quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Reportagem sobre preservação audiovisual nos EUA

No último número da revista de cinema norte-americana Cineaste, uma matéria especial foi dedicada ao tema da preservação audiovisual com o título Film Preservation: A Critical Symposium.

Nesta reportagem foram entrevistados diversos profissionais do campo da preservação nos EUA que responderam a 5 perguntas. Fiz um pout-pourri abaixo de algumas das respostas – ou fragmentos delas – mais interessantes.


1 - Como o cenário da preservação audiovisual mudou na última década? Há um volume adequado de recursos para a área?

Alguns entrevistados disseram que devido à difícil situação da economia norte-americana, os recursos estão mais escassos, mas a maioria apontou como a situação melhorou em relação ao passado. Jan-Christopher Horak (diretor do UCLA Film and Television Archive) destacou o interesse maior dos estúdios de Hollywood na preservação de seus acervos, assim como o resultado de ações governamentais, sobretudo o estabelecimento do National Film Preservation Foundation (NFPF) em 1997.

Um problema grave foi destrinchado por Michal Pogorzelski (diretor do arquivo de filmes da Academia do Oscar). Segundo ele, os custos de restaurar um filme digitalmente são muito maiores do que a preservação ou restauração fotoquímica, resultando na diminuição do número de projetos que podem ser financiados. Além disso, os custos de restaurar um filme fotoquimicamente também estão subindo. Com a diminuição da demanda por filmes virgens com a conversão do circuito exibidor para a projeção digital, o preço de todas as películas também irá subir. Como conseqüência, menos projetos poderão ser viabilizados financeiramente.

Paolo Cherchi Usai (curador da George Eastman House) deu uma resposta mais ampla e complexa. Em sua opinião, é necessário expor a “ideologia da expertise pseudo-curatorial”, defendendo que não existe algo como “restauração de filmes” no sentido estrito do termo. Assim, o digital deu fôlego à antiga traição dos princípios da preservação, orgulhosamente declarando que as imagens do passado devem parecer como se fossem novas e que, logo, não têm História. O fato de o público fazer perguntas como “Se esta é uma restauração digital, porque há riscos no filme?” é a prova de que as coisas deram errado. Afinal, devíamos explicar o que nos levou a pensar que riscos são “maus” e que uma imagem em movimento feita há cem anos atrás deve ser rigorosamente limpa e cristalina.

Assim como Pogorzelski, Cherchi Usai tocou na questão financeira. No cenário atual, um curador pede um orçamento para uma restauração digital e recebe uma estimativa baseada no tempo necessário para “limpar” o filme versus o número de fotogramas da obra. Mas essa “limpeza” pode não ter limites – o laboratório vai até onde alguém estiver disposto a pagar.

Nas suas palavras precisas, “o curador pode recusar ou morder a isca e gastar o quanto for necessário para fazer o filme analógico parecer suficientemente digital, logo satisfazendo a necessidade de uma diferença visível entre o ‘antes’ e ‘depois’ da restauração.”

O resultado é o custo de a restauração digital poder ser muito maior do que o da restauração fotoquímica, com o arquivo sendo literalmente “chantageado” a gastar somas inacreditáveis em nome de uma inalcançável e indesejada perfeição.


2 - Quais são as escolhas e decisões principais quando se decide quais títulos são priorizados para a preservação? Quais são os fatores, tanto teóricos quanto práticos, que influem nessas decisões? Qual difícil é decidir sobre um filme em detrimento de outro?

Tanto Shawn Belston (da Fox) quanto Grover Crisp (da Sony), afirmam que os principais fatores são necessidades do mercado (lançamento em DVD ou Blu-ray, por exemplo) e condições físicas do elemento, assim como a significação artística ou cultural do título, priorizando a diversidade do acervo.

Conforme Annete Melville (diretora do NFPF), o dever do governo é ajudar organizações públicas e sem fins lucrativos a salvar filmes que dificilmente sobreviveriam sem apoio público.

Na coleção de filmes do Museum of Modern Art (MoMA) a decisão sobre quais filmes priorizar é tomada em conjunto, por um grupo formado pelo curador-chefe, o curador de acesso e empréstimos, o conservador-chefe, pelo setor da filmoteca de cópias de exibição e pela diretora, Katie Trainor.

Cherchi Usai diz que na teoria a prioridade deveria ser sempre dada aos elementos únicos e mais antigos da coleção, mas que isso raramente ocorre na realidade: “Arquivos preservam o que os mantenedores (sejam públicos ou privados) querem que eles preservem com seu dinheiro”. Como resume Daniel Wagner (do setor de iniciativas digitais da George Eastman House), “a força motora por trás dos projetos de preservação é dinheiro. [...] Os filmes preservados são respostas pro-ativas às agências de financiamento”.


