quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Super 8 mm

O movimento internacional dos arquivos audiovisuais consolidado, nos anos 1930, na Europa e Estados Unidos, e, no pós-guerra, em outros países, inclusive no Brasil, privilegiou, de uma forma geral, a preservação e o acesso aos “grandes filmes da história do cinema” ou às “maiores obras da arte cinematográfica”, que corresponderia, grosso modo, a um cânone de longas-metragens ficcionais exibidos comercialmente.
Porém, nas últimas décadas tem ocorrido uma valorização de um amplo conjunto de registros audiovisuais frequentemente agrupados sob a alcunha de “filmes órfãos” por não terem merecido a mesma atenção e cuidado - por terem sido, enfim, "abandonados" - e que incluiriam filmes institucionais, industriais, publicitários e familiares, entre outros.
O advento do digital tem trazido um novo interesse especialmente em relação aos filmes familiares, tanto pelo incremento dos documentários de compilação (facilitados pelo maior acesso aos acervos) e dos chamados de found footage (feitos de "filmes achados"), quanto pela expansão do uso de câmeras digitais, inclusive em celulares, por uma parte cada vez maior da população – resultando, consequentemente, no aumento do número de filmes amadores feitos para serem divulgados através da internet.
Além disso, a obsolescência do vídeo analógico aponta para uma nova geração de filmes familiares órfãos, realizados especialmente nos anos 1980 e 1990, que fazem companhia àqueles realizados em décadas anteriores em bitolas estreitas também industrialmente obsoletas, como as películas 9,5mm, o 8 mm e o Super 8 mm.
Esses acervos de filmes familiares são frequentemente perdidos e esquecidos, vítimas do esquecimento dos parentes, da freqüente degradação de seus suportes (película ou fita magnética) ou principalmente de mudanças tecnológicas que tornam difícil ou quase impossível para uma pessoa comum conseguir reproduzir ou copiar os filmes antigos de sua família.
Eu mesmo tenho um exemplo de acervo familiar. Meu pai, Estevão de Luna Freire, realizou diversos filmes em Super 8 mm entre 1978 e 1981, momento em que essa bitola tinha grande popularidade no Brasil às vésperas da massificação da tecnologia do vídeo analógico em nosso país.
Armazenados durante anos em seus próprios estojos na casa do meu pai, àquela altura já divorciado, quando ele decidiu esvaziar sua garagem e se desfazer dos rolos e equipamentos (câmera, projetor, refletor, moviola etc.) eu levei tudo para a casa da minha mãe, Martha.
Somente alguns anos depois, quando descobri que o projetor Super 8 não funcionava mais, eu começar a fazer a copiagem desses filmes para DVD, realizada em dois momentos, em 2006 e 2011. Neste segundo momento, muitos dos rolos com duração de aproximadamente 3, 5, 10 e 20 minutos já estavam deteriorados. A maior parte apresentava claro desbotamento de cor, que lhes conferia um tom avermelhado com perda, sobretudo, do azul e verde. Entretanto, alguns filmes montados tinham uma diferença clara entre um plano e outro, como neste trecho do filme de viagem chamado Um fim de semana em Mendes (1978).



Além do problema com a cor, outros filmes estavam em estado mais grave, apresentando desplastificação do suporte, o que resultava em encolhimento e provoca dificuldade do filme passar no projetor, saindo frequentemente de quadro (quando encolhido longitudinalmente) ou de foco (quando encolhido transversalmente). A “síndrome do vinagre” – deterioração do suporte plástico perceptível pelo forte odor de vinagre – já estava atingindo inclusive a emulsão, com alguns rolos “melando”, isto é, com a imagem literalmente derretendo, tornado as cópias pegajosas e grudentas.
Ainda assim, eu consegui reproduzir quase todos os filmes feitos pelo meu pai – ele tinha ainda algumas cópias de filmes estrangeiros, sobretudo desenhos animados do Pica-Pau etc. – que revelam um acervo interessante e demonstram a multiplicidade de temas e “gêneros” dos filmes familiares.
Obviamente, além dos filmes de viagem (para Mendes ou Itaparica, por exemplo) não faltam no acervo os frequentes filmes de aniversário de crianças, como o das minhas duas irmãs, Letícia e Isabel, em 1979, com uma autêntica Baiana fazendo acarajés na hora para os convidados e as aniversariantes vestidas a caráter. Este filme tem, inclusive, som direto (gravado junto com as imagens), registrado na faixa magnética na borda da película. Nessa época, minha família morava em São Roque do Paraguaçu, interior da Bahia.



