segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Projeção digital - a falácia

No Segundo Caderno do jornal O Globo de domingo, dia 23 de outubro, a matéria de capa era sobre a conversão do circuito exibidor brasileiro à projeção digital, mas especificamente sobre o "nosso atraso" na "modernização" das salas de cinema. Com um texto vago e dando voz a agentes com interesses específicos no processo, o discurso exaltado é do alarmismo e da prepotência: "Não podemos ficar para trás" e "Temos que correr", diz um exibidor, "Não haverá filmes para quem não passar logo da película para o digital", diz um empresário que lucra justamente vendendo equipamentos digitais.
Em primeiro lugar, a pressa é inimiga da perfeição. Além disso, a matéria enumera as vantagens econômicas para a conversão digital, que interessam principalmente aos produtores, distribuidores e exibidores. Mas se o ingresso não tem sido barateado (pelo contrário, as salas digitais 3D são sempre mais caras), qual é a vantagem dessa suposta "modernização" para o espectador?
O princial argumento - repetido à exaustão e sempre vagamente - é o de que a cópia digital não risca e por isso o espectador teria sempre uma projeção maravilhosa, seja na primeira ou na milésima sessão. O detalhe que ninguém comenta é que hoje o padrão de lançamento dos filmes é estrear com centenas de cópias e ter o maior lucro possível em menos tempo. Ao contrário de anos atrás, quando os filmes ficavam meses em cartaz (Forrest Gump, por exemplo, estreou no Cine Icaraí, em Niterói, e voltou a essa tela seis meses depois), hoje raramente um grande sucesso fica tanto tempo assim. No restaurado Cine Marabá, em São Paulo, o recorde recente de permanência de filme em cartaz foi Era do Gelo 3, durante 8 semanas, menos de dois meses (link).
Na verdade, a maior parte dos filmes dificilmente fica mais de um par de semanas em exibição hoje em dia. Além disso, é obrigação das distribuidoras substituirem cópias no caso delas estarem muito danificadas, pois nenhum espectador que vai hoje a uma das caríssimas salas de shopping admite assistir cópias sujas e riscadas como no tempo dos cineminhas de bairro (de ingressos baratos).
Enquanto isso, o que vejo nos cinemas já convertidos para o digital são inúmeros problemas. Por mais defeitos que a projeção em película possa ter, podemos dizer que ela tinha um padrão mínimo de qualidade em termos de brilho, nitidez, resolução etc. quando falamos de cópias 35 mm. Apesar de ser capaz de proporcionar atualmente excelentes projeções (sobretudo em 4K), no caso de péssimas projeções, para o digital o céu é o limite... Você sempre se supreende como um filme pode ficar ruim e com milhões de defeitos (artefatos digitais) numa projeção digital mal feita.
Para ilustrar isso, cito artigo do blog Exibição nos Cinemas, cuja referência recebi do colega Roberto Leão, e que é bem didático a respeito disso citando um caso recente. Boa leitura:

Sobre a qualidade da projeção dos filmes no Festival do Rio 2011

A exibição digital é uma grande oportunidade para a produção independente do cinema brasileiro. Sem empresas que possam oferecer uma exibição mais barata que o 35mm, o mercado não teria mudado tanto. Por outro lado, temos que exigir o mínimo de qualidade nas projeções. Não adianta investir para montar o sistema de projeção digital em muitas salas com a qualidade inferior ao que se vê em casa.

Nesse Festival do Rio de 2011 o problema está ficando claro para todos os envolvidos no processo. O problema é que o festival está colocando a culpa no exibidor, que por sua vez está colocando a culpa nos filmes. Soube de inúmeras histórias de problemas durante o festival, até mesmo trecho de filme em 35mm que sumiu e que foi exibido sem uma parte. Mas o que posso relatar aqui é o caso de um dos filmes que participei no festival. Sou finalizador e vou descrever o ocorrido detalhando a parte técnica, para que não fique qualquer dúvida que o problema não é dos filmes.

