terça-feira, 26 de julho de 2022

Consulta Pública da Ancine

 Em 17 de maio de 2022, a Ancine fez um anúncio de consulta pública: "A Agência Nacional do Cinema - ANCINE comunica a abertura de consulta pública acerca da Notícia Regulatória sobre a regulamentação dos projetos específicos da área audiovisual de preservação, difusão e infraestrutura técnica, de modo que tais projetos possam ser beneficiados por recursos públicos advindos de incentivo fiscal. A respectiva proposta permanecerá em consulta pública até o dia 30 de junho de 2022"

Diferentemente de outras consultas públicas, não havia um texto base para receber críticas ou sugestões, apenas um email para email propostas.

Trata-se de uma medida importante que viabilize aporte de recursos públicos, particularmente através da Lei do Audiovisual, para a área de preservação audiovisual. Embora cético a respeito de medidas efetivas na atual conjuntura política, enviei as seguintes sugestões para o email indicado pela Ancine, que compartilho no blog para fomentar a discussão pela área:

Olá,
Como professor e profissional do campo da preservação audiovisual e diante da proposta de regulamentar o uso de recursos obtidos via Lei do Audiovisual para projetos de "preservação e restauração de acervos e conteúdos audiovisuais brasileiros", apresento as seguintes contribuições:

1 - A exigência de obediência dos projetos aos padrões internacionais de boas práticas estabelecidos pelo campo da preservação audiovisual, referentes aos processos de preservação e restauração (respeito à integridade do conteúdo e suporte, documentação dos processos, reversibilidade etc), que possa ser alcançado através da obrigatoriedade de participação de um profissional qualificado de preservação audiovisual, seja o funcionário de um arquivo de filmes reconhecido, seja sancionado pela associação da área (Associação Brasileira de Preservação Audiovisual). Trata-se de uma medida necessária para evitar que recursos para preservação e restauração sejam usados para procedimentos distintos, desvirtuando a finalidade do financiamento, sendo ainda respeitada a ética e qualidade técnica nos projetos.

2 - A exigência de garantia de sustentabilidade aos produtos resultantes dos projetos, que consista, por exemplo, no depósito de novas matrizes (analógicas ou digitais) em pelo menos dois arquivos brasileiros distintos, em diferentes localidades geográficas (cidades ou preferencialmente estados). Além de ser uma medida de segurança para as matrizes, trata-se ainda de uma maneira de estimular a regionalização e democratização dos recursos.

3 - A exigência de garantia de pleno acesso pela sociedade aos produtos resultantes das ações de preservação ou restauro (ainda que após uma janela inicial de comercialização), para evitar a situação atual de obras cinematográficas restauradas com recursos públicos que são impossíveis (ou quase) de serem vistas, seja por se constituírem apenas em matrizes de preservação, seja pela exigência de pagamento por qualquer tipo de exibição ou mesmo visionamento das mesmas. Em última instância, a sociedade tem direito a ter acesso gratuito, de alguma forma e em algum momento, às obras cinematográficas restauradas com recursos públicos.

4 - O incentivo ao uso de laboratórios, profissionais, instituições e empresas brasileiras nos projetos de restauração/preservação financiados com recursos públicos.

5 - Para o atendimento ao item anterior, é importante viabilizar que os recursos possam eventualmente ser usados (e que isso seja estimulado) para a criação/atualização/manutenção da infraestrutura técnica e humana das empresas, instituições e arquivos que realizam as atividades de preservação/restauração no Brasil. É imperativo que os recursos para os projetos possam contribuir (financeiramente) de forma efetiva para a melhoria do setor, atualmente precarizado em termos de equipamentos e corpo técnico empregado.

6 - O incentivo à diversidade dos projetos de preservação/restauração financiados por recursos públicos, em termos geográficos (obras de diferentes partes do país), mas também em termos de formato, estimulando que, além de longas-metragens comerciais, sejam também beneficiados curtas-metragens, documentários, filmes experimentais, filmes órfãos, vídeos e programas televisivos, e todo tipo de material de interesse estético, histórico e social em toda sua variedade.