D-Cinema, ou Cinema Digital, com imagens projetadas com resolução igual ou superior a 2K.
Através de um consórcio, alguns estúdios de grande porte de Hollywood se organizaram através do chamado Digital Cinema Initiatives (DCI). Criado em março de 2002, abrangia a Disney, Fox, MGM, Paramount, Sony Pictures Entertainment, Universal e Warner. Ao que parece, segundo o próprio site da DCI(3), a MGM não faz mais parte da joint venture, porém, não iremos entrar em detalhes sobre essa possível saída. O importante é notar que através de uma iniciativa dos grandes estúdios, das chamadas majors, foi imposto um padrão, bastante alto, para a implementação da exibição digital nas produções hollywoodianas.
A DCI impôs que a resolução 2K seria a mínima para a exibição em digital, tendo como meta a resolução 4K como a mais fidedigna. Estabeleceu também a compressão sem perda padrão JPEG 2000. Além disso, uma preocupação muito grande dos grandes estúdios é em relação à pirataria. Assim, para enrijecer o sistema de segurança, estabeleceu-se a exigência de encriptação dos arquivos e uso de trilhas de segurança, tanto para distribuição quanto para a exibição dos seus filmes.
O padrão imposto pela DCI fez com que a implementação do digital para a exibição, não fosse algo da noite para o dia, pois só haveria o apoio dos grandes estúdios, quando um nível alto de qualidade fosse alcançado. Uma das questões que também contribuía para protelar a exibição em digital seria, segundo alguns críticos de Cinema, a qualidade inferior em relação à exibição em película 35mm. Porém, segundo Luiz Gonzaga Assis de Luca(5) e também David Walsh(6), em textos diferentes, atualmente a projeção digital de um filme digitalizado em alta resolução pode ser igualada em qualidade à projeção de um filme em película.
Segundo Pedro Butcher, editor do portal FilmeB, a questão da projeção digital ser uma tecnologia de reposição e não de inovação também contribui para essa demora do desuso da película 35mm.(7) Assim, com a exceção da exibição de filmes em três dimensões, a projeção digital não garante um aumento de público e, conseqüentemente, de faturamento para o exibidor, pois não apresenta nenhuma novidade na experiência cinematográfica, como aconteceu com a implementação do Cinema Sonoro ou com o Cinema à Cores.
Um outro ponto bastante enfatizado por Butcher, é o alto custo de se fazer a conversão de um cinema para a exibição digital. Um projetor digital em altos padrões, com as especificações DCI, custa em média US$ 85 mil, a esse valor ainda devem ser somados custos referentes à tecnologia digital, como gastos com o servidor, por exemplo, elevando o valor final de US$ 170 mil por sala. Valor que aumenta ainda mais, caso o exibidor queira fazer projeções em três dimensões. Além disso, os custos de manutenção de projetores digitais é quase três vezes maior do que de projetores 35mm. A expectativa de vida de um projetor 35mm é de vinte e cinco a trinta anos, já a do projetor digital é de cerca de dez anos, pois devemos levar em conta tanto as atualizações de hardware, quanto de software, que exigiria também uma maior especialização de mão-de-obra, levando a um óbvio acréscimo dos custos com pessoal, que devem entender de projeção, som e também tecnologia de informação (TI).

