sábado, 22 de dezembro de 2012

Proposta do GT de Preservação do Governo do RJ

A Secretaria de Estado de Cultura (SEC) o Governo do Rio de Janeiro está discutindo atualmente a elaboração de um Plano Estadual de Cultura para guiar as ações no campo cultural nos próximos dez anos no Estado do Rio de Janeiro. Especificamente no setor do audiovisual, está sendo divulgado no site da SEC um texto elaborado pelo Grupo de Trabalho de Preservação, instituído em 2010, com o objetivo de colaborar para as diretrizes de uma política de preservação audiovisual a serem contempladas no Plano Estadual de Cultura.
Conheça o texto do GT de Preservação aqui.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Guia do Projecionista - parte I



Este documento, produzido em forma de pôster, tem uma dupla importância. De um lado, com a inevitável conversão para a projeção digital, assume uma grande relevância histórica ao registrar as questões técnicas corriqueiras associadas com a projeção cinematográfica no tempo da película - e antes ainda do advento do som digital e do desaparecimento do som magnético.
Por outro lado, como a projeção de cópias em películas ainda prosseguirá mais alguns anos - se não no circuito comercial, pelo menos em centros culturais e cinematecas - este documento traz uma expertise que está em vias de extinção. Afinal, não só os equipamentos (projetores e peças de reposição) estão sumindo do mercado, como também os profissionais habilitados para manuseiar e reparar esse tipo de aparelhagem.
O texto foi transcrito de um exemplar deste pôster encontrado no Departamento de Cinema e Vídeo da Universidade Federal Fluminense pela Prof. Elianne Ivo. Esta é a primeira parte. A segunda virá num próximo post.



GUIA DO PROJECIONISTA – CTAv – Embrafilme - MinC

Introdução
Este guia tem por finalidade ajudar o projecionista no sentido de melhorar a qualidade de projeção. Aqui você encontrará diversos problemas que podem ocorrer no projetor, no sistema de amplificação etc., com suas possíveis causas e soluções. Desenhos esquemáticos da cabine de projeção e de um projetor com seus componentes básicos ajudarão você a identificar cada parte mencionada pelo texto. Além disso, o guia traz também algumas recomendações práticas que devem ajudar ainda mais o trabalho do projecionista.
Devido a grande quantidade de marcas e modelos de equipamentos de projeção e amplificação de som, o guia não pôde evidentemente abranger todas as diferenças e dificuldades que variam de aparelho para outro. Mas foram abordados aqui os problemas de maior frequência de acordo com levantamentos feitos junto a projecionistas experientes.
No caso de surgir uma complicação maior, chame logo um técnico especializado (Relação no Item Apoio Técnico).

Importância do projecionista
O processo de produção de um filme envolve diversas etapas: filmagem, revelação, montagem, mixagem e cópia final. Cada etapa, por sua vez, envolve dezenas de pessoas que tiveram o máximo de cuidado para que o filme tivesse a melhor qualidade técnica possível. A etapa final de todo esse processo e certamente uma das mais importantes é a projeção. É aí que vai ser mostrado o esforço da equipa, a visão do fotógrafo, os feitos sonoros etc. É portanto a partir da projeção que o trabalho de toda a equipe, inclusive do projecionista, passa a ser julgado pelo público e pela critica que dirão se o filme é bom ou rim.
Logo, cabe ao projecionista tomar certos cuidados desde o recebimento da cópia até a sua devolução à companhia distribuidora. Só assim ele poderá obter a melhor projeção possível, mostrando imagens e efeitos sonoros e visuais conforme foram produzidos originariamente, além de preservar a cópia, deixando-a em boas condições para a próxima exibição.
Todo esse cuidado beneficia o cinema como atividade e também valoriza a profissão.
Esperamos que este guia ajude bastante aos projecionistas no seu trabalho.

Recomendações práticas
A preparação é uma fase muito importante, pois ela permite ao projecionista identificar previamente alguns problemas que poderiam surgir durante a exibição do filme. Esta fase envolve a verificação, a limpeza, o ajuste e a regulagem de diversos itens antes do início da sessão para se reparar qualquer eventualidade.

Verificação e limpeza
A cópia do filme – O projecionista deve verificar se a cópia do filme que vai ser exibida está completa, com todas as suas partes, e deve efetuar imediatamente a sua montagem, com todo o cuidado necessário.
A lubrificação da cópia – Todas as cópias já devem vir do laboratório lubrificadas. No caso de cópias ressecadas (normalmente as cópias velhas e/ou mal conservadas), o projecionista deve fazê-la usando esponja macia e silicone líquido.
A cópia deve ser colocada sobre uma mesa e o silicone aplicado com a esponja, em movimentos suaves e circulares sobre as suas laterais.
ATENÇÂO: A esponja deve ser apenas levemente umedecida com silicone, pois as imagens e a pista de som não podem ser atingidas pelo silicone.
O sistema de transporte da cópia (roletes, quadro compressor, tambor de tração, debitadores etc.) – Todo o sistema deve ser revisado. Deve-se eliminar toda a oleosidade e sujeira que estiverem acumuladas nos roletes, na régua etc. Os roletes devem estar alinhados e o projecionista deve verificar a sua tensão e liberdade de giro. A tensão da régua do quadro compressor e também dos patins deve ser verificada e ajustada, caso seja preciso. Havendo necessidade de lubrificação, não hesite em fazê-lo, mas tomando cuidado para não deixar vestígios de óleo nos roletes e outros componentes. Óleo acumula poeira que arranha a cópia. A lanterna – verifique o estado dos carvões ou da lâmpada Xenon fazendo a troca, se necessário.
Limpe os espelhos, retirando primeiro a poeira com um pincel macio ou jato de ar, e depois a oleosidade, com água e sabão neutro.
Depois verifique a distribuição da luminosidade na tela, fazendo os ajustes necessários.
As lentes – As lentes devem estar livres de poeira e de manchas de óleo (não toque nas lentes, pois a mão possui uma oleosidade que mancha a lente).
Para limpeza utilize primeiro um pincel macio para retirar a poeira e depois água e sabão neutro, em pequena quantidade, para retirar a oleosidade.
Se possível utilize um kit de limpeza para lentes (Kodak Lens Cleaner ou similar nacional) encontrado em lojas de cine e foto.
Após essas verificações, carregue os projetores com a cópia e deixe rodar por alguns minutos o suficiente para ajustar o foco e o nível do som. Não esqueça também de limpar as janelas de vidro ou vigias para não perder a luminosidade. Para isso, utilize água e sabão neutro.
Procedendo desta forma você estará evitando a ocorrência de vários problemas, citados neste guia, que poderiam vir a acontecer durante a projeção.