Há também os filmes do parto da minha irmã (em 1978), assim como um registro raro da visita à casa de meus bisavós maternos, Maria do Carmo e Raphael (de quem herdei o nome), que faleceriam pouco tempo depois, além de minha avó paterna, Nevinha, também já falecida. Na casa do Vovô (1978) foi sonorizado posteriormente através do próprio projetor.
Mas meu pai também ia além desse básico e investia em outros gêneros. Através da técnica do stop-motion (filmar um ou mais fotogramas, interromper a filmagem, e voltar a filmar), ele realizava animações para as aberturas e créditos dos filmes, como em Viva São João (1979).



Ele chegou a realizar um curta-metragem todo de animação, desenhado por ele mesmo, chamado O azul e o preto (1978). Num filme chamado Corre-corre (1979), além de filmar meus irmãos com velocidade acelerada, ele registrou uma refeição em casa em stop-motion.



Há também registros documentais, alguns de importância história e antropológica, como dos festejos oficiais nas cidades do interior da Bahia durante o regime militar (Dia da Pátria, Parada de 7 de setembro etc.).



Há também documentários relacionados às profissões de meu pai (engenheiro) e minha mãe (médica). Nossa família se mudou do Rio de Janeiro para a Bahia em 1978 justamente por conta do trabalho de meu pai na Montreal Engenharia, que prestava serviços para a Petrobrás na construção de plataformas de petróleo. Meu pai fez dois filmes chamados Load-out de Enchova (1979) e A construção de Garoupa (1980), além de imagens não montadas do trabalho no canteiro de São Roque do Paraguaçu. Tentei contatar a Petrobrás, mas ninguém se interessou.

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Há também um filme chamado Cerâmica do Recôncavo (1980), que meu pai se orgulha de ter participado de um festival de curta-metragem na Bahia. Ele está até na Filmografia Brasileira e no CITWF.
Já minha mãe foi roteirista e entrevistadora de um filme chamado Amamentar é amar, na qual entrevistava mulheres de diferentes classes sociais a respeito da amamentação.
Por fim, há também filme de ficção – uma adaptação de Chapeuzinho Vermelho, cujas imagens acompanham um disco, comum na época, com a narração da fábula. Os atores são meu primo Marcelo, meu irmão Pedro e os filhos dos vizinhos.
Eu só apareço em alguns rolos não montados, tendo nascido justamente quando a tecnologia do Super 8 mm já estava perdendo popularidade. Além de ser filho caçula, nasci num interregno tecnológico.



Depois de copiados para DVD, depositei a maior parte dos filmes na Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro sob o regime de comodato.

3 comentários:

Anônimo disse...

Olá, Muito legal o seu post...
Gostaria de saber se poderia me auxiliar...
Tenho um filme em 8mm feito 1977, e gostaria de saber como faço para fazer o registro da obra e passá-lo para DVD. É um filme de cerca de 40 min, rodado em Piracicaba / SP, e que fez muito sucesso naquela época... Ficou esquecido por muitos anos e gostaria de reavivá-lo.
Agradeceria se pudesse me ajudar...

Grata
Inara
Meu e-mail é inarasolartes@gmail.com

Luiz Antonio disse...

Como reproduzir meu acervo de super 8 se meus projetores quebraram e os que compro sempre vem quebrados ?

Rafael de Luna disse...

Luiz Antonio, esse é um problema, mesmo: a obsolescência da tecnologia S8mm. Ou é preciso manter sempre os equipamentos funcionando (trocando peças sobressalentes etc.) ou migrar para a tecnologia corrente, como o digital.