A realidade da exibição digital no Brasil

Talvez um fato que possa demonstrar a mudança de mentalidade no Brasil, onde o digital passa a ser exigido pela própria classe cinematográfica, foi o Festival do Rio de 2003. Se nas edições anteriores, a curadoria apenas permitia a exibição de filmes em película, nesta edição, devido à reivindicações de cineastas que desejavam exibir seus filmes em suportes digitais, foram instalados equipamentos de projeção digital e, dessa forma, dos 300 filmes exibidos, quinze foram projetados através de tecnologias digitais, patrocinadas pela Rain Network, empresa brasileira criada em 2002, com o objetivo de criar soluções diferenciadas para o gerenciamento do conteúdo digital.
Segundo Butcher(8), há alguns anos atrás, havia apenas seis salas do circuito brasileiro que obedecem ao padrão DCI: quatro do grupo Cinemark, uma da UCI-Ribeiro e uma na Cinemateca Brasileira, que seria o único dos casos que não teria adotado o digital com o fim específico de oferecer a projeção 3D como diferencial para o público. Não entrando na discussão do Cinema 3D e seu retorno devido às novas tecnologias, cabe destacar que, atualmente, o grupo Cinemark já conta com vinte e sete salas que têm a tecnologia de exibição digital em 3D, e estas oferecem o padrão de resolução 2K.(9) Como a reportagem de Butcher não é datada, fica difícil estabelecer uma comparação com o número atual de salas digitais. Além disso, como tanto no site da Cinemateca Brasileira, quanto no site do grupo Cinemark, os dois únicos entre os três citados que oferecem em seus sites mínimas informações sobre sua exibição digital, não há informação sobre a compressão e sobre a segurança, fica difícil saber se realmente o padrão DCI é seguido fielmente.
Já a Rain Network possui atualmente 460 salas(10)0 que exibem em digital, sendo que a empresa não segue o padrão DCI, sendo um caso do que abordamos como E-Cinema.

Segundo Marcele Bessa (11), a tecnologia utilizada pela Rain, o software Kinocast, foi criada para o gerenciamento, distribuição, exibição e controle da mídia digital. Esse software é dividido em duas frentes: o Kinocast Web, que permite o gerenciamento da mídia, programação, agendamento de exibições e a extração de relatórios; e o Kinocast Player, software instalado nas salas de cinema com o intuito de fazer a ponte entre o projetor digital e a automação da sala, gerando os dados que alimentariam o Kinocast Web.
A Rain, além de exibir longas-metragens, também se propõe a exibir diferentes conteúdos, como shows de rock, por exemplo, linha seguida inclusive internacionalmente onde as salas que exibem digital, também oferecem outros produtos que não o cinema aos seus espectadores.
Em conversas via email com, Cacá Carvalho, gerente de atendimento da Rain, e com Paulo Máttar, gerente e coordenador de programação do Cine Arte UFF, podemos entender melhor posições tanto de quem detém o poder da tecnologia, quanto do exibidor, que precisa pensar no digital no mínimo como sobrevivência dentro do mercado de exibição brasileiro e da tendência internacional.
O Cine Arte é um cinema ligado à Universidade Federal Fluminense, onde a sua programação é basicamente formada por filmes alternativos e de arte, todos exibidos em película 35mm, pois não há projetor digital. Por estar próximo de passar por uma reestruturação, este cinema, após a conclusão das reformas, irá procurar melhorar a sua exibição em 35mm, incluindo o sistema Dolby para o som, e também exibindo filmes em digital e 3D. Segundo Paulo Máttar:
“É impossível pensar na reforma sem incluir a projeção digital. Quem não tiver digital vai fechar em pouco tempo. É cada vez maior o número de títulos com o perfil do Arte UFF lançados somente em digital, ou com apenas 1 cópia em película”.
Quando perguntado sobre um possível barateamento do preço dos ingressos e sobre a preocupação com uma qualidade mínima ao oferecer a exibição digital, Máttar responde:

