sexta-feira, 10 de maio de 2013

Post sobre o texto de Hernani Heffner

Publicamos abaixo, a pedido da autora, o texto de Maria Nogueira, química que trabalha na Cinemateca Brasileira há 8 anos e que escreve a respeito do post anterior (A preservação audiovisual no Brasil, de Hernani Heffner).
Ressalto que as opiniões divulgadas em textos assinados por terceiros são de exclusiva responsabilidade dos autores e não necessariamente são compartilhadas pelo blog e seu responsável, mas tem como principal objetivo estimular o debate e a reflexão sobre a preservação audiovisual a partir da divulgação democrática de diferentes pontos de vista.



POST SOBRE O TEXTO DE HERNANI HEFFNER

A coisa é mais ou menos assim: a Cinemateca entra em crise, o campo se balança e alguns interessados na questão se posicionam na expectativa de troca de postos. Em primeiro lugar, os favoráveis ao avanço da instituição, que reconhecem o trabalho valoroso feito nos últimos anos, mas também que muito ainda deve ser feito. Em seguida, os declaradamente contra, aqueles que chamam a instituição de bairrista e centralizadora, reconhecendo apenas sua ação local.

Com um manifesto encabeçado por Antonio Candido e Lygia Fagundes Telles, os primeiros já se posicionaram. Agora, com esse texto de Hernani Heffner, os segundos começam a dar forma mais consequente ao que até então aparecia como apenas manifestações privadas.

Nas chamadas "redes sociais" lê-se comentários como o de Carlos Roberto de Souza que, num bilhete no facebook, chama Lygia Fagundes Telles e Antonio Candido de IDIOTAS. Mas esse tipo de gesto mais deixa transparecer os compromissos políticos imediatos de um indivíduo pressionado do que propriamente o uso público da razão.

O texto de Hernani Heffner não, pelo contrário, ele é sério, busca a reflexão, apesar da simples tese que traz. Para Heffner, que se apoia num comentário duvidoso do secretário Leopoldo, a Cinemateca não é A memória audiovisual brasileira, ela é só uma parte Dela. Ou seja, a Cinemateca Brasileira não é brasileira, ela é paulista, por isso sua crise atual interessa menos e deve ser tratada localmente. Quem tem o mandato para falar em Nacional é quem possui a maior parte da memória nacional, ou seja, a Associação Brasileira de Preservação Audiovisual. Uma associação recém-fundada, entre outros, pelo próprio Heffner.

Ao que parece trata-se de uma típica disputa de campo, para usar uma terminologia tão vulgarmente conhecida nos estudos de cinema. Uma disputa no seio do campo da preservação da memória audiovisual. Esse campo tão recente da cultura audiovisual brasileira merece uma rápida descrição para em seguida voltarmos à crise da Cinemateca.

Entre nós, a preservação da memória audiovisual é tardia e cheia de interrupções, frustrações e reveses, como sabe qualquer um que se aventurou a recuperar um filme. Sempre na dependência dos autodidatas, apaixonados pela arte e pela técnica, e da benevolência dos laboratórios comerciais, a preservação no Brasil demorou muito até constituir um campo. Até pouco tempo ela era obra de indivíduos isolados e espalhados pelo país afora, que com todas as suas idiossincrasias, trocavam alguma experiência e conhecimentos adquiridos em certa literatura.

Nesse terreno onde alguns poucos trabalhos vingavam, a Cinemateca Brasileira foi constituindo a duras penas uma mentalidade técnica, que avançou na medida em que a luta de décadas resultou no reconhecimento político federal. A Cinemateca acompanhou o fortalecimento político do MinC e constituiu um parque tecnológico e um saber inquestionável em todo mundo. Dessa forma, com o aparato técnico constituído e um grande acervo, passou a definir as regras da preservação no país. Os laboratórios comerciais chiaram, pois isso diminuiu radicalmente o lucro do mercado.

