terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Uma revisão do cinema digital - parte 2/2

Uma revisão do cinema digital - parte 2/2 por David Walsh
tradução de Rafael de Luna

continuação...

O padrão DCI tem sido desenvolvido ao longo de três anos e embora seja um marco importante na distribuição de filmes produzidos por Hollywood, outras partes do mundo têm seguido direções diferentes baseadas no que é atualmente conhecido como E-cinema. Isso tem tido bons resultados comerciais na China, embora o mercado chinês pareça divido entre instalações de 2K e 1,4K. Existem também significativas instalações de E-cinema em todas as partes do mundo; por exemplo, o projeto CinemaNet Europe que eu discutirei depois.

Então, por que o E-cinema conquistou um nicho significativo apesar de sua baixa qualidade, e por que as pessoas não estão aguardando o padrão DCI para depois implementá-lo? Vamos examinar essa questão na Índia, onde o E-cinema representou um passo adiante em comparação com os modelos de distribuição e exibição de película existentes e onde a questão econômica é forte. Há uma relativamente baixa dependência de Hollywood em relação ao conteúdo na Índia, uma vez que a indústria cinematográfica local produz mais de 800 longas-metragens por ano abrangendo um grande número de locais e linguagens. É muito mais do que apenas a indústria de filmes falados em hindi localizada em Bombai – a chamada Bollywood – que a maioria das pessoas conhece no Ocidente. Um lançamento padrão de um filme Indiano envolve de 200 a 300 cópias; a primeira onda de distribuição foca nos mercados das grandes metrópoles e nas maiores cidades regionais. A pirataria é comum na Índia e na hora em que um lançamento chega às áreas rurais, a maior parte do público já viu o filme em um dos videoclubes locais especializados em projetar filmes pirateados. Além disso, as cópias já estão usadas e riscadas quando chegam aos cinemas dos vilarejos. Esse fato, combinado com a baixa qualidade do equipamento de projeção nas áreas rurais, leva freqüentemente a uma experiência cinemática de baixo nível de qualidade.

É importante notar que até o momento, e em contraste com o padrão DCI, todas as instalações de E-cinema usam o padrão de compressão MPEG para a criação de arquivos digitais. Na maioria das vezes, é o MPEG 2 com arquivos encodados em muito altos níveis de bit (geralmente na proximidade de 80 megabits por segundo para alcançar uma qualidade adequada à projeção em cinema), porém mais recentemente nós vimos a emergência do MPEG 4 AVC (H.264) [1], como uma alternativa viável para encodar e apresentar E-cinema [2]. A vantagem do MPEG 4 AVC (H.264) é que resultados de boa qualidade podem ser alcançados com arquivos muito menores do que pode ser alcançado ao se usar o MPEG 2, o que altera a equação de custos dos vários métodos de distribuição (nesse caso, satélites e links de dados se tornam opções atraentes).
A outra grande vantagem de usar um "encondamento" padrão MPEG é por se tratar de uma tecnologia madura – os padrões são amplamente utilizados, bem compreendidos, e há um grande número de opções de equipamentos disponíveis por preços acessíveis [3]. Em relação à segurança, é razoável dizer que a maior parte das instalações de E-Cinema garantem um bom nível de segurança à exibição e distribuição, mas não com o rigor exigido pelo padrão DCI e, logo, o custo do regime de segurança é quase certamente menor com o E-Cinema.
Produtores indianos estão bastante satisfeitos em ter seus filmes projetados digitalmente com resolução de 1.4K. Eles também estão satisfeitos com a qualidade do "encodamento" MPEG 2 (e mais recentemente MPEG 4). O E-Cinema proporciona um meio pelo qual um filme novo pode ter uma estratégia de lançamento maior do que ocorre com a atual distribuição cinematográfica (especialmente se a distribuição via satélite for utilizada). Esse é um benefício de marketing óbvio, mas também pode ajudar a reduzir o impacto da pirataria nas vendas, uma vez que o conteúdo pode ser visto nas áreas rurais muito antes do que seria o caso no modelo de distribuição de filmes tradicional. Também se deve notar que um filme projetado digitalmente em resolução de 1.4K representa uma experiência espectatorial muito melhor para pessoas acostumadas às cópias muito gastas, e embora as imagens projetadas possam não ter a nitidez de um resolução 2K, as imagens em 1.4K ainda são muito melhores do que o que o público está acostumado. O argumento econômico é forte também, uma vez que o custo de um projetor 1.4K é muito menor do que o preço médio dos projetores 2K.

O futuro dos equipamentos em conformidade com o DCI e baseados em resolução 2K está começando agora a reunir algum impulso, com o número de anúncios de instalações começando a crescer. No final de 2005, a Sony começou a produção do primeiro projetor cinematográfico digital 4K do mundo. O apoio ao padrão JPEG 200 adotado pelo DCI está crescendo conforme os fabricantes lançam equipamentos de "encodamento" e servidores de cinema digital capazes de criar e tocar conteúdo formatado em JPEG 2000.

Entretanto, apesar da moda, há um grande nível de resistência da parte dos exibidores em relação à instalação dos equipamentos em conformidade com o DCI. Hoje, uma típica instalação de um cinema DCI (projetor, servidor e equipamentos acessórios) custará no máximo A$ 150,000. Este é três a quatro vezes o valor de um projetor 35 mm (sem falar nos custos de atualização, o que não é necessário para projetores 35 mm).

Por outro lado, uma instalação de E-Cinema 1,4K (projetor, servidor e equipamentos acessórios) pode ser adquirida por algo em torno de A$60,000. Além disso, há outros custos operacionais mais altos [4] e a previsão de que em cinco anos o equipamento digital estará obsoleta e precisará ser substituído. Trocar seu hardware a cada cinco anos é uma prática padrão na indústria de TI (Tecnologia da Informação), onde computadores pessoais e servidores são considerados obsoletos após esse período de tempo. Isso se deve em parte ao risco crescente de uma falha do hardware e em parte à inabilidade do hardware de suportar programas contemporâneos. O cinema digital é essencialmente um sistema de computação – por que alguém esperaria que fosse diferente de qualquer outro sistema de computação? Se nós quisermos aceitar essa premissa, devemos encarar o desafio de conseguir o retorno dos altos custos de um equipamento em conformidade com o DCI num ciclo de vida de cinco anos [5]. É desnecessário dizer que muitas pessoas tem lutado contra esse argumento e inevitavelmente a resposta que eles sugerem é colher os frutos do cinema digital hoje através do E-cinema, com seus custos muito mais baixos de aquisição.