“ (...) essa questão é complexa, pois o investimento para a exibição digital pode ser alto (dependendo do sistema adotado ou da relação estabelecida com a Rain, no caso da escolha por este sistema) e nenhum exibidor vai se dispor a cobrar menos. Acredito que no futuro isso seria, já que os custos iniciais já estariam cobertos, mas é claro que o ingresso para o digital não vai diminuir. (...) A possibilidade de exibir tantos filmes que não estamos podendo passar acho que compensaria eventuais problemas do sistema digital. Na comunidade do Orkut sempre informo que filmes não exibiremos por serem distribuídos somente no formato digital e as pessoas sempre lamentam. (...) Com certeza iremos incluir na divulgação o sistema de exibição, mas sobre o preço acho prematuro pensar em diferenciação. Primeiro teríamos que ter algumas experiências com a exibição digital aqui para avaliar essa questão. E mesmo que a conclusão seja por uma redução, teríamos que ver como isso ficaria em relação às distribuidoras”.
Já que a Rain foi citada, como opção para a implementação de um sistema digital, seguindo a realidade brasileira, a única ressalva que Máttar fez é de haver uma negociação onde não haja a obrigatoriedade da exibição de comerciais antes das exibições, por não se tratar do perfil do Cine Arte.
Já Cacá Carvalho expôs que mesmo a Rain, segundo os ditames da DCI, fazer o chamado E-Cinema, o padrão hollywoodiano, dos grandes estúdios, seria algo caro demais para a realidade brasileira. Quando perguntado sobre o padrão de qualidade do sistema, incluindo a resolução e a compressão das imagens, a resposta foi de certa forma dispersa, pois, segundo ele, é um padrão de qualidade, com a resolução HD 1280 x 720, porém nada foi mencionado em relação à compressão das imagens. A única informação que conseguimos, é que a Rain faz a compressão em WMV, Windows Media Vídeo(12), mas não há clareza nas informações para se concluir se há perda ou não na qualidade da imagem.
Em relação a um futuro oferecimento de mais filmes em digital do que em película, Cacá Carvalho afirma:
“Existe um circuito exibidor independente que já exibe uma quantidade bem expressiva de filmes digitais, inclusive, alguns deles são lançados exclusivamente desta forma. O circuito comercial composto pela Cinemark, UCI e alguns outros, ainda está estabelecendo este hábito, hoje dominado praticamente pelo 3D. Agora com o lançamento do 3D houve um aumento considerável das salas DCI, isto ajuda cada vez mais a roda girar: mais salas, mais filmes, mais filmes, mais salas.”

Não há escapatória para o digital

O cinema digital, por baratear os custos das cópias, poderia favorecer em muito os baixo orçamentos (BO) brasileiros, facilitando a sua distribuição para mais salas, conseguindo talvez competir com os mega-lançamentos de Hollywood.
Segundo José Carlos Avellar, citado por Assis de Luca(13), a tecnologia digital tem a possibilidade de representar uma revolução nos sistemas da indústria cinematográfica, pois haverá um barateamento dos custos dos filmes, exceto pelas produções das majors, levando a um acesso mais facilitado dos produtores às salas de exibição, o que em parte, pode facilitar o retorno de um cinema mais autoral, sem preocupação com grandes bilheterias e retorno financeiro.
Principalmente, no que diz respeito aos estudantes de Cinema e aqueles que estão lutando para se firmar no mercado, o digital deve ser visto como aliado e como opção tanto para a realização quanto para a exibição de seus trabalhos.

NOTAS
1 WALSH, David. Uma revisão do cinema digital – parte 1/2. In: http://preservacaoaudiovisual.blogspot.com/2009/01/uma-reviso-do-cinema-digital-parte-12.html
2 Ibid.
3 http://www.dcimovies.com/
4 WALSH. Op. cit.
5 LUCA, Luiz Gonzaga Assis de. Cinema Digital: um novo cinema?. São Paulo: Imprensa Oficial, 2004. P. 21
6 WALSH, David. Nós precisamos mesmo da película? In: http://preservacaoaudiovisual.blogspot.com/2008/11/ns-precisamos-mesmo-da-pelcula.html
7 BUTCHER, Pedro. Cinema Digital: Em 20 perguntas e respostas. In: http://www.filmeb.com.br/portal/html/materia1.php
8 Ibid.
9 Site do grupo Cinemark, no campo específico para a divulgação do seu Cinema Digital 3D: http://www.cinemark.com.br/acao/cinema3D.html
10 http://www.rain.com.br/SalasRain/Pages/Busca.aspx
11 BESSA, Marcele. Cinema Digital e Popular: o Ponto Cine como alternativa para democratização do mercado exibidor. Niterói: Monografia de Conclusão de Curso para o Departamento de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal Fluminense, 2009. P. 26 e 27.12 Ibid. P. 27
13 LUCA. Op. cit. P. 216 e 217. 10