Em primeiro lugar, um filme finalizado digitalmente fica com o tamanho de aproximadamente 900GB em DPX444, ou seja sem compressão. O mercado independente não tem orçamento para trabalhar com arquivos desse tamanho e costuma recorrer a uma ótima solução criada pela Apple, o PRORES422. Um longa em PRORES422 (FULL HD) fica em média com 200GB e apresenta uma boa qualidade, visto que as câmeras utilizadas geralmente trabalham com qualidade pouco inferior ao formato. Ou seja, para quem fez o filme em RED 4K, o PRORES é um péssimo formato. Mas, para quem fez em 5D, EX3, etc, é um ótimo formato. O sistema de projeção que está sendo usado no festival transforma ambos esses arquivos em um WMV de 9GB. Não existe mágica para transformar um arquivo de 900GB em 9GB sem perder muita qualidade.

Para poder reproduzir um arquivo de maior qualidade os computadores instalados na técnica de projeção precisariam ter um placa de vídeo com saída em sinal realmente de vídeo, no mínimo em HDMI. O que está acontecendo na sala do cinema da Gávea onde fui verificar a qualidade da projeção é uma vergonha. O arquivo de 9GB é exibido via windows media player através da placa de video interna do computador via porta DVI. O cabo DVI tem um adaptador na ponta para ser transformado em HDMI para entrar no projetor. A perda de informação de cor nessa passagem era nítida. Mas o maior problema era que na técnica víamos o arquivo perfeitamente, enquanto que na tela do cinema uma linha de defeito era gerado no meio da tela de 2 em 2 segundos, aproximadamente. O pessoal do cinema dizia que o defeito era do arquivo, mesmo esse arquivo tendo sido exibido durante a tarde no Armazem 6, outra sala do festival, sem apresentar qualquer problema. E mesmo a gente mostrando no computador deles mesmos que o defeito não existia. Passamos então a segunda opção de exibição, a fita DVCAM. Tive uma surpresa maior ainda quando vi que a conexão da DVCAM com o projetor e o sistema de audio era feita via cabo RCA. Isso mesmo, me lembrei dos anos que comecei criança a copiar VHSs em casa. O pessoal do cinema disse que era assim mesmo e que a imagem ficava boa, como se estivessem falando com um completo ignorante no assunto. O gerente do cinema ficou estressado e andando por todos os lados de cara feia, afirmando que o defeito era do filme.

Nos últimos anos os produtores independentes tem se esforçado muito para melhorar a qualidade de seus produtos e todas as casas de finalização são testemunha disso. Não é justo que o trabalho duro de muitas pessoas seja tratado dessa forma pelos exibidores. Por outro lado, precisamos de um sistema barato que continue levando esses filmes para o publico. Acredito que uma maior relação entre as casas de finalização e as empresas de exibição seriam um bom começo para solucionarmos esse problema. Não adianta o Mega, a Casablanca, a Link, etc, se empenharem ao máximo para oferecer cada vez mais qualidade aos filmes, para vê-los exibidos dessa maneira.

Se o custo para montar um sistema de projeção é o problema, na qualidade que está sendo exibido, um BLURAY seria uma melhor solução do que a que está sendo utilizada. A compressão do arquivo de BLURAY é similar ao WMV que está sendo usado, com a vantagem da saída para o projetor ser HDMI. Mas fica a pergunta, será que o consumidor não espera algo melhor do que ele pode ter em casa no cinema? Ou basta apenas a experiência de estar em uma sala de cinema?

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Seminário no Arquivo Nacional

Segue a programação de importante evento sobre preservação audiovisual a ser realizado no Arquivo Nacional. Eu faço parte da Câmara Técnica de Documentos Audiovisuais, Iconográficos e Sonoros (junto com Carlos Roberto de Souza, Marcos Dreer e outros colegas), que irá fazer uma apresentação no dia 25. Eu participarei da mesa do dia 27, pela manhã.