O que é o cinema digital usado hoje?

O baixo custo de distribuição e exibição, junto com a flexibilidade do cinema digital, garante uma oportunidade para aumentar o leque de obras cinemáticas disponíveis para o público. Em todo o mundo, a questão tem sido colocada: o cinema digital pode ser usado para dar a filmes especializados com um público alvo menor maiores oportunidades para que eles atinjam suas platéias? Vamos ver dois exemplos com abordagens contastantes. O CinemaNet Europe (anteriormente conhecido como EuroDocuZone) construiu uma rede que tinha originalmente o objetivo de garantir distribuição para filmes documentários, mas agora mostra um leque mais amplo de obras especializadas para platéias que, de outra maneira, não teriam a oportunidade de assistir a esses filmes em um cinema. A rede foi lançada em 2004 e agora abrange 180 cinemas em oito países: Áustria, Bélgica, França, Alemanha, Holanda, Espanha, Eslováquia e Reino Unido. O padrão de projeção é resolução de 1.4K, primordialmente porque com os fundos disponíveis isso permite muito mais instalações do que se 2K tivesse sido adotado como padrão. Além disso, sua experiência tem sido que o público é freqüentemente incapaz de distinguir projeções 1.K4K e 2K. De fato, em salas de cinemas pequenas os projetores 2K foram considerados muito brilhantes.

Ano passado, uma alternativa à abordagem utilizada pela CinemaNet Europe foi lançada pelo UK Film Council. Usando os fundos da loteria nacional, o conselho deu o pontapé inicial para o seu projeto Digital Screen Network, uma rede envolvendo mais de 200 cinemas ao redor do Reino Unido, com um custo de aproximadamente 13 milhões de libras. O conselho contratou a Arts Alliance Media Limited para instalar projetores 2K e servidores de cinema com capacidade para JPEG 2000 – em outras palavras, uma solução em conformidade com o DCI, embora inicialmente e até que o JPEG 2000 atinja maturidade no mercado, o "encodamento" e transmissão do cinema digital será feito usando QPE (Qualitiy Priority Enconding). A razão principal para o UK Film Council estabelecer os projetores 2K no lançamento de seus cinemas digitais é garantir que as salas participantes serão capazes de projetar conteúdo digital de Hollywood quando ele se tornar disponível. Em troca da instalação do equipamento, cada cinema se compromete a exibir uma certa quantidade de cinema especializado por ano.

Outros exemplos de redes de cinema digital incluem a rede RAIN no Brasil, o programa AVICA na Irlanda, o Emerging Pictures nos EUA, a rede Folkets Hus och Parker na Suécia, e o Reginal Digital Screen Network da AFC na Austrália. Algumas dessas redes usam projetores de resolução 1.3K, algumas usam 2K. Algumas têm objetivos comerciais, outras têm como objetivo proporcionar alternativas ao cinema hegemônico [6].

O que todos esses projetos demonstram é o interesse definido de usar o cinema digital para ampliar nossos horizontes cinemáticos além do que é oferecido pelos cinemas comerciais mainstream. Em outras palavras, para reverter a tendência na direção da redução das opções que temos testemunhado desde o surgimento do multiplex.

Muitas pessoas que se preocupam com a diversidade no cinema vêem o cinema digital como uma oportunidade, não uma ameaça.

Qual é o futuro do cinema digital?

No momento em que você ler isto, o número total de instalações de cinema digital em todo o mundo terá passado de 1 mil. Uma estimativa recente do total de números de salas de cinema comercial calculava no máximo 120 mil. Ainda há claramente um longo caminho pela frente. Quem vai pagar pelo equipamento, sua manutenção e atualização contínua e sua substituição a cada cinco anos? Este debate já está rolando a alguns anos e provavelmente irá continuar no futuro próximo. As estimativas mais otimistas falam em alto em torno de cinco a dez anos para que as instalações de cinema digital superem o número de instalações de película apenas.

Talvez seja o tempo para alguma modelo inovador de negócio desenvolver um passo na direção de um público de massa crítico. Por exemplo, a companhia Thomson recentemente anunciou um acordo com a Twentieth Century Fox para uma abordagem baseada em serviços: “Segundo os termos do acordo, a Twentieth Century Fox vai distribuir seu conteúdo cinematográfico digitalmente através dos EUA e Canadá e pagar um taxa de cópia virtual para a Techicolor Digital Cinema pelo conteúdo exibido em telas equipadas com o sistema da Techicolor, começando no primeiro trimestre de 2006. O suporte do plano da Techicolor Digital Cinema para a Twentieth Century Fox cobre a abertura inicial de um sistema completo de projeção digital em mais de 5000 telas em conformidade com o DCI nos próximos 3 a 4 anos. A Thomson, através dos negócios da Techicolor Digital Cinema, pretende instalar no mínimo 15.000 telas equipadadas digitalmente nos EUA e Canadá nos próximos 10 anos através desse lançamento inicial e de fases seguintes” [veja mais].

Por vários anos, a discussão sobre o cinema digital tem se preocupado com tecnologia – o que será usado, quais serão os padrões e como ele se compara com a película, para listar apenas alguns. Agora, as discussões sobre o cinema digital estão cada vez mais concentradas em questões comerciais. É ainda muito comum focalizar na tecnologia, mas com o seu amadurecimento e a instituição de padrões, o que realmente importa é o modelo de negócios. Como o cinema digital é essencialmente construído em hadwares e softwares de computadores e não em aparatos mecânicos (como os projetores de película 35 mm), o paradigma operacional é mais aparentado ao sistema tradicional de TI, onde é primordial garantir que o nível de suporte para o sistema seja apropriado para o risco perceptível de falha e ao impacto da perda de ganhos devido a qualquer envelhcimento do sistema. Durante um ciclo de vida de cinco anos, isso provavelmente representa dar lugar a uma estrutura de suporte que será mais custosa do que a exigida pela projeção em película.