Bibliografia
BUTCHER, Pedro. Cinema Digital: Em 20 perguntas e respostas. In: http://www.filmeb.com.br/portal/html/materia1.php
BESSA, Marcele. Cinema Digital e Popular: o Ponto Cine como alternativa para democratização do mercado exibidor. Niterói: Monografia de Conclusão de Curso para o Departamento de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal Fluminense, 2009.
LUCA, Luiz Gonzaga Assis de. Cinema Digital: um novo cinema?. São Paulo: Imprensa Oficial, 2004.
WALSH, David. Nós precisamos mesmo da película? In: http://preservacaoaudiovisual.blogspot.com/2008/11/ns-precisamos-mesmo-da-pelcula.html. Artigo com a tradução de Rafael de Luna e originalmente publicado no Journal of film preservation, n. 72, de novembro de 2006.
_____. Uma revisão do cinema digital – parte 1/2. In: http://preservacaoaudiovisual.blogspot.com/2009/01/uma-reviso-do-cinema-digital-parte-12.html. Artigo com a tradução de Rafael de Luna e originalmente publicado no NFSA Journal, v.2, n.1, 2007, publicação do National Film and Sound Archive.
Sites
http://www.dcimovies.com/
http://www.cinemark.com.br/acao/cinema3D.html
http://www.rain.com.br/SalasRain/Pages/Busca.aspx
Entrevistas
Entrevistas via email, com Cacá Carvalho, gerente de atendimento da Rain, e com Paulo Máttar, gerente e coordenador de programação do Cine Arte UFF, ambas em julho de 2009.

domingo, 26 de julho de 2009

A projeção nos circuitos alternativos - trabalhos de alunos

Com este texto, começo a disponibilizar alguns dos melhores trabalhos dos alunos da disciplina Preservação, memória e políticas de acervos audiovisuais do curso de cinema da UFF no primeiro semestre de 2009. O tema da projeção de filmes é importante e o texto da Julia Vanini é uma pequena, mas significativa contribuição ao assunto.

A projeção nos circuitos alternativos, de Julia Vanini

Introdução

Quando o assunto ‘preservação de filmes’ é discutido, geralmente, é deixado de lado um tópico de importância extrema: a projeção dos filmes.
Obviamente, a primeira imagem que nos vem à mente é a projeção feita no circuito comercial. Mas estas referem-se a filme que contam com um número expressivo de cópias, todas novas.
Por mais que sejam tomados os cuidados básicos com a película nesse caso, a preservação do estado físico das cópias não chega a ser uma prioridade, uma vez que grande parte delas serão mesmo destruídas após o período de exibição nas grandes salas comerciais.
É por isso que este trabalho foca num outro lado da projeção: aquela feita no circuito alternativo, constituído por salas de cinema, principalmente, de centros culturais.
Nesse circuito alternativo, são apresentados ao público mostras e festivais, que trazem muitas vezes filmes raros, antigos, e que pouco (ou nunca) circularam no Brasil.
Minha intenção aqui é fazer crescer o interesse por esse lado da projeção e da preservação dos filmes, sem, no entanto, entrar em detalhes técnicos.
Foram feitas entrevistas com dois dos três operadores cinematográficos do Centro Cultural Banco do Brasil, o mais tradicional da cidade do Rio de Janeiro. Nessa sala, são apresentadas diversas mostras com diferentes e inúmeros enfoques, que dão a oportunidade do acesso a obras importantíssimas do panorama do cinema brasileiro e mundial.
Esses operadores descrevem o trabalho feito na cabine de projeção do CCBB, além de suas impressões sobre o trabalho de preservação e a profissão que exercem.
Utilizo aqui, como base, o texto “Projectionniste dans une cinematheque la Cinematheque quebecoise)”, uma espécie de manual para projecionistas, escrito pelos administradores da Cinematheque Quebecoise, que tomam como exemplo o trabalho de projeção de filmes nesse local.
Comparo aqui o trabalho dos operadores de cinemateca com os operadores de centros culturais, tomando como base a convivência constante que ambos apresentam com cópias merecedoras de tratamento mais, digamos, delicado.