Ajustes e regulagens
A régua – Por meio de dois parafusos conjugados a molas pode-se aumentar ou diminuir a tensão da régua do quadro compressor, conforme a necessidade. Normalmente estes parafusos reguladores de tensão encontram-se na parte central do quadro compressor.
Os roletes – Os roletes devem girar livremente em torno de seus eixos e alinhados no sistema. Existem dois sistemas de regulagem de roletes: o primeiro é simplesmente um parafuso que funciona como eixo e tensionador; o segundo é uma mola que regula a tensão, ou melhor, a liberdade de giro do rolete. Independente do sistema, com uma simples chave de fenda você consegue regular a tensão, alinhar o rolete. Não deixe de verificar o estado da lubrificação, fazendo-a sempre que necessário.
OBSERVAÇÃO: A lubrificação deve ser feita com cuidado e sem excesso. A quantidade de óleo deve ser suficiente apenas para envolver com uma fina camada as superfícies a serem lubrificadas.
Use óleo de máquina Singer para lubrificar os componentes mecânicos. Para as engrenagens, caixa do conjunto intermitente, etc., use um óleo de maior viscosidade (por exemplo SAE 30).
Os patins – Há entre os debitadores e o tambor de tração, uma folga ideal em relação a seus respectivos patins. Para ajustar essa folga junte dois pedaços de filme um sobre o outro. Carregue este “duplo filme” entre o debitador e o patins. Aperte o patins até não ser mais possível mover o filme. Depois vá diminuindo o parto até sentir que o “duplo filme” começa a ficar livre. Está a folga necessária aos patins.
O burrinho – O burrinho serve para manter constante a distância entre os carvões positivo e negativo. À medida que os carvões vão se gastando, automaticamente o burrinho faz com que o carvão positivo se aproxime, a uma velocidade adequada, do carvão negativo, para manter a distância constante entre os dois pólos.
Caso essa velocidade esteja excessiva ou reduzida, regule-a através do comando (manipulador) situado na parte da lanterna junto ao projetor.

Som
Atualmente uma grande parte dos cinemas do Brasil já possui sistemas de som estéreo que são usados quando se apresentam filmes gravados em DOLBY STEREO.
O bom projecionista deve ser consciente ao posicionar as chaves de controle do som, para filmes em estéreo.
Filmes mono devem ser projetados com as chaves selecionadas para “mono” e somente filmes gravados em estéreo devem ser projetados em “stereo”. Atenção com os “trailers”!
Para identificar de que tipo é a cópia que você tem em mãos, verifique as informações contidas na lata ou no começo da cópia. Alguns filmes que foram originalmente gravados em DOLBY STEREO (inclusive conforme informações dos cartazes) possuem algumas cópias gravadas em mono.
Outro ponto importante diz respeito ao volume sonoro com o qual se projeta a cópia. É frequente encontrarmos casos de cinemas que, independentemente das circunstancias, ou seja, para projeções de filmes diferentes, ou para sessões diferentes (diferentes quantidades de público) projetam sempre com botão de volume na mesma posição. Isto é errado, pois a intensidade do som que chega aos ouvidos do espectador varia com o filme, com a cópia, e, principalmente, com a quantidade de pessoas dentro da sala de projeção em cada sessão.
Sendo assim, aconselhamos ao projecionista regular o botão de volume para um nível confortável, baseando-se a cada sessão nas informações de seus colegas de trabalho (gerente, lanterninha...).
Lembre-se que salas vazias exigem menos volume, e salas cheias exigem mais volume.

Os tipos de lanterna
Em projetores de 35mm ou 70mm são utilizados basicamente dois tipos de fonte de luz: carvão ou lâmpada Xenon.
A carvão.
Este tipo de fonte de luz era muito utilizado antigamente, mas hoje em dia vem sendo gradativamente substituído pelas lâmpadas Xenon. Lanterna a cavão consiste no resultado de uma grande aproximação de dois eletrodos de carvão, que formam um caro elétrico de alta intensidade luminosa.
A Xenon.
É o sistema mais utilizado atualmente, com enormes vantagens práticas e econômicas sobre o carvão, e que consiste em um tubo de quartzo, contendo gás Xenon, a uma pressão em torno de dez atmosferas. Dois eletrodos dentro do tubo, situados a uma curta distância um do outro, irão permitir à lâmpada produzir uma grande quantidade de luz. Para isso, é necessária a ignição da lâmpada, que é feita com a aplicação de um pulso de aproximadamente 30.000V a uma frequência entre 20 e 30 kHz. A duração deste pulso deve estar em torno de 0,5 s (um leve toque do dedo no disparador).
Lanternas a Xenon devem ser dotadas de eficientes meios de circulação de ar, seja por aspiração ou expiração. O fluxo de ar deve passar pelo bulbo da lâmpada.
CUIDADO: Lâmpadas Xenon acesas ou logo depois de apagadas podem atingir pressões internas próximas de 30 atmosferas, sendo muito alto o risco de explosões, seja por variações bruscas de temperatura (“golpes de ar”) ou até mesmo pelo encostar de um dedo no quartzo. Portanto, mantenha sempre a lanterna fechada em qualquer circunstância. No caso de efetuar limpeza ou reparos no interior da lanterna, proteja-se utilizando uma máscara de proteção para o rosto. Mantenha sempre limpa a superfície da lâmpada, principalmente no caso de toque acidental com os dedos. Com cuidado, utilize álcool 96º GL para remover a gordura.
Muito importante
É muito econômico, tanto em termos de duração da lâmpada (vida útil) quanto de consumo de energia elétrica, manter as lâmpadas continuamente acesas enquanto houver sessões. Deve-se manter o sistema de refrigeração das lanternas ligado por aproximadamente mais 10 minutos após a última sessão. Além disso, as lâmpadas devem ser acesas pelo menos 15 minutos antes de se iniciar a primeira sessão, dando tempo de se estabilizar o fluxo luminoso.
Ajuste da lanterna
Para melhor distribuir a luminosidade na tela existem três tipos de regulagens possíveis na lanterna
- ajuste vertical;
- ajuste horizontal;
- foco.
Primeiro regule o foco sem a objetiva. A lâmpada estará no foco quando se obtiver a menor mancha circular preta no centro da tela.
Em seguida regula os ajustes vertical e horizontal até atingir uma distribuição homogênea da luminosidade, ligeiramente mais clara no centro da tela.
A corrente elétrica da lanterna
Podemos dividir as lanternas de projeção em dois tipos: carvão e Xenon.
As lanternas são alimentadas por corrente contínua (CC) fornecida por retificadores, que são aparelhos que convertem a corrente alternada (CA) existente nas tomadas elétricas em corrente contínua.
Geralmente estes aparelhos têm sua entrada alimentada por uma rede CA de três fases, fornecendo na saída uma CC, com baixa tensão (aproximadamente 25V) e alta corrente (em torno de 80A).
Estes retificadores são equipados com medidores de corrente (amperímetros) que dão uma indicação visual da corrente que está alimentando a lanterna.
Observação: No caso mais comum, temos no cinema dois retificadores (um para cada projetor), que eventualmente podem estar alojados na mesma estrutura metálica. Neste caso, existirão dois amperímetros, que podem estar situados no próprio retificador ou nas lanternas.
As lâmpadas Xenon têm uma faixa ideal de corrente de operação, que vai variar com a potência da lâmpada e com o fabricante. Para saber a corrente correta de operação da lâmpada, consulte o manual que a acompanha.
O ajuste da corrente de operação é feito no retificador que, para tal, geralmente possui placas de cobre móveis, que podem ser posicionadas para uma corrente adequada.
Lembramos que este ajuste só deve ser feito quando o retificador já estiver desligado há alguns minutos.
A intensidade de luz é proporcional ao valor da corrente, ou seja, quanto mais corrente, mais luz.
Apoio técnico:
Normas técnicas para cinema. Centro Técnico do Audiovisual/ Embrafilme.
Som
TCE – Transisom Cine Eletrônica Ltda.
Ótica
Cinemateca Brasileira (Sr. João Sócrates).
Optotécnicas (Sr. Hans Geiser)
Mecânica
Centauro – equipamentos de Cinema e Teatro Ltda.
CTV – Comércio e Serviços Ltda.
Laboratório
Líder Cine Laboratórios Ltda.
Curt & Alex Laboratórios Cinematográficos.