Logo, no futuro proóximo, o modelo de negócios para o cinema digital deve levar em conta tanto capitais e custos operacionais mais altos. Este é sem dúvida uma previsão preocupante para os exibidores.
Notas
1 - Este é um padrão relativamente recente que permite a criação de imagens de vídeo de boa qualidade em taxas de bit muito mais baixas do que é possível com o MPEG 2. Os arquivos de vídeo resultantes são pequenos em tamanho e logo exigem menor espaço de arquivamento. Além disso, eles consumem menos largura de banda quando transmitidos. Esse padrão é considerado altamente promissor para o uso em televisão de alta definição e vai permitir a transmissão de duas ou três vezes mais canais de televisão em alta definição do que é possível usando o MPEG 2 (N.A.)
2 - Como exemplo, a DG2L Technologies ganhou um contrato em 2005 para instalar cinemas digitais baseados em MPEG 4 em 2.000 salas de cinema controladas pelo exibidor indiano United Film Organisers. No momento de escrita deste artigo, 150 sistemas foram instalados.(N.A.)
3 - Encoders e servidores de cinemas JPEG 2000 só entraram no mercado no final de 2005.(N.A.)
4 - Por exemplo, as lâmpadas precisam ser trocadas a cada 1 mil ou 2 mil horas de vida operacional, os filtros necessitam de trocas periódicas e os projetores exigem manutenção anual (N.A.)
5 - Na indústria cinematográfica, algumas pessoas argumentam que esse ciclo de vida é mais provável de durar sete anos. Entretanto, isso iria assumir um risco mais alto em termos de pane do sistema conforme o equipamento envelhece. (N.A.)
6 - É nesse sentido que deve ser entendido o MovieMobz no Brasil, no qual há uma flexibilização da programação a partir das possibilidades advindas do cinema digital. Conforme seu site, "a sessão mobilizada pode ser programada em qualquer um dos 122 cinemas presentes nas 18 cidades que fazem parte da rede de projeção digital que atende à MovieMobz". (N.T.)

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Uma revisão do cinema digital - parte 1/2

Recentemente, tive duas experiências frustrantes como espectador: indo assisitir ao filme italiano Gomorra, no Unibanco Arteplex, em Botafogo, e ao filme nacional Deserto Feliz, no Estação Laura Alvim, em Ipanema. Em ambos os casos, em salas de cinema de duas empresas exibidoras diferentes, o ingresso era caro e a projeção dita "digital" era terrível. Desse modo, acho bastante pertinente a leitura deste instrutivo artigo de David Walsh, publicado no NFSA Journal, v.2, n.1, 2007, publicação do National Film and Sound Archive, da Austrália (original disponível na internet). Além de situar os termos do debate, ele nos ajuda a perceber muitos dos reais interesses na implementação no Brasil do cinema digital - ou, melhor, do Cinema Eletrônico, para usar a expressão do texto de Walsh -, onde essa revolução não está significando necessariamente que mais filmes cheguem com melhor qualidade e mais rapidamente a lugares distantes das grandes metrópoles. Pelo contrário, numa cidade como o Rio de Janeiro, por exemplo, cada vez mais continuamos pagando o mesmo preço caro para assistirmos aos mesmos filmes, nas mesmas salas que já existiam, só que agora em imagems em movimento totalmente pixaladas, sem textura e chapadas. Depois, não se sabe por que cada vez mais se vendem televisões sofisticadas e cada vez menos se tem vendidos ingressos para cinema... E não é a toa também que neste exato momente está chegando o IMAX ao Brasil (em São Paulo), com atraso de uns quarenta anos em relação à Europa e EUA, promentendo ótima projeção... em película. Enquanto isso, ainda querem que continuemos ir ao cinemas para asssitir a propagandas em powerpoint e filmes em vídeo.

Uma revisão do cinema digital - parte 1/2
de David Walsh
tradução de Rafael de Luna

Livros inteiros têm sido dedicados ao tema do cinema digital, uma tecnologia que tem o potencial para mudar dramaticamente o que vemos na tela grande, não apenas no formato das imagens, mas na nossa escolha da programação. Neste artigo irei analisar o impacto do cinema digital tentando responder a quatro questões básicas:
O que é o cinema digital?
O que é o cinema digital utilizado hoje?
Qual é o futuro para o cinema digital?
O que a Austrália está fazendo com o cinema digital? [1]
Meu objetivo é revisar o tema de uma perspectiva tecnológica; logo, parte do que eu disser pode exigir o uso de uma linguagem técnica. Entretanto, é meu intento que ao final deste artigo o leitor terá uma melhor apreensão das questões que eu propus. Além disso, tento prover um entendimento claro de qual é a posição estratégica do National Film and Sound Archive (NFSA) a respeito deste tema e como a organização vai fazer uso do cinema digital no futuro.

O que é o cinema digital?

Desde o nascimento da indústria cinematográfica há mais de um século atrás, o que as platéias têm experimentado no cinema tem sido em grande parte baseado na projeção de filmes em cópias de película 35 mm. O modelo de negócios que sustenta nossa experiência cinemática tem mudado pouco ao longo desse tempo. Um negativo é utilizado para prover o número de cópias necessárias de acordo com o provável potencial comercial de um filme. As cópias são então distribuídas para alguns cinemas de acordo com o padrão de lançamento ditado pela campanha de marketing relacionada. Se tivermos a oportunidade de assistirmos a um filme em seu circuito inicial num grande mercado, vamos compartilhar o prazer que pode vir da visão de uma cópia nova. Entretanto, se não assistirmos ao filme até tarde em seu padrão de lançamento, nós podemos testemunhar uma cópia que foi projetada inúmeras vezes e corremos o risco de que nossa satisfação seja prejudicada por problemas da cópia, com riscos sendo o mais comum deles. Se nós estivermos numa área regional e consequentemente fora das maiores áreas metropolitanas, é ainda mais provável termos uma experiência cinemática menos satisfatória devido ao fato de que a cópia já terá sido projetada centenas de vezes.