Descrição do trabalho do operador e da cabine de projeção

Os operadores cinematográficos (como pedem para ser chamados, considerando o termo “projecionista” errado) do Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro são terceirizados, vale a pena frisar, para ter a visão de que eles não são funcionários públicos. São três os operadores, que se revezam em três turnos: manhã, tarde e noite.
O período da manhã costuma ser ocupado por cabines de imprensa e sessões especiais, enquanto os turnos da tarde e noite apresentam a maior movimentação de sessões das mostras e festivais aprovados nos editais do banco.
Foram entrevistados: Alexandre Barbosa dos Reis e Kleber da Costa e Rocha, operadores no CCBB há 2 e 27 anos, respectivamente. Os dois estão geralmente juntos nos turnos da tarde e da noite.
Assim que o filme chega à cabine de projeção, é revisado por um deles, para que seja verificado o estado físico da cópia. É feito, então, um boletim de revisão de entrada da cópia, que é então comparado com o boletim da última revisão da cópia, que costuma vir anexado à lata. Assim, pode-se provar o estado em que a cópia chegou à cabine, para que seja possível detectar em que momento (projeção) ocorreu cada um dos “defeitos” apresentados pela cópia.
Uma característica importante dessa revisão é a sua diferente intenção. Não há aqui exatamente um intuito de preservar a cópia e detectar onde ela deve ser reparada, mas, sim, uma preocupação em se isentar das responsabilidades por qualquer dano na cópia, provando que ele não foi provocado na cabine de projeção em questão. Não tiramos, porém, a importância desses boletins de revisão de entrada feitos por eles.
Na cabine do CCBB podemos encontrar dois projetores 35mm, um projetor 16mm e uma enroladeira vertical automática.
Após a exibição, é feito um relatório sobre a projeção, no qual relatam qualquer acontecimento anormal que possa ter causado algum dano à cópia. Tanto o boletim quanto o relatório são para o controle do próprio CCBB, podendo os produtores das mostras obter cópias dos mesmos.
É necessário fazer testes com as cópias antes das projeções, para que não haja erros durante a exibição, principalmente nos quesitos áudio e janela. Com a exibição-teste, pode-se verificar também alguns aspectos do estado de preservação da cópia.
O Centro Cultural Banco do Brasil tem como regra a chegada do filme em, no mínimo, 48 horas antes da sua projeção. Assim eles garantem tempo suficiente para que a cópia seja revisada, montada e testada antes de sua exibição, garantindo, assim, uma sessão impecável.
Sabemos, porém, que isso nem sempre acontece. O fluxo corrido das cópias que acompanham as mostras, que muitas vezes acontecem simultaneamente em cidades e salas diferentes, acarreta na chegada em cima da hora das cópias à cabine, atrasando todo o trabalho dos operadores. E essa pressa é, muitas vezes, causadora de imprecisão, fator gravíssimo no tocante à preservação dos filmes.