Bibliografia:
1 – Projectionist’s Troubleshooting Guide (Kodak Publication, n. 5)
2 – Motion-Picture Projection and Theatre Presentation Manual (Society of Motion Picture and Television Engineers, Inc).
3 – Guia Técnico do Cinematografista. Thiers T. B. Conselho Júnior. (Editora S. Vicente, 1964).

Agradecimentos especiais: Joelson Estevão (Projecionista), Elie Bessos (Transison Cine Eletrônica Ltda), Marcia Bello de Lamata (Datilografia).
Autoria: Marcos Ferreira Martins (Engenheiro Mecânico), Márcio Rubem da S. Meirelles (Engenheiro Eletrônico)
Concepção: Affonso Beato (Superintendente do CTAv).
Produção: Setores de Engenharia e de Treinamento do CTAv.

domingo, 25 de novembro de 2012

Cinematecas mundo afora

Faltou divulgar aqui o blog recentemente criado pelo amigo José Quental, "Cinematecas mundo afora".
Mestre em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense, José Quental é ex-Coordenador de Documentação da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e está vivendo atualmente em Paris, onde tem acompanhado os debates e eventos relacionados à preservação audiovisual. Além de um novo espaço de reflexão e discussão, o seu blog é uma excelente oportunidade de intercâmbio e atualização dos últimos acontecimentos ocorridos na Europa.
Não deixe de visitar o blog: http://cinematecasmundoafora.blogspot.fr/

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

O manifesto de Lindgren: O curador de filmes do futuro

Este é um polêmico manifesto proferido por Paolo Cherchi Usai em 24 de agosto de 2010 que suscitou um intenso debate. Publicado em Journal of Film Preservation, n. 84, abr. 2011.

1 - Restauração não é possível e nem é desejável, independente de seu objetivo ou razão. A obediência a esse princípio é a abordagem mais responsável para a preservação de filmes.
2 - Preservar tudo é uma maldição para a posteridade. A posteridade não ficará grata por uma acumulação desmedida. A posteridade quer que nos façamos escolhas. Logo, é imoral preservar tudo; selecionar é uma virtude.
3 - Se o filme tiversse sido tratado apropriadamente desde o início, haveria muito menos necessidade para sua preservação hoje e os cidadãos teriam acesso à história do cinema que escolhessem.
4 - O fim do filme é uma boa coisa para o cinema, tanto como arte quanto como artefato. Parem de chiar.
5 - Se você trabalha para uma instituição cultural, faça conhecimento com dinheiro. Se você trabalha para a indústria, faça dinheiro com conhecimento. Se você trabalha para você mesmo, faça ambos, desde que seja o certo para você. Decida o que você quer e depois diga. Mas não minta.
6 - Um bom curador nunca reinvindica ser um curador. Curadoria não é sobre o curador. É sobre os outros.
7 - Transformar grãos de prata em pixels não é certo ou errado per se; o problema real com restauração digital é a falsa mensagem de que as imagens em movimento não tem história, sua falsa impressão de eternidade.
8 - Digital é um meio em perigo e a migração é sua doença terminal. O digital precisa ser preservado antes de sua morte.
9 - Nós estamos fazendo imagens constantemente; nós estamos perdendo imagens constantemente, como qualquer corpo humano gerando e destruíndo células no curso de sua vida biológica. Nós não somos conscientes disso, o que é bom e inevitável.
10 - Saber que uma causa é perdida não é uma boa razão para deixar de lutar por ela.
11- Um curador de filmes deve procurar por escolhas necessárias, com o objetivo último de torná-las desnecessárias.
12 - Os governos querem economizar e não dar dinheiro. Ofereça a eles soluções econômicas; logo, explique a eles porque o dinheiro que dão para digitalização em massa é desperdiçado. Dê a eles melhores opções. Tratando com o máximo cuidado o que sobreviveu. Melhor ainda, não fazendo nada. Deixe as imagens em movimento viver e morrer em seus próprios termos.
13 - Honre sua experiência visual e rejeite a noção de "conteúdo". Proteja sua liberdade de visão. Exercite a desobediência civil.
14 - Esteja atento que o mundo não está interessado em preservação de filmes. As pessoas podem e devem ser capazes de viver sem cinema.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

curso Tecnologias do Cinema

Daqui a duas semanas darei um curso de três dias no CineSESC, em São Paulo. Seguem as informações:

Tecnologias do Cinema: Projeção, Restauração e Preservação.