Uma coisa que mudou substancialmente desde o nascimento do cinema é a distribuição e o marketing dos filmes. Agora é comum lançar filmes em todo o mundo num período muito breve de tempo. Isso é parcialmente uma estratégia de marketing, mas também se deve à tentativa de diminuir o prejuízo da pirataria. Esse padrão de lançamento exige um grande número de cópias e levou a um aumento substancial dos custos de distribuição.

Nos últimos anos, como resposta a essas preocupações, a indústria cinematográfica tem se interessado pelo desenvolvimento de um metodologia alternativa de apresentação baseada no uso de tecnologia digital. Esse modelo consiste na distribuição e projeção de arquivos digitais no lugar de cópias. Essa abordagem é atraente por quatro razões principais:
  • Custos: O custo médio de feitura de uma cópia de um filme na Austrália é de aproximadamente 2 a 3 mil dólares australianos. Um padrão de lançamento comum na Austrália teria no mínimo 50 cópias. Se você olhar para mercados muito maiores como os EUA, Índia ou China e calcular o custo de das cópias de exibição de uma grande produção, é fácil de ver que há um poderoso incentivo para reduzir esses custos adicionais. Além dos gastos envolvidos com a feitura das cópias, há ainda o custo de transporte e destruição das cópias após a projeção.
  • Qualidade: Com a projeção baseada em arquivos digitais, a qualidade da imagem em movimento na tela será a mesma na milésima projeção assim como foi na primeira.
  • Segurança: Arquivos digitais reduzem o impacto da pirataria [2]
  • Flexibilidade da programação nas salas de cinema: Se todas as projeções são baseadas em arquivos, logo um exibidor tem muito mais opções para ajeitar a programação. É vital para entender que o que eu estou discutindo é um formato de apresentação e que o conceito de cinema digital usado neste artigo não tem nada a ver com o processo de produção do filme. Ter sido filmado em película, vídeo de alta definição ou em qualquer outro formato é insignificante neste contexto. Como se dá o processo até sua versão final também não é pertinente. Em algum ponto do processo de produção, uma matriz digital da versão final de lançamento pode ser criada e é a partir daqui que nossa história sobre apresentação do cinema digital começa.

Uma das maravilhas da atual apresentação em película é que ela é padronizada e tem sido assim por mais de cem anos sem nenhuma mudança significativa na estrutura básica do equipamento de projeção. Sim, existiram coisas como “formatos” com que se preocupar, mas se você tem as lentes corretas no seu projetor e a habilidade de fazer uma “janela” na imagem projetada, você pode exibir qualquer cópia nova de um filme em 35 mm e saber que as imagens serão nítidas, claras e, se o diretor tiver tido a intenção, você possivelmente será capaz de experimentar a riqueza e a sensação das imagens impressas na película.

Entretanto, com a projeção digital baseada em arquivos, a vida não é tão simples e antes de seguir adiante, é importante falar sobre dois conceitos que afetam a qualidade da imagem que você vê projetada na tela: resolução e compressão de imagem. No cinema digital, um simples fotograma de película 35 mm é representado como uma séria de pixels. Pixels é a abreviação de “Picture Element” (Elemento de Imagem), um pequeno ponto que é a menor parte de uma imagem como representada pelo computador. É a matriz desses pontos que constituem a imagem completa. Quanto mais pixels você tiver, maior será a resolução e mais detalhada será a imagem. Neste artigo, “resolução” ser refere ao número de pixels dispostos horizontalmente em um quadro [3]. Na indústria cinematográfica, esta é uma simplificação comum e usada como indicação da profundidade de detalhe ou da qualidade da imagem. Por exemplo, o recorrente termo “Resolução de 2K” que dizer 2048 pixels dispostos horizontalmente. Ou, para ser mais exato, uma imagem com resolução de 2K tem 2048 pixels por 1080 linhas verticais para cada quadro. [4] O termo “resolução de 4K” representa 4096 pixels horizontais por 2160 em cada quadro. Uma resolução de 1.4K tem 1400 pixels horizontais por nada maior do que 1050 linhas verticais, que significa essencialmente que você dispõe de muito menos informação digital com a qual representar as imagens em movimento do que com resolução de 2K. Como exemplo de contraste, uma resolução de 4K tem muitos mais pixels e logo deveria oferecer imagens mais ricas e detalhadas quando projetadas do que uma resolução de 1.4 K ou 2K. Também se deve ter em mente que a imagem digital é uma aproximação da imagem em película e não oferece a mesma qualidade de textura. Isso não quer dizer que é melhor ou pior: trata-se apenas de um modo diferente de representação visual.

Voltando ao conceito de compressão de imagem, se nós digitalizarmos um filme para obter uma resolução de 2K, nós vamos precisar de mais de 2 milhões de pixels para representar um único fotograma. Isso equivale a aproximadamente 10 Megabytes (MB) de memória de um computador. Para um filme de duas horas, um pouco menos de 2 Terabytes (TB) de um disco rígido será necessário para guardar o filme. Esses grandes tamanhos de arquivo não são práticos para a tecnologia de armazenamento e transmissão disponível hoje. Para o cinema digital ser comercialmente viável, há uma necessidade de comprimir as imagens de modo que o tamanho dos arquivos se torne mais manejáveis.

Falando genericamente, há duas formas de compressão que são relevantes para o cinema digital: compressão “sem perda” (lossless) e “com perda” (lossy). A compressão “sem perda” é uma técnica na qual o conteúdo imagético de um objeto de uma imagem em movimento digitalizada é comprimido sem perda de informação e a imagem não é alterada. A compressão “com perda”, por outro lado, está realmente envolvida na alteração da imagem e há informação perdida. A compressão “com perda” é sempre mais eficiente em termos de armazenamento de arquivos, mas em altos níveis de compressão a imagem é marcadamente diferente da imagem original. A compressão “sem perda” é menos eficiente em termos de armazenamento (alcançando aproximadamente uma redução de três para um no tamanho do arquivo necessário para imagens em movimento). Existem vários padrões de compressão “com perda” e alguns exemplos conhecidos incluem MPEG 1, MPEG 2 (o formato mais utilizado para vídeo digital) e MPEG 4 [5].