III Seminário Herança Audiovisual - Projeto Memória Aberta


Evento em comemoração ao Dia Mundial da Preservação da Herança Audiovisual

Tema: A Preservação da Memória Audiovisual Brasileira: contexto, estratégias e propostas
Data: 25, 26 e 27 de outubro de 2011

Local: Auditório do Arquivo Nacional - Praça da República, 173 - Centro - RJ

Horário: 9h 30 às 17h
Palestras: 30 minutos para cada convidado mais 30 minutos para debate

O seminário

Em consonância com o indicativo da UNESCO, apoiado pela Federação Internacional de Arquivos Fílmicos - FIAF, o evento visa empreender atividades referentes ao Dia Mundial da Herança Audiovisual, comemorado em todo mundo desde 2005 no dia 27 de outubro. O objetivo dessa comemoração é a disseminação das ações empreendidas na salvaguarda da memória audiovisual da humanidade, com a realização de eventos em todo o mundo.

O tema

O seminário terá como tema a preservação da memória audiovisual brasileira, tendo como proposta o debate acerca das estratégias desenvolvidas por instituições públicas e privadas e profissionais da área, bem como do contexto atual dos diversos segmentos e etapas da produção, tratamento arquivístico, preservação e acesso do audiovisual brasileiro.

Programação

Dia 25 de outubro, terça-feira

1ª Mesa - 9h30 às 12h30

Tema: A Câmara Técnica de Documentos Audiovisuais, Iconográficos e Sonoros do Conselho Nacional de Arquivos: objetivos, propostas e ações

Mediador: Marco Dreer Buarque (analista de documentação e informação da Fundação Getúlio Vargas)

1º Palestrante: Marcelo Nogueira de Siqueira (coordenador de Documentos Audiovisuais e Cartográficos do Arquivo Nacional)

2º Palestrante: Pablo Sotuyo Blanco (professor do programa de pós-graduação da Universidade Federal da Bahia)

3º Palestrante: Alex Pereira de Holanda (arquivista da Coordenação de Preservação do Arquivo Nacional)

4º Palestrante: Thiago de Oliveira Vieira (arquivista da Coordenação de Documentos Audiovisuais e Cartográficos do Arquivo Nacional)

5º Palestrante: Carlos Beni Carvalho de Oliveira Borja (produtor musical, diretor e roteirista)

2ª Mesa - 14h30 às 17h

Tema: Políticas e estratégias de preservação

Mediador: Mauro Domingues de Sá (coordenador de Preservação do Arquivo Nacional)

1º Palestrante: Hernani Heffner (conservador chefe da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro)

2º Palestrante: Julia Levy (superintendente do Audiovisual da Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro)

3º Palestrante: Myrna Silveira Brandão (presidente do Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro)

4º Palestrante: Fabián Núñez (professor adjunto do Departamento de Cinema e Vídeo da Universidade Federal Fluminense)

Dia 26 de outubro, quarta-feira

1ª Mesa - 9h30 às 12h30

Tema: O acervo LC Barreto - considerações sobre guarda, tratamento técnico e preservação

Mediador: Clóvis Molinari Júnior (organizador do Festival Internacional de Cinema de Arquivo do Arquivo Nacional)

1º palestrante: Tássia Milly (diretora do projeto de restauração do acervo LC Barreto)

2º palestrante: Lucy Barreto (curadora do projeto de restauração do acervo LC Barreto)

3º palestrante: Fabio Fraccarolli (restaurador projeto de restauração do acervo LC Barreto)

4º palestrante: Antonio Laurindo dos Santos Neto (supervisor da Área de Imagens em Movimento do Arquivo Nacional)

2ª Mesa - 14h às 17h

Tema: A restauração do filme "Aviso aos Navegantes"