Neste curso, será dada uma noção básica da área técnica do cinema e os aspectos práticos de projeção, preservação e restauro. Também serão tratados temas como tecnologia do som e da cor no cinema, definição dos principais sistemas e suas características, arqueologia do cinema, formatos cinematográficos e velocidade de filmagem. Com Rafael de Luna Freire

Dias: 26, 27 e 28 de novembro de 2012. Segunda a quarta-feira, das 19h30 às 21h30.

Cine SESC
Rua Augusta, 2075
Cerqueira César
São Paulo - SP
cep 01413-000

Inscrições aqui.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

V Seminário "A Preservação da Herança Audiovisual"

V Seminário "A Preservação da Herança Audiovisual" - 2012
Em comemoração ao Dia Mundial da Preservação da Herança Audiovisual

1° dia (29/11) - Segunda-feira
09:30 às 12:00 - Debate sobre formação profissional em preservação audiovisual
Abertura: Jaime Antunes da Silva (diretor-geral do Arquivo Nacional)
Mediador: Marcelo Nogueira de Siqueira (coordenador de Documentos Audiovisuais e Cartográficos do Arquivo Nacional)
Sergio Albite (professor de Arquivologia da Universidade do Rio de Janeiro- UniRio)
Rafael de Luna (professor de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal Fluminense - UFF)
Hernani Heffner (membro da Associação Brasileira de Preservação Audiovisual - ABPA e do Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro)

14:30 às 17:00 - Exibição do filme O homem que virou suco, de João Batista de Andrade
Após a exibição: palestra sobre a restauração dos filmes "O Homem que Virou Suco" e "A Hora da Estrela"
Myrna Brandão - (presidente do Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro - CPCB)
Francisco Moreira - (coordenador do Departamento de Restauração de Matrizes do Labocine)

2º dia (30/11) - Terça-Feira
09:30 às 12:00 - Debate sobre a preservação e a conservação de imagens em movimento
Mediador - Carlos Fabio (especialista da Coordenação de Documentos Audiovisuais e Cartográficos do Arquivo Nacional)
Francisco Moreira (coordenador do Departamento de Restauração de Matrizes do Labocine)
Antonio Laurindo (supervisor da Equipe de Imagens em Movimento da Coordenação de Arquivos Audiovisuais e Cartográficos do Arquivo Nacional)
Carlos Brandão (representante do Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro - CPCB)

14:30 às 17:00 - Exibição do filme A hora da estrela, de Suzana Amaral e Alfredo Oroz
Antes da exibição haverá uma homenagem ao Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro, representado por sua presidente, senhora Myrna Brandão

Serão fornecidos certificados de participação, totalizando 10 horas de atividades.
Data: dias 29 e 30 de outubro de 2012
Local: Arquivo Nacional (auditório principal): Praça da República, 173 - Centro - Rio de Janeiro
Realização: Coordenação-Geral de Processamento e Preservação do Acervo do Arquivo Nacional.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Master Class "O Dilema Digital: Cinema em risco em um mundo digital"

 Dentro da parceria do Festival do Rio com a Escola de Cinema Darcy Ribeiro, acontece nesta quarta-feira, dia 3 de outubro, às 15h, no andar térreo da ECDR a Master Class O DILEMA DIGITAL: CINEMA EM RISCO EM UM MUNDO DIGITAL.  
           A aula será ministrada pelos senhores Milt Shefter e Andy Maltz, membros da Academy of Motion Picture Arts and Sciences.
          A aula, gratuita e aberta ao público, será proferida em inglês com tradução simultânea.
 
 
O DILEMA DIGITAL: CINEMA EM RISCO EM UM MUNDO DIGITAL
Quarta-feira,  de outubro, às 15h
ESCOLA DE CINEMA DARCY RIBEIRO
Rua da Alfândega, n° 5, Centro
 
Organizado por Milt Shefter (membro da Academy of Motion Picture Arts and Sciences e Lider do Digital Motion Picture Archive Project) e Andy Maltz (Diretor da Academy of Motion Picture Arts and Sciences’ Science and Technology Council)
 
No ano de 2007, a Academy of Motion Picture Arts and Sciences produziu um importante estudo sobre questões de preservação do cinema digital, O Dilema Digital, relatado sob a perspectiva dos grandes estúdios e das grandes organizações comerciais e governamentais.
Um novo estudo sobre o tema, O Dilema Digital 2, foi realizado sob a perspectiva dos realizadores independentes, documentaristas e centros de arquivos audiovisuais sem fins lucrativos. Realizadores independentes produzem 75 por cento dos lançamentos cinematográficos nos Estados Unidos, e existem mais de 1.000 centros de arquivos sem fins lucrativos em todo o mundo. Frequentemente estes grupos sofrem com a falta de recursos, de pessoal e de fundos que garantam a sustentabilidade, o que os leva a enfrentar suas próprias versões do dilema digital. A Academia vai discutir os resultados do relatório, o que inclui a proposição de opções provisórias a serem consideradas pelos realizadores independentes e arquivos sem fins lucrativos. A sessão será concluída com um painel de discussão organizado pela Cinemateca Brasileira, Academia parceira que está traduzindo o Dilema Digital e o Dilema Digital 2 para o português.
 
            
Atenciosamente,
 
Irene Ferraz
Diretora
 
Instituto Brasileiro de Audiovisual
Escola de Cinema Darcy Ribeiro
Rua da Alfândega, n°05, Centro
Rio de Janeiro, RJ
Tel: (21) 2516-3514 / 2516-3527
 

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Curso sobre preservação de documentos arquivísticos digitais

A Fundação Casa de Rui Barbosa promove, no dia 10 de outubro, das 9 às 17 horas, o curso sobre preservação de documentos aquivísticos digitais.
Ministrado pela pesquisadora Claudia Lacombe Rocha, o curso tem como objetivo disseminar
conhecimentos básicos sobre preservação digital para arquivistas e outros profissionais responsáveis pela produção e manutenção de documentos digitais. 
Serão abordados a anatomia do objeto digital, os conceitos básicos e as principais estratégias de preservação digital e recomendações básicas e plano de preservação digital.
A participação é gratuita e o telefone para informações e inscrições é 21 3289-4670/ 4671. Será concedido certificado aos participantes.
Sobre a professora:
Graduação em História, mestrado em informática e especialista em documentos digitais. Presidente da Câmara Técnica de Documentos Eletrônicos/CTDE e do Conselho Nacional de Arquivos/Conarq.  Coordenadora no Brasil do Projeto InterPARES de preservação de documentos arquivísticos digitais autênticos. 
 