Existem basicamente dois grandes tipos de projeção baseadas em arquivos no mundo hoje e a grande diferença entre elas é a resolução na tela (o papel da compressão será discutido mais adiante). Imagens em movimento projetadas digitalmente com uma resolução na tela de menos de 2K são comumente conhecidas como E-Cinema (para “cinema eletrônico”). Imagens em movimento projetadas digitalmente com resolução de tela de 2K ou maior são conhecidas como D-Cinema (para “cinema digital”). Neste artigo eu vou me prender a essas duas definições quando me referir especificamente a cada um desses formatos. Entretanto, o leitor deve estar ciente de que na indústria cinematográfica a expressão “cinema digital” é frequentemente utilizada para todo o espectro de resoluções na tela. Em outras palavras, o termo é empregado coletivamente como um descritor tanto do D-cinema quando do E-cinema. Como a terminologia corrente não tem nada melhor para oferecer, eu também vou usar o termo cinema digital neste sentido genérico para os objetivos de meu argumento.

Então, vamos dar uma olhada nesses dois tipos de cinema digital. Primeiro, uma rápida visão no D-Cinema. Um desenvolvimento importante no campo do cinema digital foi o lançamento em 2005 de um padrão que define as exigências técnicas para a codificação, masterização, distribuição, segurança e apresentação de trabalhos em cinema digital. Esse padrão, o Sistema de Especificação do Cinema Digital (versão 1.0, proposta em 20 de julho de 2005), é o produto de um consórcio conhecido como Iniciativas do Cinema Digital (DCI – Digital Cinema Initiatives), que foi criado em março de 2002 como uma joint venture entre a Disney, Fox, MGM, Paramount, Sony Pictures Entertainment, Universal e Warner Bros Studios. O Consórcio DCI estabeleceu que “o principal objetivo da DCI é estabelecer e documentar voluntariamente especificações para uma arquitetura aberta para o cinema digital que garanta a uniformidade e o alto nível de performance técnica, confiança e controle de qualidade" (veja o site http://www.dcimovies.com/).

Há três elementos chaves no padrão DCI para nossa discussão: resolução, compressão e segurança. O primeiro elemento chave é que o padrão definiu a resolução de 2K como o padrão mínimo de projeção para o cinema digital. O padrão também apóia a resolução 4K e muitos na indústria reconhecem o 4K como o eventual padrão futuro para o cinema digital. É importante salientar que o padrão DCI não deixa espaço para resoluções abaixo de 2K (e logo para o termo E-cinema, que as pessoas de dentro de Hollywood costuma usar num sentido pejorativo). No futuro e por muitos anos ainda por vir, os estúdios de Hollywood irão produzir dois formatos diferentes de distribuição para seus filmes – cópias em película 35 mm e arquivos de cinema digital de 2K de acordo com as normas do DCI, que poderão ser projetados somente em salas de cinema com equipamentos adequados aos padrões do DCI.

O segundo elemento chave dos padrões do DCI é que o protocolo exige o uso de compressão sem perda padrão JPEG 2000 [6]. Isso significa que o servidor usado em cada cinema em conformidade com o DCI deve ser capaz de decodificar JPEG 200 para projeções.

O terceiro elemento chave dos padrões DCI é segurança. O padrão exige tanto encriptação (encryption) dos arquivos de cinema digital e o uso de trilhas (pathways) de segurança em todas as etapas da cadeia de distribuição e exibição. Além disso, os arquivos de cinema digital podem ser distribuídos via satélite, através de uma rede virtual privada em um link de telecomunicações de alta velocidade, ou através de um disco rígido (geralmente um drive USB).

O padrão DCI é independente de qual metodologia for utilizada. Desde que sua segurança seja garantida por rígido controle de acesso, qualquer método de distribuição pode ser utilizado. Esta é uma área de redução substancial de gastos, já que o custo de transporte de vários rolos de filme é significativamente mais alto que os custos de transporte de um disco rígido, que atualmente é o método mais econômico de distribuição de arquivos de cinema digital.

continua...

NOTAS
1 - Este artigo é formado por duas partes. A segunda, que trata da estratégia do NFSA em relação à tecnologia digital e que responderia a essa questão, não será colocada no blog [N.T.]
2 - Esta é uma questão significativa em um país como a Índia, onde foi estimado que a pirataria estava diminuindo em até 40% o lucro potencial da indústria cinematográfica antes da introdução do cinema digital [N.A.]
3 - Embora a palavra em inglês seja a mesma - frame - preferi utilizar fotograma quando se referir ao menor elemento do filme em película e quadro para o equivalente de uma obra em arquvo digital [N.T.]
4 - Para tornar as coisas mais simples, eu usei o padrão DCI que é descrito em seguida neste artigo ao invés de entrar em taxas de formatos e digitalização [N.A.].
5 - MPEG siginifca Moving Picture Experts Groups, que é um padrão ISO (International Standards Organization), grupo de trabalho responsável pela definição de padrões para a codificação (enconding), compressão e transmissão de imagens em vídeo [N.A.]
6 - JPEG significa Joint Photographic Experts Group, um comitê da ISSO. Esse comitê desenvolveu o padrão de compressão JPEG 2000.

domingo, 4 de janeiro de 2009

A ação dos cineclubes e das cinematecas na América Latina para o desenvolvimento da cultura cinematográfica