Mediador: Lúcia Regina Saramago Peralta (supervisora da Área de Conservação da Coordenação de Preservação do Arquivo Nacional)

1º palestrante: Mauro Domingues de Sá (coordenador de Preservação do Arquivo Nacional)

2º palestrante: Myrna Silveira Brandão (presidente do Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro)

Dia 27 de outubro, quinta-feira

1ª Mesa - 9h30 às 12h30

Tema: A herança audiovisual brasileira

Mediador: Carlos Alfredo Linhares Fabio (especialista de nível superior da Coordenação de Documentos Audiovisuais e Cartográficos do Arquivo Nacional)

1º Palestrante: Marcelo Nogueira de Siqueira (coordenador de Documentos Audiovisuais e Cartográficos do Arquivo Nacional)

2º Palestrante: Beatriz Kushnir (diretora-geral do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro)

3º Palestrante: Rafael de Luna (professor e pesquisador em História do Cinema Brasileiro)

4º Palestrante: Lacy Varella Barca de Andrade (gerente-executiva de Acervo e Conhecimento da Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto)

Almoço - 12h30 às 14h

2ª Mesa - 14h às 17h

Tema: Estratégias e propostas de preservação e acesso a produção audiovisual nacional

Mediador: Túlio Saeta (supervisor do Grupo de Planejamento em Preservação do Arquivo Nacional)

1º palestrante: Carmen Tereza Coelho Moreno (coordenadora-geral de Processamento e Preservação do Arquivo Nacional)

2º palestrante: Luiz Carlos Barreto Borges (presidente da produtora LC Barreto)

3º palestrante: Débora Butruce (coordenadora do acervo audiovisual do Centro Técnico Audiovisual (CTAv) da Secretaria do Audiovisual (SAV) do Ministério da Cultura (MINC)

4º palestrante: a confirmar

Coquetel de encerramento: 19h
Serão fornecidos certificados de participação

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Revistas de cinema

No 6. CineOP, mostra de cinema de Ouro Preto, em junho de 2011, eu apresentei uma comunicação intitulada "Pesquisa e preservação de revistas de cinema brasileiras das décadas de 1930 e 1940". Tratava-se do resultado inicial de um levantamento que eu fiz, durante o meu doutorado, em diversos arquivos, bibliotecas e cinematecas sobre o acervo de publicações sobre cinema dessas duas décadas ainda existentes. Eu pesquisei na Cinemateca do MAM e Biblioteca Nacional (RJ), Cinemateca Brasileira e Museu Lasar Segall (SP) e Fundação Joaquim Nabuco (PE) e a impressão geral é que a preservação das revistas ilustradas sobre cinema é tão ou mais trágica que a dos filmes. As coleções são invariavelmente incompletas e dispersas. Com exceção do caso da Cinearte e A Scena Muda, que o Museu Lasar Segall digitalizou e disponibilizou on-line, as demais revistas são quase totalmente desconhecidas dos pesquisadores e restam poucos exemplares de cada título que estão, em geral, bastante deteriorados.

Eu pretendo, em breve, disponibilizar no blog os resultados dessa pesquisa que eu ainda estou desenvolvendo, mas destaco abaixo apenas um episódio recente (ocorrido mês passado) que ilustra como essas importantes fontes históricas, com dados fundamentais para a compreensão do cinema brasileiro e da atividade cinematográfica no Brasil, estão abandonadas e perdidas.

No excelente site Novo Milênio, em parte dedicado a Lendas e Memórias de Santos, encontrei transcrições do livro "História da Imprensa de Santos", do jornalista Olao Rodrigues, publicado em 1979. Na parte sobre revistas publicadas na cidade do litoral do Estado de São Paulo, há referência a duas publicações sobre cinema que me interessavam especialmente:

Filmlândia - 1928

Circulou a 6 de junho de 1928 o primeiro número de Filmlândia, dirigido por Norberto Paiva Magalhães. Como insinua seu título, era semanário que cuidava exclusivamente de atividades cinematográficas.