 

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

A origem dos filmes: introdução sobre os conceitos de obra, material e cópia no universo das imagens em movimento.


Este é um texto que escrevi em 2009 para a revista virtual "Projeções", que aparece aqui numa versão revista.


A origem dos filmes: introdução sobre os conceitos de obra, material e cópia no universo das imagens em movimento.
 
por Rafael de Luna Freire (rafaeldeluna@hotmail.com)

Em seu livro sobre a história dos arquivos de filmes e da preservação audiovisual, Penelope Houston – por décadas a editora-chefe da revista inglesa Sight and Sound – relatou o episódio em que um experiente crítico, sentado numa sala de cinema ao seu lado, certa vez divagou sobre de onde vinha aquela luz que atingia a tela no momento de projeção dos filmes. [1]
Esse “causo” servia apenas para ilustrar o argumento da autora de que mesmo pessoas que estudam, pesquisam, conhecem, amam e estão bastante familiarizadas com a experiência cinematográfica podem revelar uma completa ignorância sobre tudo que está “por trás” dos filmes na tela. De modo mais simples, sob a forma de uma pergunta que pode se assemelhar ao inevitável questionamento das crianças sobre a origem dos bebês, trata-se de perguntar de onde vem os filmes, afinal?
Quantos de nós já fizemos essa pergunta? E quais seriam as respostas que nós ouviríamos a essa questão? Uma delas seria que por trás e na própria tela o que temos é simplesmente o filme. Essa resposta assume como certo o fato de que qualquer espectador em uma sala de cinema – como também em frente à TV ou ao monitor em sua casa – tem acesso direto à obra, e ponto final. Este artigo tem como objetivo relativizar essa questão e demonstrar como muitas vezes uma determinada cópia que assistimos não corresponde exatamente à obra (o filme) tal como ela foi concebida, podendo nossa visão ser infuenciada por diversas questões relativas à origem e qualidade desse material, assim como problemas em sua forma de acesso. Indo ainda mais longe, pretendemos inicialmente problematizar o que seria a própria obra audiovisual.