Este texto é mais uma colaboração para o blog de Fausto Douglas Correa Júnior. Trata-se do trecho dedicado à situação brasileira extraído do documento "A ação dos cineclubes e das cinematecas na América Latina para o desenvolvimento da cultura cinematográfica", de autoria de Rudá de Andrade, na época conservador-adjunto da Cinemateca Brasileira, em São Paulo. Apresentado na Mesa redonda internacional sobre cinema na América Latina, realizada em Santa-Margherita-Ligure, Itália, de 25 a 27 de maio de 1961, e organizado pela UNESCO, o original deste documento - traduzido do original em francês por Fausto em 2006 - encontra-se nos arquivos da Cinemateca Brasileira. Trata-se um documento importante por se tratar de um histórico sobre as atividades do cineclubes no Brasil (e na América Latina, no restante do texto), sobretudo no contexto de criação das primeiras Cinematecas no país, tendo sido escrito justamente num momento de ampliação e efervescência do circuito cineclubístico e da cultura cinefílica no início dos anos 1960.
A ação dos cineclubes e das cinematecas na América Latina para o desenvolvimento da cultura cinematográfica
por Rudá de Andrade
tradução de Fausto Douglas Correa Júnior

O desenvolvimento do comércio cinematográfico, que nasceu com o cinema, provocou a aparição de revistas endereçadas aos “fans” (diferente de outras que representassem um interesse crítico, cultural ou técnico), tais como, entre outras, em 1913, “O cinema” – que teve uma breve existência -; em 1927, “Teatro e Cinema”; em 1918, “Palcos e Telas”; em 1921, “A Scena Muda”; e em 1926 “Cinearte”, que deu valor ao cinema nacional, sem falar de revistas mundanas que dedicavam um lugar importante ao cinema.
Se procuramos as origens da cultura cinematográfica brasileira, nós devemos partir das atividades do antropólogo e educador Edgar Roquete Pinto que, em 1920, como Diretor do Museu Nacional começa a constituir um fundo de filmes de interesses científicos. Dois anos mais tarde, Roquete Pinto realiza filmes de antropologia Seu grande mérito se traduz pelo desenvolvimento e a aplicação dos meios audiovisuais na educação, e seu trabalho neste domínio foi coroado em 1936 pela criação do Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE).
Em 1917 nós encontramos um grupo de jovens que querendo fazer cinema como atores e técnicos, se reuniam para ver filmes, comentá-los e debatê-los a propósito do cinema brasileiro. Estas reuniões orientaram a carreira de alguns homens, entre os quais Pedro Lima, que é hoje crítico, e Adhemar Gonzaga, que cumpriu um papel na produção nacional e que é sempre profissional e historiador de cinema.

* * *

O termo “cineclube” foi utilizado pelo clube de jogos de Jayme Redondo, em 1925. As projeções eram um meio de atrair os jogadores. O resultado desta aventura foi a produção de dois filmes pelo Cineclube.
O início real da cultura cinematográfica brasileira data de 1928, quando alguns jovens, tentando escapar da mentalidade provinciana da época, seguindo o pequeno movimento intelectual e descobrindo a arte cinematográfica. Estes são Octavio de Faria, Plínio Sussekind Rocha, Almir Castro e Cláudio Nello, que em junho do mesmo ano fundam o “Chaplin Club”. Esta associação prolongara suas atividades até a afirmação do cinema sonoro e participará da polêmica contra o som. Este novo cinema privava o grupo da arte que eles amavam. O “Chaplin Club” lança uma revista “O Fan”, seu órgão oficial - que nutriu críticas e ensaios de valor intelectual - vivo por dois anos e com nove números publicados. Este movimento do Rio de janeiro deu à crítica cinematográfica um tom sério que será um exemplo a se seguir.
Aparecem os primeiros livros escritos por autores brasileiros: “Gente de Cinema”, em 1929, uma coletânea de críticas de Guilherme de Almeida e, enfim, “Cinema contra cinema”, em 1931, estudo sociológico de Canuto Mendes de Almeida.
Em 1940, é criado o primeiro “Clube de Cinema de São Paulo”, com a participação de intelectuais, alunos e professores ligados a Faculdade de Filosofia, entre os quais Paulo Emilio Sales Gomes, que estimula e conduz o movimento. No ano seguinte, após algumas projeções públicas, o cineclube desaparece em função de dificuldades provocadas pela ditadura de Vargas; sobrevive entretanto o grupo, que realiza algumas projeções em casas privadas e que participam da revista cultural “Clima”.
Cinco anos mais tarde, imediatamente ao final da Guerra, o interesse pela arte cinematográfica é uma realidade que se manifesta na criação do novo “Clube de Cinema de São Paulo”. Este, sob a presidência do crítico Francisco Luiz de Almeida Salles, se tornará a “Filmoteca do Museu de Arte de São Paulo” [1], atualmente “Cinemateca Brasileira”. O clube começa suas projeções em salas improvisadas, e se instala no museu, após tornar-se a “Filmoteca”.
Ao mesmo tempo sob a influência de Plínio Sussekind Rocha, professor universitário, é fundado o “Clube de Cinema da Faculdade Nacional de Filosofia”, no Rio de Janeiro, que começa uma coleção de alguns clássicos russos encontrados em Belo Horizonte e uma pequena quantidade de outras películas. Também no Rio, os críticos constituem a “Associação Brasileira de Cronistas Cinematográficos”.
Em 1948, o “Circulo de Estudos Cinematográficos” é criado no Rio de Janeiro pelos críticos Alex Viany, Antonio Moniz Viana e Luiz Alípio de Barros. Assim começa a descentralização do movimento cinematográfico com a aparição dos clubes: o “Clube de Cinema de Porto Alegre”, que cria um ambiente fecundo no Sul; ao norte, o “Clube de Cinema de Fortaleza” e perto de São Paulo, o “Clube de Cinema de Santos”. Nos anos seguintes, o clima favorável à aparição de novas organizações se prolonga: o “Centro de Estudos Cinematográficos de Minas Gerais” sob a orientação de Jacques do Prado Brandão, Cyro Siqueira e de outros, teve uma importância nacional graças à vitalidade de suas manifestações, à formação constante de críticos locais, e à publicação da “Revista de Cinema”, que se manterá de 1954 a 1957, cessando um pouco para reaparecer em 1961; o “Museu de Arte de São Paulo” convida Alberto Cavalcanti a fazer uma série de conferências, o que permitiu a Ruggero Jacobbi, Adolfo Celi e Carlos Ortiz a criarem o “Seminário de Cinema do Museu de Arte”, que se manteve muito ativo até a sua transformação em escola de cinema, de onde saíram dois documentários sobre arte; o Centro de Estudos Cinematográficos de São Paulo realizou o primeiro congresso de cineclubes, do qual o único resultado foi colocar em contato os principais animadores. O “Cineclube da Bahia”, sob a orientação de Walter da Silveira é uma das organizações mais bem sucedidas, e que permitiu a formação de uma atmosfera ativa em Salvador; finalmente, o “Clube de Cinema Orson Welles” em São Paulo, o “Clube de Cinema de Florianópolis”, e o “Clube de Cinema do Rio de Janeiro” e muitos outros que surgiram mais tarde nas capitais e no interior dos estados mais avançados, constituem a malha brasileira de cineclubes ativos, que não devem passar de uma vintena, sem contar o movimento católico. A falta de material humano impede o crescimento do número de cineclubes.
A idéia de uma federação para ajudar o desenvolvimento dos cineclubes surgiu publicamente no congresso de 1950, mas ela não se concretizou antes de 1956, sob a forma do “Centro de Cineclubes do Estado de São Paulo” por iniciativa de Carlos Vieira. Este órgão, que rendia serviços aos cineclubes do Estado de São Paulo, estendeu suas atividades para o plano nacional sob o nome de “Centro de Cineclubes” e, mesmo após a adesão dos cineclubes das cidades importantes, o número de seus membros não ultrapassava os 10, o que mostra a fragilidade do cineclubismo brasileiro. Este número agora passou da dezena, mas as distâncias, a falta de recursos e de quadros para exercer uma atividade no plano nacional, reduzem as possibilidades do “Centro de Cineclubes”. Sua obra mais completa e mais útil são os congressos de cineclubes, “Jornadas de Cineclubes” realizadas em São Paulo em 1959, em Belo Horizonte em 1960 e no Rio de Janeiro em 1961. Estes encontros entre os animadores e as personalidades da cultura cinematográfica têm tornado possível a troca de idéias, o espírito de união e têm estimulado o trabalho.
A dificuldade de alugar locais nas grandes cidades, notadamente em São Paulo e no Rio, o interesse das rodas de estudantes, do movimento católico, que emprega organizações já constituídas para sua ação, e também o fraco nível cultural do país, empurram os cineclubes para se multiplicarem sobretudo nos centros de ensino. Raros são os cineclubes de São Paulo e Rio atualmente destacados dos Liceus ou das Universidades.