O segundo número circulou a 14 de julho de 1928, aparecendo uma semana depois o terceiro número, enquanto o 4º número também teve plena regularidade, distribuído a 28 de junho de 1928...

Norberto Paiva Magalhães foi sempre correto em seus compromissos jornalísticos, como sucedeu com Flama.


Fã Filme - 1929

Órgão de propaganda do Cine Paramount, Fã Filme começou a ser distribuído no início de 1929. No dia 23 de fevereiro de 1929 já estava no terceiro número.

Apresentava biografias e outras informações sobre artistas, propaganda de filmes e roteiro dos filmes que seriam exibidos no Cine Paramount. Essa casa de diversões era de propriedade de Scarpini & Vetró, sendo o responsável pelo jornal-folheto o sr. Jacinto Scarpini.


A existência da revista Filmlândia (não confundir com Filmelândia, publicada nos anos 1950 no Rio de Janeiro) era surpreendente, mas como estou pesquisando atualmente a passagem para o cinema sonoro no Brasil, a revista Fã Filme me parecia uma fonte fundamental, uma vez que o Cine Paramount de Santos foi o segundo cinema do Brasil a instalar um aparelho de projeção sonora nacional chamado Fitafone, em setembro de 1929. E vale lembrar que o Cine Paramount de São Paulo tinha feito, em abril desse ano, a primeira exibição do cinema sonoro no Brasil (e na América Latina).

Entretanto, como localizar essas duas revistas que foram consultadas pelo autor do livro nos anos 1970? Eu nunca tinha me deparado com nenhuma referência a elas nos arquivos do Rio e São Paulo e imaginei que provavelmente elas estariam em algum lugar de Santos. Aí começou minha investigação.

Primeiramente entrei em contato com o jornalista Carlos Pimentel Mendes, responsável pelo site, com quem eu já tinha trocado e-mails anteriormente. Novamente ele foi extremamente solícito e me deu algumas dicas de onde eu poderia localizar essas revistas.

Entrei em contato por telefone com esses arquivos (a Biblioteca da Sociedade Humanitária dos Empregados do Comércio, a Hemeroteca Roldão Mendes Rosa, Biblioteca Municipal Mário Faria, Museu da Imagem e do Som de Santos e Cinemateca de Santos), mas nenhum deles disse possuir essas duas revistas.

Na Fundação Arquivo e Memória de Santos, a bibliotecária Claudia Tarpani também disse não ter encontrado essas revistas no acervo e me sugeriu buscar no site das bibliotecas das universidades santistas: Universidade Santa Cecília (Não encontrei nada), Unimonte (idem), e Universidade Católica (que tem uma excelente acervo, mas não essas revistas).

Através da internet, localizei o artigo "Inventário dos jornais de Santos" e entrei em contato com um de seus autores, o professor Ivani Ribeiro da Silva. Ele disse ter pesquisado apenas jornais e, além das mesmas instituições que eu já tinha consultado, ele sugeriu tentar a Biblioteca da Faculdade de História da Unicamp (através de seu site não localizei nada sequer parecido) e a o acervo particular do autor do livro, Olao Rodrigues, já falecido.

Consegui o e-mail de Heliete Rodrigues Herrara, sua filha, que gentilmente me respondeu dizendo não ter mais nada de seu pai: "Tudo foi doado". Sugeria, então, que eu buscasse ajuda através do site... Novo Milênio.

Enfim, eu tinha dado uma volta completa e retornava ao ponto inicial.