O original no cinema – conceito de obra e materiais

De início, devemos assinalar que o cinema não é uma arte tradicional como “as outras seis” e que, tomando as artes plásticas como exemplo, possuem a aura da “obra de arte”, do objeto único e original. [2]
Podemos dizer que todos nós já vimos muitas vezes a imagem da famosa pintura Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, mas até hoje milhares de turistas vão diariamente ao Museu do Louvre, em Paris, para ver esse quadro, para ter uma visão direta do original da obra, ainda que (ou justamente porque) já a conheçam muito bem através de reproduções em livros, jornais e revistas, assim como de sua visão no cinema, televisão e internet. O motivo para tal é o fato de que ali está a verdadeira e única Mona Lisa, ao alcance dos nossos olhos sem nenhum tipo de intermediação ou interferência entre nós e as pinceladas dadas pelo mestre renascentista há mais de cinco séculos atrás. Muitos visitantes tiram fotos ao lado do quadro para levarem como lembrança o momento em que estiveram diante daquela obra singular e inimitável. 
O cinema, por outro lado, com seu estatuto inevitavelmente ambíguo de arte e indústria, sustenta-se num princípio de reproduções, tendo talvez um parentesco mais próximo com a técnica da gravura, responsável por popularizar a circulação de imagens ao final da Idade Média ao permitir reproduções mecânicas, rápidas e baratas. 
Desse modo, podemos começar perguntando o que é o original de um filme. No caso de uma realização em película cinematográfica – que, mesmo com o advento do vídeo e da tecnologia digital, ainda é o suporte mais frequente do que entendemos genericamente como cinema – seria o negativo utilizado na câmera? Para começar, ninguém assiste a um negativo (com as cores ou o preto-e-branco invertido) e o acesso à obra tal como ela foi concebida já deve ser dar necessariamente a partir de uma primeira reprodução, do filme negativo para o positivo, com a criação de um novo material que, este sim, poderá ser visto e apreciado. Além disso, na quase total maioria dos casos, o chamado “negativo de câmera”, mesmo já montado e editado – momento no qual grande parte dos planos será descartada e apenas uma parte aproveitada –, ainda não é a obra final. Este negativo ainda receberá marcações de luz, trucagens óticas, além de, hoje em dia, uma infinidade de efeitos digitais (incluindo até a total inserção de personagens e cenários) que diferenciarão ainda mais o novo produto final (intermediado digitalmente ou não) do que foi sensibilizado originalmente através da câmera. Entretanto, ao término do processo moderno de “finalização”, chega-se a um material chamado justamente de intermediário (no caso da película, um interpositivo) que será utilizado para dar origem às cópias que serão vistas no cinema.
Assim, o melhor elemento para preservar uma obra são aqueles que deram origem à cópia, os materiais intermediários, e que, mesmo não podendo ser acessados diretamente, poderão dar origem a novas cópias com a mesma qualidade, ainda que as “cópias de exibição” sejam fundamentais, no mínimo, como referência. [3]
Dito desta forma, parece tudo muito simples: o material intermediário (digital ou não)  feito a partir do negativo de câmera dá origem às cópias e, preservando todos esses elementos, temos a obra cinematográfica salva e acessível. Obviamente, o mundo real é bem mais complicado. Afinal, nem todas as cópias de um filme são iguais e nem todos os elementos da obra estão sempre e igualmente presentes em todos os seus materiais. E o pior: nem sempre são preservados ou sobrevivem todos os materiais envolvidos na criação de uma obra. A película cinematográfica – o vídeo e o digital então, sem se fala – revelaram ser suportes bem mais frágeis do que a tela e as tintas usadas por Da Vinci.
Desse modo, é importante citarmos uma das “regras” assinaladas por Paolo Cherchi Usai, de que o “original” de um filme é um objeto múltiplo, fragmentado em diferentes entidades iguais ao números de materiais sobreviventes. [4] Ao contrário da pintura, em que a obra equivale a um único objeto (a Mona Lisa é o quadro que está no Louvre), no cinema a obra existe em um conjunto de diferentes materiais.
A citação de Usai é justificadamente tirada de seu livro sobre o cinema silencioso, período em que as diferenças entre os materiais eram mais agudas. A história do cinema também tem sido a trajetória do crescente controle dos realizadores sobre a padronização das cópias que são exibidas de suas obras. A conversão da indústria para o cinema sonoro, no final da década de 1920, é um exemplo claro disso. Se antes as músicas, narrações e sonoplastia ficavam a cargo de cada sala de cinema [5] - que podia optar, inclusive, pelo silêncio –, com a sonorização mecânica e sincronizada por discos e depois pelo processo ótico (com o som impresso fotograficamente na própria película, junto com as imagens) todas as salas passaram a supostamente reproduzir exatamente o mesmo som que fora gravado para o filme. Num futuro bem próximo, com a transmissão via satélite dos filmes em arquivos digitais diretamente para a sala de cinema, esse processo chegará ao seu apogeu.
Ainda assim, não se pode supor a unicidade de algo tão complexo como o cinema. Ao ousadamente propor pensar o “cinema como evento”, Rick Altman ressaltou, entre outras características, sua “multiplicidade”, “heterogeneidade” e seu caráter mais distante das artes plásticas do que das artes performáticas. Se a “a apresentação padronizada nunca foi alcançada” (um mesmo filme sempre tem diferenças entre as cópias, os suportes e as formas em que ele é visto por diferentes plateias), cada exibição é única e irreprodutível.
Assim, podemos pensar talvez que o original de uma obra cinematográfica não é o objeto físico (o rolo de filme), mas o que é visto na tela. Ou seja, o espetáculo de imagens e sons produzidos através de luzes, sombras, impulsos elétricos e vibrações no ar? Giovana Fossati fala da diferenciação do cinema como “artefato material” e “artefato conceitual”, no que precisa ser preservado não apenas um objeto concreto, mas um “dispositivo”. Assim, a restauração seria sempre e unicamente uma simulação.[6]
Nos primeiros trinta anos da história do cinema, a situação era talvez ainda mais radical. Os primeiros processos de colorização, como a pintura manual ou a viragem e tintagem [7], se davam somente nas cópias e geravam cópias diferentes umas das outras. Por serem processos custosos, alguns filmes eram lançados em cópias coloridas e outras em preto-e-branco. Outras vezes cópias do mesmo filme podiam trazer ainda mais diferenças, inclusive de enquadramento. Os primeiros negativos não suportavam que fossem feitos números tão elevados de cópias antes de se danificarem (não existindo ainda os materiais intermerdiários) e, desse modo, nos anos 1920, diversas produções eram filmadas simultaneamente com duas câmeras, dando origem a dois negativos ligeiramente diferentes, sendo um deles geralmente destinado à exploração comercial no exterior [8]
Cópias de primeira geração (como as tiradas diretamente do negativo) tem uma qualidade maior e, até hoje, são feitas em ocasiões especiais, como na sessão de estréia de um filme ou em exibições em Festivais de Cinema.
Para citar outro exemplo, mais próximo de nosso contexto, durante a ditadura militar no Brasil a censura frequentemente exigia cortes de determinadas cenas nas cópias que seriam exibidas nas salas de cinema e, somente em casos extremos, eram feitos cortes no próprio negativo. Assim, podem existir cópias de um longa-metragem sem cortes (respeitando a integridade da obra conforme criada pelos seus realizadores) e outras com tais cortes (com uma informação essencial sobre a forma no qual o filme foi visto pelas platéias na época de sua exibição), diferenças fundamentais na ausência, nem um pouco rara, dos negativos dos filmes. [9]
Hoje existe um consenso de que quando se realiza a restauração de um filme, o objetivo geralmente é criar um novo material o mais próximo possível à forma no qual o filme foi visto originalmente em seu lançamento. O primeiro e mais importante passo nesse processo é justamente a localização e verificação do estado de todos os materiais existentes dessa obra que possam auxiliar na criação de uma versão de como essa obra existiu e foi apreciada em determinada época.
Ou seja, a visão que temos da obra vai sempre depender da cópia que assistimos ou do material que lhe deu origem, sendo este um universo que comporta inúmeras diferenças (clássicos como Metropolis, de Fritz Lang, ou Encouraçado Potenkim, de Serguei Eisenstein, foram exibidos em versões diferentes em vários países ao longo dos anos). Mesmo falando apenas de longas-metragens de ficção – a parcela reduzida e mais óbvia do que entendemos como cinema – muitas vezes o que assistimos é uma dentre várias versões possíveis da mesma obras. Não é nem um pouco raro que as cópias as quais temos acesso representem apenas uma pálida e incompleta versão do do que teria sido a obra em dado momento. Assim,  o historiador – ou o crítico mais comprometido – deveria sempre, ao escrever e analisar as caracterísicas textuais de uma obra cinematográfica, apontar qual foi a cópia que teve a oportunidade de assistir. Além disso, as origens de uma cópia são as mais diversas e atribuladas.