Com a montagem de um verdadeiro laboratório, o Estado passou a organizar o mercado, a lhe dar regras, regras que não primam pelo lucro. E foi assim que se fundou o campo da preservação audiovisual no Brasil. Formado, o campo deu origem a apocalípticos e integrados, que se encontram em reuniões associativas, colóquios universitários ou em raras sessões de cinema. A formação da ABPA trouxe novos dados para esse quadro. Confrontando radicalmente a hegemonia da Cinemateca, até então inquestionável na sua ação de preservadora da memória audiovisual, a ABPA busca legitimidade diante do Estado, e aproveita a transição diretorial na Cinemateca para radicalizar ainda mais seu discurso. Eis os reflexos da crise da Cinemateca que o texto de Heffner traz. Tudo isso, claro, segundo o ponto de vista de uma humilde trabalhadora da Cinemateca.
Feito então esse retrospecto(*), gostaria de deixar aqui minha opinião nesse blog respeitável.

Acho extremamente legítimo uma associação como a ABPA reivindicar uma missão complementar à da Cinemateca Brasileira. Todos os arquivos de filmes do país merecem a maior atenção. Entretanto, é tolice revanchista querer invalidar o papel nacional da Cinemateca. E é um erro histórico querer se aproveitar de uma crise aprofundada pelo secretário Leopoldo, um desses efêmeros Falstafs que aparecem de tempos em tempos na política cultural brasileira. Para que a ABPA se fortaleça ela precisa de ações mais bem definidas, precisa formular projetos consistente em editais públicos, precisa organizar e dar acesso a seus acervos, precisa montar um site decente (com base de dados, imagens fixas e em movimento, edições digitais), enfim, precisa produzir mais para reivindicar um papel nacional. Por sua vez, a Cinemateca, com todo o seu aparato e know-how, deve se recompor para apresentar claramente uma política nacional, agregadora e complementar a todos os trabalhos realizados nos arquivos de filmes brasileiros, para isso deve fortalecer o já existente fórum do Sistema Brasileiro de Informações Audiovisuais.

Assim, sem invalidar o trabalho penoso de construção de uma instituição de cultura no Brasil, a ABPA pode contribuir mais para a elevação do debate da preservação audiovisual, tratando a questão de maneira estratégica e em âmbito nacional, e não apenas na eterna querela Rio X SP.


Atenciosamente,

Uma trabalhadora da Cinemateca Brasileira


(*) Quem quiser conhecer um pouco mais desse passado, precisa ler a tese de Carlos Roberto de Souza. Uma tese muito informativa, com os delírios "nombrilistes" que marcam seu autor, mas repleta de informações valiosas para o interessado na questão.

Um comentário:

Carlos Roberto disse...

Com relação ao post acima, onde sou citado nominalmente por uma pessoa que desconheço mas que afirma trabalhar na Cinemateca Brasileira desde um tempo em que eu ainda não havia me afastado da instituição, solicito a ela que leia atentamente qualquer texto antes de citá-lo erroneamente. Eu nunca chamaria Antonio Candido ou Lygia Fagundes Telles - pessoas que admiro e por quem tenho o maior carinho - de IDIOTAS. Chamei de idiota, sim, o abaixo assinado que circulava pela Internet. Para maior clareza, aí vai meu comentário, postado no Facebook:
"No q estou pensando? Em como é ABSOLUTAMENTE IDIOTA esse abaixo assinado que está rolando pela Internet. Ele é a favor da Sociedade Amigos da Cinemateca - que andou por caminhos equivocados nos últimos anos - e não a favor da própria Cinemateca. Tão equivocado e ignorante que dá margem a manifestações mais equivocadas ainda como um texto de Lygia F. Telles, a assinatura de de Antonio Candido (pois vai contra as atitudes de um partido que ajudou a fundar) e besteiras que Eduardo Escorel escreve numa página que a Piauí - bota elite ignorante nisso! - propicia a ele!"