Ainda não desisti de tentar localizar essas revistas (se alguém tiver alguma dica, agradeço), mas isso mostra como ainda temos muito o que descobrir e tentar salvar da história do cinema no Brasil.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Ações de preservação na Cinemateca do MAM

Durante o 44 Festival de Brasília do Cinema Brasileiro foi realizado o Seminário Internacional "Memória do Cinema: Desafios, Perspectivas da Era Digital na Recuperação, Preservação e Difusão do Acervo", que incluiu a mesa "Acervos Digitais e as experiências de recuperação, compartilhamento e difusão da memória audiovisual".
O site do Festival disponibilizou o texto da palestra de Gilberto Santeiro, curador da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, nessa ocasião. Agradeço a Natália Soares a indicação.



A ação contemporânea da Cinemateca do MAM no campo da preservação audiovisual.

Muito se tem falado e discutido nos últimos anos sobre o impacto das ferramentas e suportes eletrônicos (mais conhecidos como digitais) na preservação audiovisual, em particular no que respeito a obras originalmente concebidas em película. O digital representaria um avanço considerável pela possibilidade processamento arquivístico, restauração audiovisual e disponibilização em larga escala, sobretudo via internet, para um público amplo. De todas essas virtudes, ora exaltadas sem critério e sem uma crítica mais detida quanto aos limites e possibilidades da tecnologia, ora recusadas em nome de um purismo ou de uma nostalgia sem sentido frente à dinâmica sócio-histórica que vivemos, a que mais nos interessa aqui é a migração desses dados eletrônicos (convertidos de um suporte diverso anterior ou gerados de forma digital). Tal migração se caracteriza por se processar virtualmente sem perdas, para novos e indefinidos suportes, tornando a perenidade do registro ou da obra uma realidade menos angustiante do ponto de vista dos envolvidos com a tarefa de preservação em geral, e menos onerosa para a sociedade como um todo.

Apesar do número relativamente pequeno de experiências realizadas no campo da preservação audiovisual no Brasil desde 2000, pode-se indicar um resultado positivo no que tange à recuperação física de obras cujos originais estavam bastante maculados pelo tempo e por ações inadequadas de conservação. É um caminho, portanto, que coloca como inevitável para todos os arquivos e instituições que possuam acervos sobretudo de caráter fílmico, a incorporação dessa ferramenta e sua pesquisa para uso extensivo e produtivo, considerando aspectos técnicos, econômicos e éticos quanto aos resultados finais, chegando-se com o tempo a uma avaliação criteriosa dos seus benefícios ou limitações.

No entanto, para a Cinemateca do MAM, esses processo ainda se encontra em estágio anterior, que não se esgotou (e a rigor, não se esgotará nunca) e ainda merece consideração, mesmo do ponto de vista da junção da ferramenta digital às estratégias de preservação e restauração de um arquivo. Sabe-se que um dos paradigmas mais básicos para o trabalho com o digital é a relativa necessidade de que o material base para a formação do registro eletrônico tenha uma estabilidade e uniformidade físicas de modo a permitir a telecinagem ou escaneamento, sem produção de zonas sem informação ou inclinadas à criação dos chamados artefatos digitais, muitos dos quais se tornam novos ruídos associados à natureza das obras, quando reapresentadas a partir de processamentos ou suportes digitais. Para que se evite ao máximo os problemas daí advindos e se obtenha a melhor performance possível das ferramentas digitais, os materiais de base tem que estar nas melhores condições possíveis. Filme em bom estado dá ótima transcrição ou restauração digital. Filmes perpassados de problemas os mais variados (encolhimento, abaulamento, riscos profundos, perdas de trechos, etc.) comprometem os resultados.

Assim, a incursão ao digital já se coloca em termos não ideais e mediada por uma série de condicionantes. Além disso, mesmo com todas as maravilhas proporcionadas pelas ferramentas digitais, há a necessidade intrínseca da informação audiovisual voltar a um suporte foto-químico para fins de preservação física. As bases videomagnéticas, normalmente associadas ao digital, se revelaram bastante restritas em termos de longevidade física. Para o conhecimento atual, nada dura mais do que a própria película 35mm.