Que cópia é essa?
Nem sempre, ou raramente, todos ou os melhores materiais da maioria dos filmes realizados até os anos 1940 e 1950 foram preservados, o que inevitavelmente afeta as cópias hoje disponíveis deles. O cinema era encarado mais ou menos como o comércio de gelo [10]  – a exploração do lucro imediato de um produto efêmero – e um filme antigo era quase tão desprezado como o jornal do dia anterior. Sob uma visão industrial, a ampla consciência de que uma obra cinematográfica poderia continuar gerando dividendos após esgotada sua carreira comercial inicial nas salas de cinema se consolidaria apenas com o surgimento da televisão, sendo reforçada posteriormente com os lucros advindos da venda dos direitos para o mercado de vídeo doméstico e TV à cabo nos anos 1970. O caso da televisão – que, em termos de preservação de seus produtos repetiu os mesmos erros do cinema – também não é muito distinto, pois a Rede Globo, por exemplo, só atentou para a necessidade de preservar todos os capítulos de uma novela (antes guardava apenas os primeiros, alguns do meio e os finais, apagando o resto) quando passou a comercializá-las para redes estrangeiras, nos anos 1980. Hoje, com as inúmeras janelas de exibição – DVD, blu-ray, internet, celular – a noção de que um acervo representa um ativo comercial já está mais do que disseminada, ao lado de uma consciência de viés cultural igualmente mais difundida que defende a necessidade de preservação do que passou a ser encarado como o patrimônio audiovisual. [11]
Os materiais que sobreviveram dos filmes de ontem são responsáveis pela visão e audição que temos – ou não – das obras hoje. Praticamente nada sobreviveu dos primeiros dez anos de filmagens realizadas no Brasil e muito do que ainda vêmos do cinema silencioso brasileiro são fragmentos, copiões, cópias incompletas ou muito danificadas. A associação entre filmes antigos e filmes riscados, sujos e tremeluzentes é baseada no geralmente precário estado físico dos materiais que chegaram aos dias de hoje, criando uma concepção equivocada sobre a qualidade, por exemplo, fotográfica dessas obras. [12] A noção de um cinema antigo exclusivamente preto-e-branco também se consolidou devido à perda das muitas cópias coloridas que circulavam amplamente e a rara exibição das que ainda existem. Num outro caso mais próximo, várias chanchadas brasileiras dos anos 1940 e 1950 só sobreviveram em cópias muito danificadas. Desse modo, devido à perda de seus negativos, os novos materiais que podem ser feitos hoje dessas obras apresentam sempre graves defeitos no som e imagem que não existiam originalmente, ampliando um antigo preconceito a respeito da qualidade técnica destes filmes.
Esses equívocos também estão ligados não somente aos materiais que sobreviveram, mas também à forma como eles são disponibilizados e vistos. Muitas pessoas tem a impressão de que nos filmes silenciosos tudo era acelerado. As pessoas não andavam, mas pareciam correr! Obviamente que os filmes não eram assim, mas isso se deve à uma exibição incorreta deles hoje, sobretudo quando popularizados através da televisão ou vídeo. A velocidade padrão das câmeras e projetores durante o cinema silencioso variava muito, de 16 a 24 quadros por segundo, mas com o advento do som, a velocidade se estabeleceu definitivamente em 24 quadros por segundo. Ao exibirem esses materiais numa velocidade diferente da qual eles foram concebidos, o público associa à obra uma característica decorrente da incorreta exibição daquele material.
O mesmo ocorre com filmes exibidos na televisão em formatos diferentes daqueles para os quais foram criados. Filmes feitos em formatos panorâmicos (ou seja, “retangulares”, como 1,85:1, ou o scope tradicional, 2,35:1) são mutilados para serem exibidos na TV, seja a convencional (1,33:1 ou 4x3), ou as digitais e ditas wide-screen (16x19 ou 1,78:1) e até mesmo para serem lançados em DVD. Na televisão, através do simples corte lateral da imagem ou do panning (criando um movimento panorâmico no que antes era um plano estático), subjuga-se a imagem ao meio, mas sempre buscando tornar invisível ou imperceptível essa alteração. Para voltar à analogia com a pintura, corta-se o quadro para adaptá-lo à moldura. Alterações no formato continuam sendo frequentes nas salas de cinema (em muitos casos, a visão do boom  - o microfone – nos filmes está mais associado a erros no formato de projeção do que dos filmes), e tem alimentado um recente debate dos críticos brasileiros a respeito das imperfeições e da baixa qualidade do padrão de projeção digital que está se impondo no Brasil. [13]
Ainda é importante tocar num outro aspecto, que é o suporte do material. Os arquivistas audiovisuais (além dos cinéfilos frequentemente acusados de purismo) defendem sempre a conservação e também, quando possível, o acesso a uma obra no suporte original no qual ela foi concebida. Ou seja, um filme realizado em película 35 mm deve ser preservado nessa suporte e bitola e sua visão deveria se dar num material nessas mesmas especificações. Por diversas questões, inclusive de custos, muitos filmes sobreviveram apenas em bitolas 16 mm, resultando na qualidade inferior dos materiais que podem ser criados – e consequentemente vistos – a partir deles
Essa questão tem vários complicadores, pois muitas vezes os suportes tem sua produção descontinuada. Até 1950, o cinema utilizava como suporte películas de nitrato de celulose – que tinham um brilho e transparência excepcionais, mas que eram quimicamente instáveis e, se mantidas em condições inadequadas, eram perigosamente inflamáveis. Com o desenvolvimento do triacetato de celulose (ou simplesmente acetato), o nitrato deixou de ser fabricado. Desse modo, não só pelos risco de incêndio, mas por quase sempre tratar-se de materiais de primeiras gerações e, por isso, destinados à preservação, hoje praticamente não se exibe mais cópias em nitrato, não sendo possível também fabricar novas cópias nesse suporte.
Entretanto, a diferença entre o nitrato e o acetato é muito menos acentuada do que entre a película cinematográfica e formatos eletrônicos ou digitais. Há sempre uma perda envolvida ou, pelo menos, uma diferença significativa, mesmo quando falamos de arquivos digitais de alta qualidade (como os que obedecem o padrão DCI).[14]
Porém, a indústria segue em sua “renovação” tecnológica e hoje já se prevê um futuro em que a produção da própria película cinematográfica será descontinuada – seguindo o que aconteceu com a fotografia still, substituida quase totalmente pela fotografia digital. Diante desse panorama, há quem avente a possibilidade de num cenário futuro em que, com o fim da fabricação de filme virgem e dos laboratórios e não sendo mais possível fazer novas cópias em película cinematográfica, todos esses materiais nesse suporte venham a se tornar objetos raros. Nesse sentido, uma boa cópia 35mm de um clássico do cinema – um objeto não mais possível de ser reproduzido ou recriado – passaria a ser cercada dos mesmos cuidados com que se trata um quadro de um mestre da pintura, como a Mona Lisa.