Qualificação e aprendizado

Nesse tópico, fica evidente que muitos dos problemas e divergências entre operadores e preservadores têm origem na falta de um preparo mais aprofundado dos operadores profissionais.
Não existe, aqui no Brasil, um curso permanente que forme operadores cinematográficos. Deles é exigido o segundo grau de estudos completo.
Segundo descreve Kleber (que começou e por muito tempo trabalhou com o grupo Severiano Ribeiro), no antigo circuito comercial havia, além do operador cinematográfico, um ajudante – uma espécie de aprendiz – na cabine. Geralmente, um trabalhador do próprio grupo, mas que exercia outra função, era convidado a se tornar esse ajudante de operador, auxiliando e aprendendo na prática o exercício de projeção de filmes.
Após seis meses de aprendizagem, o auxiliar estava apto a se tornar operador cinematográfico e receber a companhia de um ajudante para si. Aprende-se, assim, na cabine, a montar e desmontar os filmes, além de fazer as emendas necessárias.
Kleber – que trabalhava como operador particular do próprio Severiano Ribeiro (na sala de cinema que este tinha em casa) – teve a oportunidade de participar da primeira (de duas) turma do curso para operadores cinematográficos oferecido pela Embrafilme.
Já Alexandre procurou por conta própria um curso oferecido pela Fundação Casa de Rui Barbosa, na qual Kleber também já ministrou algumas aulas.
Foi aí que adquiriram também algum conhecimento sobre a constituição da película e alguns conhecimentos um pouco mais aprofundados sobre preservação.

Cuidados com a cópia e com os equipamentos

Apesar de o trabalho do operador focar apenas na exibição dos filmes, alguns cuidados e reparos na cópia acabam por se fazerem necessários em alguns momentos.
Na cabine precisam, às vezes, trocar e refazer emendas prestes a arrebentar novamente, ou aquelas que ameaçam o sucesso da sessão. Contudo, eles não mexem nas perfurações, e nem fazem qualquer outro tipo de reparos na película, conscientes de que esse trabalho cabe a um restaurador.
Frequentemente recebem na cabine cópias em estados péssimos. Cabe a eles revisá-las e dizer se ela está apta ou não para ser exibida. Muitas vezes, recebem avisos dos organizadores da mostra para que tenham cuidados extras com certas cópias, por sua raridade ou por seu estado frágil.
A manutenção dos equipamentos da cabine de projeção do Centro Cultural Banco do Brasil é feito a cada seis meses, por uma equipe contratada de fora. Pelo menos um dos operadores deve estar presente no momento da manutenção, para que ajude na identificação dos problemas com o equipamento.

Conclusão

A conclusão desse trabalho não poderia ser outra além da afirmação de que um bom preparo dos profissionais que operam nas cabines cinematográficas é um passo importante, e praticamente esquecido, para a preservação dos filmes.
O primeiro passo talvez seja a valorização desse setor, um maior reconhecimento da importância desses profissionais, para que eles próprios se sintam incentivados a melhor entender sobre a película, e os cuidados necessários para preservá-la.
Encerro, então, com as palavras dos entrevistados, Kleber e Alexandre:

“a profissão de operador cinematográfico deveria ser muito mais respeitada, não só pelo público em geral, mas também pelos produtores, as pessoas que trabalham com cinema. A gente não é muito reconhecido pela classe que faz cinema, geralmente tratam a gente como se fosse a ponta, lá no final do rabicho, né? Gostaria de falar só isso, que tem que respeitar mais o profissional que trabalha dentro da cabine de cinema.”
(Alexandre Barbosa dos Reis)

“(...) fazer esse reconhecimento, porque nós não somos aquela ponta lá. Na verdade, nós somos a ponta principal, porque você, antes do espectador, do diretor e de toda a sua produção, no meio, tem o projecionista, o operador, o cara que vai botar aquele filme na tela. Porque o diretor não vai botar, o filme não vai pra tela sozinho, se não tiver uma pessoa para apertar o botão. E essa pessoa que vai apertar o botão somos nós, e é um serviço que, hoje as sala são pequenininhas, duzentos, trezentos lugares, mas eu já fiz projeções para muita gente numa sala só. No Tijuca, Roxy, América, Carioca. Passava filme para duas mil pessoas, com várias sessões.”
(Kleber da Costa e Rocha)

Bibliografia:

AUGER, François. Projecionista de Cinemateca (caso da cinemateca do Quebec). Journal of Film Preservation, FIAF, Número 67, 2004

Entrevistas concedidas à autora no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro, em 19 de Junho de 2009.