Por volta das 6h da manhã da quarta-feira passada, dia 3 de fevereiro de 2016, um incêndio atingiu uma das quatro câmaras do depósito de nitratos da Cinemateca Brasileira, em São Paulo. Os jornais e televisões deram a notícia, informando que os demais prédios não tinham sido atingidos e que o fogo foi controlado em pouco tempo. Apenas um bombeiro sofreu intoxicação com a fumaça e ninguém mais foi ferido.
A Cinemateca e o Ministério da Cultura emitiram notas oficiais. Nela diziam: "Cerca de 1.000 rolos de filmes foram 
queimados. Deste total, a grande maioria está conservado em outras 
mídias/suportes. Os filmes destruídos estavam todos em domínio público e
 o levantamento da pequena parte afetada, sem duplicação, será informado
 pela Cinemateca nos próximos dias".Outra nota dizia que cerca de 80% do material atingido tinha sido duplicado. Isto é, 20% dos 1.000 rolos podem ter desaparecido para sempre. Informaram ainda que os rolos eram de um longa metragem e de diversos cinejornais.
Reproduzo abaixo um comentário que fiz nas redes sociais sobre o ocorrido.
O incêndio da última madrugada na Cinemateca Brasileira poderia ter sido
 pior, mas ainda sim foi uma grande tragédia. A partir de meados do 
século XX, vários pioneiros da 
preservação se esforçaram para reunir o que ainda existia da memória do 
cinema brasileiro. Quase tudo já tinha se perdido, mas o que conseguiu 
ser salvo nos cerca de vinte anos seguintes foi grande parte do que 
chegou até os dias de hoje. E ontem uma parcela disso se perdeu. Sim, 
grande parte já tinha sido copiada para outros suportes. Mas como foi 
copiado, com qual qualidade? A copiagem dos filmes em nitrato começou a 
ser feita pioneiramente pela própria Cinemateca Brasileira há mais de 
trinta anos e, como no mundo todo, se priorizou a quantidade e não a
qualidade. Muito foi copiado para acetato em 16mm e sem muitos dos 
avanços posteriores que ajudaram a reproduzir a qualidade dos nitratos 
nos contratipos e másteres de segurança. Mas o pior é que uma parte do 
que se perdeu não tinha sido copiada ainda. Provavelmente eram filmes 
que nem os estudiosos e pesquisadores conheciam ou tiveram acesso nos 
últimos anos. A crise atual na Cinemateca tem um papel direto nessa 
tragédia, mas não se pode responsabilizar exclusivamente os dirigentes 
atuais, imersos em problemas de falta de pessoal e de recursos. Aliás, é
 preciso elogiar a resposta imediata do governo na divulgação dos danos e
 cobrar deles mais detalhes sobre o que foi perdido. Entretanto, cabe a 
reflexão sobre como no passado recente, quando a Cinemateca gozou de 
fartos recursos financeiros, não houve o esforço em alcançar a meta que 
todos os arquivos de filme do mundo vem tentando atingir desde os anos 
1970, pelo menos, que é copiar todos os filmes de nitrato para suportes 
mais seguros (mas sem descartar as matrizes). Como isso não foi uma 
prioridade absoluta nos anos de fartura, sobretudo sabendo que o número 
de nitratos brasileiros não é tão grande? Por que eles não foram todos 
digitalizados nos anos antes da crise? Isso não teria evitado a perda, 
mas minimizado a tragédia. Nossa memória cinematográfica é tão reduzida 
que não podemos nos dar o luxo de arriscar nem um milésimo do que 
sobreviveu. Se a Cinemateca foi num passado recente a grande vitrine do 
governo Lula, que o incêndio sirva para que ela não se torne a grande 
vergonha do governo Dilma. Que haja mobilização para se inventariar e 
divulgar todas as consequências do incêndio. Que isso sirva para 
reforçar a necessidade urgente de reequipar a instituição com recursos e
 pessoal e dotá-la de condições de trabalho adequadas. E que isso 
imponha a urgência de reativação imediata do Laboratório da Cinemateca. 
Com a morte recente do restaurador Chico Moreira, mais do que nunca é 
preciso que a Cinemateca possa voltar a dispor de infraestrutura para 
salvaguardar o enorme e precioso acervo audiovisual brasileiro, pois 
além dela, não restam atualmente mais alternativas.