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O interesse por filmes clássicos, pela história da arte cinematográfica afirmou-se pelo advento do “Clube de Cinema de São Paulo”, e por outro lado pelo conhecimento dos problemas práticos e teóricos concernentes a difusão de filmes históricos adquiridos por Paulo Emilio Sales Gomes – que manteve em Paris aproximações constantes com a Cinemateca Francesa e com a FIAF, em um espírito de estreita colaboração – criando as circunstâncias propícias para a fundação de uma cinemateca. O “Clube de Cinema de São Paulo” é criado em 1946, e como “Filmoteca de São Paulo” é aceita no ano seguinte como membro provisório da FIAF. Em 1949, a Filmoteca se junta ao recente Museu de Arte Moderna, e se transforma na Filmoteca do Museu de Arte Moderna se São Paulo, dissolvida em 1956 para tornar-se Cinemateca Brasileira. Esta última transformação que destacou a “Cinemateca” do “Museu” foi decidida quando seus dirigentes se deram conta de que o desenvolvimento de uma cinemateca no Brasil seria muito caro e só poderia ser financiado pelos poderes públicos. Era impensável que ela dependesse de contribuições de membros ou de outro organismo, como era o caso do Museu de Arte Moderna que tinha seus próprios problemas. A história da Cinemateca Brasileira mostra bem que a execução de seu programa esta subordinada aos esforços redobrados para obter os recursos que permitiriam a preservação de uma coleção importante, e uma difusão em medida suficiente para contribuir para o progresso cultural brasileiro.
Esta situação levou a Cinemateca Brasileira a seguir duas direções precisas: formar indivíduos e grupos com verdadeira capacidade, e promover manifestações amplas e especializadas suscetíveis de atender aos meios mais diversificados para fazer propaganda da arte e da cultura cinematográfica. Assim, a Cinemateca Brasileira adquiriu um prestígio considerável a partir deste momento, quando em 1954 ela se ocupou de manifestações culturais como o “Primeiro Festival Internacional de Cinema no Brasil”, organizando “Os grandes momentos do cinema”, a “Retrospectiva do Cinema Brasileiro”, a “Retrospectiva Eric Von Strohein”, a “Retrospectiva Internacional de Cinema”, enfim, uma série de projeções programadas ao longo deste ano seguindo um ritmo e uma qualidade de primeira ordem. Graças às possibilidades materiais obtidas por meio do Festival e pela ação pessoal de Sales Gomes que, a partir desta data, torna-se diretor da “Cinemateca”, nós pudemos começar a constituir os fundos da cinemateca. Os festivais realizados pelas Bienais de São Paulo continuaram o ritmo inaugurado em 1954, aos quais se juntavam de 1949 a 1956, as projeções regulares, três vezes por semana. A intensidade dos trabalhos desta organização é a razão provável da quase inexistência de cineclubes em São Paulo. Tomando consciência que esta centralização abafava o nascimento de correntes e novos grupos, a “Cinemateca” relegou a um plano secundário suas projeções, para oferecer sua colaboração para as outras instituições e apoiar as diversas iniciativas culturais cinematográficas do país. A partir de 1950, a “Cinemateca” começou a fornecer filmes aos cineclubes. Em 1955, esta difusão se normalizou e hoje em dia ela cede gratuitamente seus filmes a organizações de mais de trinta cidades espalhadas em quatorze estados brasileiros.
A tendência da Cinemateca encampar os mais variados domínios não vem de uma simples deliberação, mas das circunstâncias culturais do país; a Cinemateca se vê obrigada a preencher as lacunas e fazer o cinema servir ao desenvolvimento geral. Assim, ela organiza ou toma parte de cursos, dentre os quais é preciso ressaltar o que se endereçou aos animadores de cineclubes, colabora com o corpo discente da Universidade; ela está para inaugurar um novo departamento consagrado ao cinema para a infância e, enfim, ela presta serviços aos órgãos oficiais e privados os mais variados que se ocupam do cinema cultural, seja para os desenvolver, seja para os servir. É para estender e aprofundar este trabalho social que a Cinemateca solicita as subvenções dos poderes públicos.
Em 1957, a Cinemateca foi submetida às conseqüências de um rápido desenvolvimento sem os meios correspondentes: um incêndio destruiu sua sede e uma grande parte de seus arquivos.
A Cinemateca Brasileira possui atualmente uma coleção de filmes que se eleva a 2.200 bobinas de atualidades e 2.500 filmes de ficção. Sua documentação compreende 1.300 livros, 4.000 revistas, 36.000 fotografias, 12.000 programas, cartazes e documentos diversos; esta documentação esta registrada em 16.000 fichas.
Em 1957, após dois anos de projeções inicialmente mensais, depois bimensais, o “Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro” transforma seu departamento de cinema em “Cinemateca”, sob a responsabilidade de Antonio Moniz Vianna e Ruy Pereira da Silva. Sua atividade se limita a apresentar com sucesso filmes clássicos e modernos, a pré-estreias e a editar boletins. A Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, desde seu início, partilhou o problema do Museu: a construção de uma sede de grandes dimensões preenchendo todas as condições requeridas para um museu moderno. Esta obra monumental, empreendida pelos participantes, exige da parte de todos os departamentos uma grande propaganda para a obter fundos. Isto caracteriza os primeiros anos da “Cinemateca”, que foi conduzida a montar importantes festivais anuais: em 1958, “História do cinema americano” e nos anos seguintes “História do cinema francês” e “História do cinema italiano”, estes dois últimos com a colaboração da Cinemateca Brasileira que os apresentou em São Paulo. Estas manifestações foram possíveis graças ao apóio do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, das Cinematecas Francesa e Italiana e tiveram um sucesso notável devido à quantidade de obras apresentadas e à grande publicidade feita em São Paulo e no Rio. É preciso sublinhar esta consagrada ao cinema francês que composta por mais de 200 filmes cobrindo todos os períodos, foi o maior ciclo do gênero realizado fora da França. Os festivais foram acompanhados de publicações de mais de cem páginas.
A Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro jamais parou de apresentar seus programas regularmente e na espera de seu auditório e de sua sede definitiva no Museu, ela começou a constituir um arquivo de filmes e uma documentação. Suas atividades culturais se limitam à cidade do Rio de Janeiro, mas suas repercussões tem contribuído para dar prestígio à cultura cinematográfica, porque todos os países seguem com atenção a vida artística do Rio. Este organismo conjuga seus esforços com os da Cinemateca Brasileira.