A dependência tecnológica
Diferentemente de um quadro ou escultura, por exemplo, qualquer material audiovisual necessita de uma mediação tecnologica para que a obra possa ser desfrutada por qualquer pessoa. Mesmo que seja possível observar as imagens fotográficas de cada fotograma de uma película cinematográfica a olho nu, a ilusão de movimento, a representação visual ampliada para a qual as imagens foram pensadas, além da própria audição do som, só podem ser alcançadas quando a obra passa por uma máquina como o projetor cinematográfico. De forma mais acentuada ainda, isso também se dá com as fitas magnéticas ou os discos óticos, em que nem essa “pista” é possível. Não é o caso da Mona Lisa de Da Vinci, voltando ao nosso exemplo anterior, que qualquer pessoa pode vê-la no Louvre, ou, caso ela seja emprestada a outro museu, em qualquer outro lugar. O “acesso ao conteúdo” da pintura é imediato, automático.
 Já os materiais e, consequentemente, uma obra audiovisual só é desfrutada através de uma mediação mecânica. A inexistência desse equipamento – devido à sua obsolescência tecnológica e à descontinuidade de sua fabricação industrial – torna um material “inassistível” e, logo, compromete o próprio acesso e, assim, a existência, dessa obra. Um exemplo são filmes realizados em bitolas (termo que se refere à largura da película) diferentes da que viria a se tornar o padrão da indústria (como o 28 mm) ou se tornariam obsoletas (como o 9,5 mm), ou com tipos de perfurações distintas dos padrões (os filmes dos irmãos Lumière, por exemplo, possuíam duas perfurações redondas por fotograma). Nesses casos, a obra só pode ser recuperada através da contínua duplicação deste material para outro formato ou suporte coerentes com os padrões correntes da indústria. No caso do vídeo e dos inúmeros suportes utilizados nas primeiras décadas da televisão (fitas de 1 polegada, 2 polegadas, U-matic, entre muitas outras) a manutenção da operacionalidade dos aparelhos é ainda mais complicada. A inevitável migração das fitas VHS – cujos players deixaram de ser fabricados no país há poucos anos – é um exemplo ainda mais próximo desse processo.
Por isso, a questão da obsolescência tecnológica é essencial tanto  em relação à fabricação dos suportes, como também aos aparelhos específicos que permitem o acesso ou reprodução de determinados materiais. Enquanto no caso das artes plásticas é necessário apenas se preocupar com a preservação do objeto (que equivale à obra, como vimos), no cinema é necessário também manter o equipamento necessário à sua visão, ou, pelo menos, recriar (ou emular) aparelhos que permitam a sua duplicação para os padrões atuais.
Se não há nada que atrapalhe diferentes pessoas verem da mesma forma a Mona Lisa, no caso do cinema essa mediação pode fazer com que um mesmo material seja visto de formas distintas. Aqui nos referimos, por exemplo, a erros de projeção das cópias, que podem afetar o som, o foco, a luminosidade, o enquadramento, enfim, quase tudo relacionado ao que vemos na tela. Ou seja, mesmo quando você possui uma boa cópia de um filme (uma cópia nova, processada com qualidade e a partir de um material em igualmente bom estado e de uma geração inicial), seu acesso à obra pode ser comprometido por essa mediação, por interferências não relacionadas à integridade do material.
Infelizmente, no Brasil temos graves problemas nos dois campos. Por um lado, há uma despreocupação cada vez maior em que se projetar cópias de boa qualidade e em seus formatos originais, exibindo com assustadora frequencia filmes em cópias em DVD de baixa qualidade, por facilidade e economia, mesmo em Cinematecas, Centros Culturais e em mostras e festivais que deveriam ser mais rigorosos nesses quesitos. Por outro lado, mesmo quando se dispõe de boas cópias e nos suportes originais, a projeção da quase totalidade das salas de cinema está longe de um padrão mínimo que permita ao espectador usufruir de toda a potencialidade da obra expressa naquele material.
Entretanto, sabendo mais sobre o que está sendo projetado e como está sendo projetado, colocando em questão uma equivalência automática entre obra e material, indagando sobre a origem e o estado das cópias exibidas, estaremos fazendo justiça ao nosso interesse e paixão pelo cinema, tornando-nos mais exigentes sobre como essas obras nos estão sendo apresentadas para melhor desfrutarmos delas.





1 - HUSTON, Penelope. Keepers of the frame: the film archives. Londres: BFI, 1994.
2 - No manifesto de Ricciotto Canudo que consagrou a expressão “sétima arte” o cinema era visto como o apogeu e síntese de todas as artes anteriores. Cf. XAVIER, Ismail. Sétima arte: um culto moderno. São Paulo: Perspectiva, 1978.
3 - Aqui deve ser citado o conceito de “geração”, que se refere à cada passagem da criação de um novo material positivo a partir de um negativo (ou vice-versa), em que há inevitavelmente perda de qualidade em qualquer suporte cinematográfico ou eletrônico. Como para uma cópia dar origem a outra cópia são necessárias pelo menos duas gerações, os materiais mais próximos às primeiras gerações (ou seja, aos negativos originais ou aos materiais intermediários que deram origem à primeira geração de cópias) tem melhor qualidade e seriam os mais apropriados para serem preservados. Uma grande vantagem da tecnologia digital em relação aos processos analógicos é ausência de qualquer tipo de perda na feitura de cópias.
4 - USAI, Paolo Cherchi. Silent cinema: an introduction. Londres: BFI, 2000, p. 160.
5 - Um caso exemplar é o dos filmes cantantes brasileiros, filão explorado no Rio de Janeiro na primeira década do século XX em que cantores posicionados atrás das telas “dublavam”, ao vivo, os filmes exibidos, geralmente filmagens de operetas populares. Embora tenham sido realizados filmes cantantes brasileiros, esse processo também foi colocado em prática acompanhando a exibição de filmes estrangeiros. Sobre os cantantes, cf. Fernando Morais da Costa. O Som no cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Sette letras, 2008.
6- FOSSATI, Giovanna. From Grain to Pixel: The Archival Life of Film in Transition. Amsterdam: Amsterdam University Press, 2009.
7 - Mara uma explicação sumária, ilustrada e em português sobre esses processos, cf. COELHO, Fernanda. Manual de manuseio de películas cinematográficas. São Paulo: Cinemateca Brasileira, 2001.
8 - Cf GARCIA, Alfonso del Amo. Clasificar para preservar. Cidade do México: Cineteca Nacional, 2006.
9 -  Filmes brasileiros os mais diferentes – incluindo os do Cinema Novo, do Cinema Marginal ou da Boca do Lixo – quase sempre eram feitos com poucos recursos e raramente custeavam a feitura de um material intermediário. Nesse caso, todas as cópias eram feitas diretamente do negativo original montado, resultando frequentemente no comprometimento desse material e no consequente paradoxo de que, quanto mais popular o filme fosse (e mais cópias fossem feitas), mais prováveis eram as chances de seus melhores materiais se degradarem pelo excesso de uso.
10 - Analogia citada por Tom Gunning em “Cinema e História”. In: XAVIER, Ismail. Cinema no século. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
11 -  Um passo fundamental nesse sentido foi a Recomendação para a salvaguarda e preservação das imagens em movimento, adotada pela UNESCO, em 27 de outubro de 1980, data em que passou a se comemorar o dia mundial da herança do audiovisual.
12 - Cf. JEAVONS, Clyde. Imagens em movimento: tema ou objeto. Journal of Film Preservation, Bruxelas,  n. 73, 2007. Disponível no blog.

13 - A partir de discussões em listas da internet, um grupo de críticos escreveu e divulgou, em outubro de 2009, uma “Carta aberta aos responsáveis pela projeção digital no Brasil”, acompanhado de uma lista de assinaturas.
14 - Sobre o padrão DCI, cf. WALSH, David. Uma revisão do cinema digital. NFSA Journal, Camberra, v.2, n.1, 2007. Disponível no blog.