Para as finalidades de preservação da Cinemateca do MAM, seu atual plano de duplicação de materiais tem por finalidade maior a confecção de novas matrizes de preservação em película e também a percepção de que economicamente esta estratégia, se desenvolvida de forma preventiva, pode ser bem mais barata do que as restaurações digitais, de fato orçadas em valores próximas do milhão de reais para um único título.

O atual projeto de Recuperação do Acervo da Cinemateca do MAM, patrocinado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico - ONS, e desenvolvido em parceria com o laboratório carioca Labocine do Brasil, e que conta com um orçamento de R$ 104.000,00, se propõe a dar conta de um total de 30 longas metragens a serem duplicados integralmente.

Nesse projeto pudemos observar a progressiva incorporação das ferramentas digitais, mesmo às práticas tradicionais de copiagem em película, como por exemplo, a substituição da marcação artesanal de luz pela marcação em telecine digital, e os desafios de vencer as limitações físicas de materiais já algo deteriorados, preparando-os para os novos tempos.
Dos 30 títulos previstos, já realizamos a duplicação de 11: Crônica de um industrial, O Santo e a Vedete, Banana Mecânica, Amenic, Fábula, Raoni, O forte, Costinha e o King Mong, Etéia, A cartomante e Isto é Noel.

Estes títulos apresentavam desde hidrólise pontual (O forte), presença marcante de fungos (Costinha e o King Mong), acidificação (A cartomante), até sub-revelação (Fábula), implicando em desafios de superação ou atenuação destes aspectos problemáticos. Houve atenção ainda à copiagem de títulos que nunca circularam comercialmente, constituindo-se fato em obras inéditas, como foram os caso de O Santo e a vedete, de Luiz Rosemberg Filho, e Etéia, de Roberto Mauro. O primeiro ficou inédito por conta de desentendimentos entre o produtor e o realizador, e o segundo foi comprado por uma distribuidora norte-americana para que não competisse com o ET de Steven Spielberg.

O projeto continua se desenvolvendo e prevê a duplicação de mais 19 outros títulos, como por exemplo, Bete balanço, Baixo Gávea, Sangue quente em tarde fria e Prata palomares. Os critérios de seleção se voltam para o próprio acervo da Cinemateca do MAM e suas condições de conservação, a raridade dos materiais existentes de determinadas obras e a possibilidade de gerar a preservação de qualidade para as obras em questão. Por isso, inclusive, as duplicações tem sido acompanhadas por um fotógrafo especialmente designado para controlar sobretudo a marcação de luz e o rendimento fotográfico de imagem e som, abrindo-se a Labocine não só a uma parceria financeira, mas sobretudo a uma pesquisa de soluções para um melhor resultado de copiagem tendo em vista as atuais práticas laboratoriais e que já incorporaram diversas ferramentas digitais. Destaque-se os resultados para os materiais coloridos duplicados em positivo Gevaert, de resultados surpreendentes para tons refinados e sutis como os do negativo scope de um filme como Raoni.

Nesse sentido, estamos aprendendo a aperfeiçoar uma técnica antiga e tradicional e entendendo aos poucos, com cuidado e grande interesse as novas técnicas proporcionadas pelo mundo digital.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Preservar as salas de cinema