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A preocupação dos católicos diante do espetáculo cinematográfico data de 1936, quando a “Ação Católica Brasileira” criou no Rio de Janeiro seu serviço de informações cinematográficas para determinar a cota moral dos filmes, isto é, para aconselhar os espectadores e os orientar para os espetáculos que respeitavam os princípios católicos. No ano seguinte, São Paulo seguiu este exemplo criando sua “Orientação Moral dos Espetáculos”. A “Ação” foi a primeira instituição católica a executar um trabalho “cultural” cinematográfico, oferecendo cursos em 1951 no Rio. Em 1952, André Russkowski e Fernand Gadieu chegam ao Brasil e orientam algumas pessoas em suas atividades cinematográficas, que tem por resultado a abertura de um curso de iniciação cinematográfica em colégios católicos, sendo logo de princípio no “Colégio dos Pássaros” em São Paulo. No ano seguinte aparece o cineclube Asa (Ação Social Arquidiocesana) e a Conferência dos Bispos do Brasil cria o Centro de Orientação Cinematográfica para a orientação de espectadores sob a direção de R.P Guido Logger. O movimento assume um caráter nacional pelos esforços de alguns líderes que circulam para efetuar trabalhos em diferentes endereços do país. O Cineclube Pró Deo, forte hoje em dia, criado no sul do país, assim como outros no centro e no norte do país. A fundação de cineclubes por católicos se apóia em cursos de base, geralmente fracos e insuficientes para formar dirigentes. Mas é uma rede que estimula o desenvolvimento de centros com o encorajamento e o apóio de organismo religiosos locais. Com o fim de “formar o espectador”, os cineclubes e as outras instituições católicas se valem dos cursos cada vez mais estendidos e editam brochuras como “Curso de Cinema” e “Guia Cultural dos Filmes” ou “Elementos de Cinestitica (sic.)”. Este movimento tem conhecido uma expansão rápida e organizada; existem provavelmente mais de sessenta cineclubes católicos que não constituem, no entanto, um conjunto coerente. Com efeito, a maioria funciona com irregularidade em colégios secundários ou nos seminários, com quadros insuficientes para aprofundar os estudos cinematográficos.


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As edições cinematográficas no Brasil são limitadas. Agora nós começamos a publicar algumas traduções, mas os brasileiros que quiserem fazer avançar seus estudos cinematográficos devem recorrer às publicações estrangeiras. No mais, as livrarias brasileiras negligenciam este gênero de edição. As revistas de cultura cinematográficas são esporádicas e irregulares, e tendem a desaparecer após seu primeiro ou segundo número. As mais recentes tentativas são “A Revista de Cultura Cinematográfica”, financiada por um organismo católico e que é atualmente estável, “Cineclube” órgão da Federação dos Cineclubes do Rio de Janeiro, cujo primeiro número acabou de sair, a “Revista de Cinema” de Minas Gerais, que reaparece em sua nova fase, e enfim “Delírio” publicação não-conformista.
Notas
1 - Rudá esqueceu de acrescentar “moderna” ao nome do Museu, trata-se do MAM-SP e não do MASP (N. do T.)