sexta-feira, 26 de junho de 2009

Cinememória de Vladimir Carvalho

Matéria publicada em http://www.unb.br/noticias/unbagencia/cpmod.php?id=35573, enviada por Yuri Queiróz.

O gesto extremo do cineasta


Vladimir Carvalho decide doar todo o acervo cultural construído em seus 74 anos de idade, inclusive a própria casa, à comunidade de Brasília. A casa de Vladimir Carvalho, no início da W3 Sul, tem a arquitetura de um filme. Cada cômodo sugere uma cena. As janelas são como rolos de película. Os objetos contam uma história - que começa no jardim, invade a sala de estar, engole a área de serviço e enche de vida um pequeno auditório no segundo andar. Revestida de lembranças, a construção na quadra 703 abriga nada menos que a trajetória de um dos maiores documentaristas do Brasil. Há 15 anos, o autor de Conterrâneos velhos de guerra e O país de São Saruê resolveu transformar o próprio lar, onde vive desde 1983, num pequeno museu. Esta semana, o diretor levará o projeto pessoal da Fundação Cinememória às últimas consequências: doará todo o acervo - com a casa e tudo - para a comunidade, por meio da Universidade de Brasília (UnB).

"É uma ideia fresquinha, ainda não sei a consequência disso tudo", admite o cineasta, que completou 74 anos em janeiro. Mas ele está decidido a apresentar a oferta nesta quinta-feira, em reunião na UnB com participação do reitor José Geraldo de Sousa Júnior. "Quero fazer a doação do local físico, que é de minha propriedade, com tudo o que existe aqui dentro. Os 3 mil livros, meus 21 filmes, todas as fotografias e os equipamentos. É um acervo que construí por mais de anos de vida, e estou dando de mão beijada à cidade", diz.

A decisão não veio à toa. Foi preparada como um grande presente para as comemorações dos anos de Brasília. Mas também provoca o barulho de um ato político: com a verve habitual, o professor aposentado da UnB grita pela preservação da memória brasiliense.

A batalha começou há tempos. A Cinememória nasceu em 1994 como uma provocação: na época, Vladimir brigava pela construção de uma cinemateca de Brasília. Ano passado, o diretor chegou a desenhar uma planta improvisada da obra, a pedido do Arquivo Nacional. Mas ainda não deu em nada. O sonho ainda está grudado numa folha de papel. "Não existe compromisso de governo", afirma. "A cidade tem uma população de mais de 2,5 milhões e uma das maiores universidades do país. Mas cadê a nossa cinemateca?", critica. Cansado de esperar, Vladimir quer garantir a conservação do próprio museu. "Tenho que me render às seguintes evidências: não sou museólogo, sou um documentarista. Sou o cara da prática. A Fundação Cinememória é transitória."

Convidado para participar de um fórum na UnB sobre os anos da cidade, formado pela Academia e pela comunidade, o cineasta paraibano foi instigado a apresentar projetos para 2010. Vai fazer três sugestões: que a universidade ajude na criação da cinemateca e na organização de uma mostra de cerca de 400 filmes sobre Brasília (a partir de pesquisa de Berê Bahia). E que, finalmente cuide da Cinememória. "O cinema não tem aqui a sua casa. Estou oferecendo inicialmente a minha casa ao cinema local", afirma. Entre as preciosidades guardadas, há cartazes, câmeras raras, fitas de vídeo, revistas, negativos, cartas e imagens de mestres como Mário Peixoto, Glauber Rocha e Rogério Sganzerla. Antes que o martelo seja batido, porém, o diretor faz algumas exigências: não quer que o espaço seja vendido ou transfigurado. Ele também pretende continuar morando na casa: "Vou ficar aqui até o fim da vida."

CINEMEMÓRIA SHIGS 703, bloco G, casa 73.

As visitas devem ser agendadas pelo telefone 3225-8680.

Por dentro da casa

Câmera de guerra
Desenhada para resistir aos conflitos mais violentos, a pesada e compacta filmadora de 35mm é dura na queda. "Ela é quase uma arma, foi muito usada durante a Segunda Guerra Mundial", conta Vladimir.

Cartazes
As paredes são preenchidas por pôsteres de filmes. Entre um Woody Allen e um Hitchcock, o cinema nacional predomina. O cartaz de Deus e o diabo na Terra do Sol, de 1964, é original.

Biblioteca
Em quase todos os cômodos, há mais de 3 mil publicações. O dicionário ACB cinematográfico foi comprado em 1954. "Esse foi um dos meus primeiros livros, eu era garoto ainda", lembra o diretor.

Vovó, a moviola
Doada há oito anos pelo Centro Técnico Audiovisual (CTAV), o equipamento apelidado de "Vovó" foi usado na montagem de clássicos do cinema novo como Terra em transe (1967) e Macunaíma (1969). Veio do Rio de Janeiro num caminhão de mudança.

3 comentários:

TOCA DO LEÃO disse...

O Ponto de Cultura Cantiga de Ninar, em Itabaiana (PB), terra-berço de Vladimir de Carvalho, fundou o "Cineclube Vladimir de Carvalho".
Nosso blog: www.pccn.wordpress.com

pccn.itabaiana@gmail.com

Paula Damasceno disse...

Olá, adorei conhecer o blog. é um prazer se debruçar sobre memória e preservação do Cinema e dos cinemas.

Gostaria de compartilhar com vocês meus dois blogs:
- Homem Cinema - sobre salas de cinema. É o blog de meu processo aberto de construção de um documentário universal sobre salas de cinema.

http://homemcinema.blogspot.com.br/

- Carolina 85 - curta doc sobre um cine-teatro de 85 anos de idade na Carolina do Norte que ainda preserva o balcão separados para negros.

http://www.thecarolina85.blogspot.com.br/

Rafael de Luna disse...

Olá, Paula,
Parabéns pelos seus blogs e pelo projeto de documentário.
abs

Rafael