3 - Você acha que há determinados filmes/eras/ modos de filmagem que estão sendo esquecidos pela preservação? Se você é responsável por um arquivo, como está tentando fortalecer e diversificar sua coleção através de aquisições e trabalhos de preservação de obras que não estão sob a sua guarda?

É interessante que essa pergunta teve as respostas mais diversas.

Para Margaret Bodde (da The Film Foundation) e Pogorzelski, os filmes da avant-garde são os que receberam menos ações de preservação, enquanto na opinião de Dennis Doros e Amy Heller (da Milestone Film & Vídeo), seria o cinema americano independente do pós-guerra.

Já para Annette Melville, o mais vulnerável é o cinema de não-ficção, principalmente dos primeiros anos do cinema, como documentários e atualidades silenciosas.

As demais respostas se voltaram para o vídeo, televisão e digital.

Conforme Daniel Wagner, as obras mais ameaçadas são as produzidas pela primeira e segunda geração de vídeo-artistas, enquanto Horak foi enfático: “O meio enfrentando o maior risco é o vídeo e a televisão, uma vez que virtualmente não há nenhum financiamento público para as incontáveis horas de televisão aberta, TV independente, documentários de ativismo político, e noticiários de emissoras regionais produzidos do final dos anos 1960 até os anos 1990”.

Por fim, para Shawn Belsont, os primeiros anos do filme e da finalização digital são os mais ameaçados, enquanto Usai defende que todas as obras produzidas digitalmente estão em risco.


4 - Como a revolução digital impactou a preservação audiovisual? Transferir um filme para o digital pode ser qualificado como preservação? Qual difícil está se tornando encontrar laboratórios e técnicos com experiência em trabalhos fotoquímicos? Quais são as dimensões positivas da revolução digital para o campo? Que esforços estão sendo tomados para arquivar, transferir e preservar obras produzidas em vídeo?

Compreensivelmente, poucos entrevistados fugiram das respostas tradicionais que já conhecemos, de que o filme é mais confiável e seguro do que o digital, pois este não tem padrões e sofre da devastadora obsolescência tecnológica etc. Por outro lado, o digital é uma excelente ferramenta para restauração e promoção de acesso. Sinceramente, o blá blá blá de sempre...


5 - Como você aborda a questão preservação versus acesso? Essas metas são difíceis de equilibrar? Como você caracterizaria a relação entre seu trabalho de preservação e a exibição em salas de repertório, lançamentos em vídeo e disponibilização de filmes na internet?

A maioria dos entrevistados se resumiu a dizer que acesso e preservação devem andar juntos, mas houve algumas informações e colocações interessantes. A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, por exemplo, empresta cópias de seu acervo gratuitamente e o acesso aos filmes no próprio arquivo também é de graça. Mas Pogorzelski, diretor do arquivo, ressalta que com a transformação das cópias em objetos únicos, as películas deverão ser submetidas a condições de transporte e projeção muito severas: “Apenas exibidores que possam demonstrar sua vigilância e cuidado no manuseio seguro das cópias vão poder acessa-las nos arquivos no futuro”.

Na visão de Doros e Heller, sócios da distribuidora Milestone, as cinematecas tendem a ver a distribuição de filmes de arquivos – algo fundamental para o acesso de suas coleções – como a) mera comercialização impensável para um museu ou arquivo ou b) algo muito além da sua capacidade com seu corpo reduzido de funcionários. Para eles, o relacionamento dos arquivos com as distribuidoras dever ser uma relação comercial como é feita com a livraria ou o café, ou seja, baseada em compromissos e planos.

Cherchi Usai, como sempre, fez comentários curiosos: “Imagens em movimento são como a população mundial – na ausência de um projeto de governo, elas vão eventualmente encontrar um mecanismo para regular seu próprio ambiente, independentemente das nossas intenções. Não há nada apocalíptico nisso. Nós devemos, na verdade, tomar isso como uma boa notícia, tanto para o meio-ambiente quanto para a ética da visão”.


Agradeço ao João Luiz Vieira o empréstimo da revista. Aliás, no site de Cineaste, há uma continuiação desta reportagem.

2 comentários:

Elaine Maciel disse...

Oie! :)

Te add no http://alunadearquivo.blogspot.com/!

Abraço, Elaine
/blogalunadearquivo
@alunadearquivo

Rafael de Luna disse...

obrigado e parabéns pelo site.