sexta-feira, 28 de maio de 2010

carta aberta a Cinemateca Brasileira

Está circulando na internet o seguinte documento, que pode ser assinado neste endereço
Abaixo do texto, faço alguns comentários pessoais sobre o conteúdo do documento.


São Paulo, 24 de maio de 2010

À Cinemateca Brasileira,

Reconhecemos o enorme esforço e o imenso trabalho que têm sido feitos, ao longo dos anos, para bem equipar a instituição com telecine, auditório, ambiente climatizado para guarda dos filmes, entre outras providencias, assim como a importância da política de aquisição de acervos como da Atlântida ou Jean Manzon que poderiam se perder por falta dos cuidados e guarda adequados.

Contudo, vimos por meio desta, solicitar uma reunião com o Conselho e a Diretoria da Fundação Cinemateca Brasileira no sentido de pedir o encaminhamento de soluções para a melhoria da política de atendimento à pesquisa (e ao público) no acervo desta instituição. Nós cineastas, pesquisadores, produtores, estudantes, cidadãos entendemos que:

• A FCB trabalha com um acervo que é bem público, que é seu dever não só preservar e adquirir novos materiais mas também disponibilizá-los para novas produções e para o público interessado em geral. Sem acesso não existe sentido na preservação pura e simples pois a ressignificação da memória audiovisual através de novas produções, reflexões e olhares se estanca.

• É necessária a criação de uma política de valores e prazos transparentes e publicada no site, nos moldes de outras instituições como o Arquivo Nacional.

• Acreditamos que a política de valores deve ser diferenciada , baseada no tipo de veiculação do projeto final. Desta forma pode-se atender as especificidades das demandas de pesquisa e tornar realmente acessível o acervo da Cinemateca respeitando projetos de orçamento mais baixos, viabilizando a utilização de imagens para historiadores, pesquisadores, estudantes que estejam fazendo teses na área e necessitem de material para seus projetos desde que comprovados por documentação da instituição a que estão ligados.

• É fundamental o acesso a todas as bases de dados disponíveis na Cinemateca para que o pesquisador/produtor/diretor que o queira possa ele mesmo filtrar os termos para a pesquisa de seu projeto.

• Propomos a ampliação da estrutura de atendimento a pesquisa , pois diante do aumento da demanda de documentários no país, se faz necessária a criação de uma política que permita que as pesquisas e os licenciamentos das imagens sejam feitos num prazo de realidade de mercado . Hoje em dia o tempo requerido para visualização do material, por si só , ja inviabiliza os projetos.

• Que seja dado a produção dos filmes e pesquisadores ter a possibilidade de fazer o telecine ou tranfer de VT do material levantado na FCB em outros lugares desde que sejam locais reconhecidamente profissionais; nos moldes do que era feito há alguns anos atrás quando a própria Cinemateca não tinha telecine, seria uma opção para o telecine da CB ocupado com os projetos de grande porte.

• Estudo de uma solução para o problema de acesso ao acervo Tupi , que se trata do único acervo televisivo dos anos 50/60 disponível para pesquisa. Atualmente encontram-se indisponíveis, inclusive, as fitas VHS que eram visionadas para escolha de material.

• Desenvolvimento de uma politica de atendimento aos acervos que recentemente foram adquiridos pela instituição e que estão indisponíveis, enquanto estes não forem totalmente digitalizados e disponibilizados no site da Cinemateca, processo que deverá levar muito tempo ainda.

Cordialmente abaixo assinados,


Comentários:
Esta carta surgiu como uma iniciativa de produtores, cineastas, documentaristas e pesquisadores que trabalham com obras e registros audiovisuais de arquivo. Nos últimos dez anos, a Cinemateca Brasileira tem vivido um processo de "inchaço", resultando numa centralização do acervo audiovisual brasileiro em suas dependências, em São Paulo. Essa centralização decorreu em parte da crise de outras instituições - sobretudo a que afetou a Cinemateca do MAM-RJ, especialmente entre 2002 e 2003, mas também recentemente o CRAv, em Belo Horizonte, por exemplo. Por outro lado, o governo Lula vem investindo grandes recursos no setor audiovisual, contemplando também o campo da Preservação Audiovisual. Entretanto, também na destinação de verbas públicas, a Cinemateca Brasileira (que só foi incorporada ao Estado em 1984) tem sido privilegiada. Como escreveu Carlos Roberto de Souza em sua tese de doutorado sobre a instituição, entre os recursos "recebidos do Ministério da Cultura e os captados através de projetos e convênios, houve um avanço notável, sobretudo após a vinculação da Cinemateca à Secretaria do Audiovisual: R$ 747 mil em 2002, R$ 1.635 mil em 2003, R$ 3.171 mil em 2004, R$ 3.178 mil em 2005, R$ 4.153 mil em 2006".

O crescimento exponencial de seu acervo (com a ida de parte do acervo da Cinemateca do MAM e do Arquivo Nacional, novas doações e o advento do depósito legal de cópias coordenado pela Ancine) obviamente gerou uma ampliação da demanda por acesso.
Uma crítica que tem sido feita correntemente à Cinemateca é que o atendimento ao público (seja o profissional, o amador ou o estudante) não tem sido valorizado, sendo priorizados projetos milionários e midiáticos que levem o nome da instituição, sabendo que é através do SAC (Sociedade de Amigos da Cinemateca) que são repassados recursos para diversos projetos da SAv não necessariamente ligadas diretamente à preservação audiovisual.
Além do acesso aos materiais, o acesso aos serviços prestados pelo laboratório da Cinemateca Brasileira (que em muitas circunstâncias tem sido administrado como um laboratório comercial) também tem se mostrado problemático, seja para o telecine, a duplicação ou a restauração de materiais.
Por conta das novas implicações advindas das tecnologias do vídeo e do digital, que não demandam necessariamente armazenamentos a longo prazo como exige a película, mas sobretudo o gerenciamento dos materias para a realização das inevitáveis migrações de suportes, uma política descentralizadora no campo da Preservação Audiovisual se torna mais do que nunca necessária. Se o discurso centralizador deste campo em nosso país tem sua origem na passagem para os anos 1980 (conferir, por exemplo, o livro
Cinemateca Imaginária, organizado por Carlos Augusto Calil quando à frente da instituição, que defendia a construção de um "depósito central"), o governo Lula definitivamente restringiu suas políticas de descentralização e regionalização ao setor da produção audiovisual, não adotando o mesmo direcionamento para o da preservação. Tendo em vista o novo cenário tecnológico (o advento do digital), a ampliação da demanda por acesso (expressa pela redação desta carta) e das necessidades intrínsecas à área (em relação à documentação correlata, por exemplo, levantei esse ponto em outro texto), esse documento sem dúvida reflete a necessidade de uma reformulação das ações e iniciativas no campo da Preservação Audiovisual no Brasil.