A preservação audiovisual consiste não apenas na conservação de objetos- sejam os filmes, os equipamentos ou a documentação correlata -, mas também do contexto de recepção das obras, o que também é chamado do "espetáculo cinematográfico" ou, segundo alguns teóricos, do "dispositivo cinematográfico" (a sala escura, a tela ampla e frontal, o isolamento acústico e climático do exterior etc).
A experiência da fruição coletiva num espaço público da projeção de um filme, além de possuir características sociais e históricas específicas, definitivamente influi na própria forma que uma obra é vista, ouvida e compreendida.
Desde os anos 1960, com a importância crescente da televisão e posteriormente do vídeo (e, mais tarde, do DVD, internet etc.), e também com o surgimento do formato comercialmente mais eficiente de salas multiplexes, um número cada vez maior de salas de cinema vêm deixando de funcionar, incluindo os "palácios de cinema" construídos a partir dos anos 1920.
Se nos anos 1980 e 1990 testemunhamos a decadência e destruição desses antigos cinemas de rua chegarem ao auge (sobretudo com a especulação imobiliária e a degradação urbana de regiões centrais das grandes cidades), há cada vez mais esforços para tentar salvar e revitalizar aqueles cinemas que ainda existem.
Nesse esforço de resgate, há sites dedicados a chamar atenção para os cinemas ainda existentes que se encontram abandonados atualmente. Um deles, indicado pelo professor João Luiz Vieira, é o "After the Final Curtain", criado por um fotógrafo de Nova York, com registros "tristemente belos" (como esse ao lado) de salas outrora luxuosas caindo aos pedaços. O objetivo do site é documentar fotograficamente cinemas negligenciados e abandonados em toda a América.
Possuindo o maior circuito de cinemas de todo o mundo, os EUA também são obviamente o país que mais possui cinemas abandonados no planeta. Quando estive em Los Angeles, em 2009, pude conhecer várias salas do Broadway District, no centro da cidade, que tinham dado lugar a igrejas e ao comércio popular (tipo lojas de R$ 1,99). Outrora a região mais movimentada e luxuosa da cidade, o centro de LA, como o de outras cidades, entrou em decadência e os cinemas acompanharam essa derrocada. Nada muito diferente do que estamos acostumados a ver no Rio de Janeiro ou São Paulo, por exemplo.
Numa foto que eu tirei naquela ocasião, é possível ver a fachada do Rialto, um cinema aberto em 1917, que virou uma loja.
Já na outra imagem abaixo, do cinema Roxy, inaugurado em 1931, é possível notar que, enquanto o hall de entrada virou o espaço dedicado aos clientes, a sala de exibição propriamente dita foi transformada no depósito de mercadorias, podendo perceber, ao fundo, a tela e as cortinas ainda visíveis na parede.
Entretanto, também há boas notícias. O UCLA Film & Television Archive, um dos maiores arquivos de filmes do mundo, sediado em Los Angeles, iniciou um programa de exibições num desses cinemas do centro da cidade, o belíssimo Million Dollar Theater, que, embora recuperado, vinha funcionando como casa de shows ou sendo alugado para a realização de gravações e eventos.
Veja aqui o programa regular de exibições todas as quartas-feiras à noite que passarão a ser realizadas nesta sala, numa importante iniciativa para revitalizar o cinema. Afinal, não basta restaurar a arquitetura, é preciso dar vida ao cinema, trazendo de volta filmes e espectadores.
Aliás, esse é o tipo de ação que merece ser copiado. Lembremos, por exemplo, do belíssimo Cinema Palácio, no centro do Rio de Janeiro, que foi totalmente restaurado (embora mantendo a divisão em duas salas que não existia originalmente), para ser, poucos meses depois, vendido e fechado. Aparentemente seu destino é hospedar eventos ou conferências de executivos. Por que não tentar voltar a fazer o Palácio - e outras salas - funcionar como cinema, senão permanentemente, pelo menos parcialmente?
Por falar em Brasil, existem vários sites dedicados a recordar os nossos cinemas do passado (resgatando, inclusive, imagens raras) e registrar o abandono das salas de exibição que ainda estão de pé. Um dos melhores era o fotoblog sobre os cinemas de São Paulo do colecionador Atílio Santarelli, que infelizmente saiu do ar (alguém sabe se ele voltou em outro endereço?). Mas ainda existem vários trabalhos semelhantes, inclusive na universidade, como a pesquisa de Márcia Bessa, da UniRio, sobre os cinemas de rua do Rio de Janeiro, apresentada no último encontro da SOCINE na UFRJ.
A luta continua!