domingo, 22 de agosto de 2010

Sobre os filmes de Fenelon

Estive no Instituto Moreira Salles, no dia 18 de julho, para assistir aos filmes dirigidos por Moacyr Fenelon recém-restaurados pelo "Instituto para a Preservação da Memória do Cinema Brasileiro" (leia-se Dona Alice Gonzaga e Hernani Heffner).
Anunciado aqui no blog, foi um programa imperdível para os (poucos) interessados no passado do cinema brasileiro.
O primeiro filme do dia foi Poeira de Estrelas (1948), impressionante filme musical com surpreendente conotação homoerótica no tratamento da relação entre as cantoras interpretadas por Lourdinha Bittencourt e Emilinha Borba. Longe da conotação pejorativa associada ao termo "chanchada", o filme mostra o amadurecimento do filme musical brasileiro, com a narrativa bem conduzida e os números musicais encaixados primorosamente na trama, bastando compará-lo, por exemplo, com Caídos do Céu (dir. Luiz de Barros, 1946) ou Berlim na batucada (dir. Luiz de Barros, 1944). Aliás, como ressaltou Hernani Heffner, em sua palestra no mesmo dia, os números musicais desse filme foram dirigidos por Cajado Filho, personagem que precisa ter sua carreira no cinema brasileiro reavalida pelos historiadores. Apesar de sua importância já ter sido reconhecida por Carlos Manga, entre outros, sua trajetória no cinema brasileira ainda necessita de revisão pelos pesquisadores.
Ainda mais supreendente é Obrigado doutor (1948), que ouso considerar o filme brasileiro com mais elementos do cinema noir que conheço. Apesar da trama poder ser aproximada de Ganga Bruta (dir. Humberto Mauro, 1933), com o marido que mata a mulher infiel e foge da cidade para esquecer o passado no campo, ou, principalmente, de O Ébrio (1946), com o personagem médico cuja vida e carreira são arruinadas por "mulheres fatais", o filme traz elementos como o flashback, o personagem cujo passado na metróple o persegue (ver Fuga do passado/ Out of the Past, de Jacques Touneur, 1947, por exemplo), sem falar na sequencia inicial cujas escadas parecem ter sido usadas seguindo as lições hitchcokianas. Apesar de muito desigual - Fenelon revela grande inépcia quando filma cenas simples, de diálogos, desrespeitando o "eixo" - a história do filme é muito interessante, com muitas possibilidades (muitas delas desperdiçadas, é verdade).
Por último, foi exibido o filme policial Dominó Negro, o mais chamativo dos três. Baseado numa novela do rádio-autor Hélio Soveral (que já havia trabalhado antes como argumentista em comédias da Atlântida), o filme traz uma elaborada história de crime passado em pleno carnaval. Apesar da boa trama de mistério, o filme revela a proximidade do cinema brasileiro à estética radiofônica marcante no período.
No caso de Dominó Negro, como no de Poeira de Estrelas, o que chama especial atenção nessas cópias restauradas é o resgate de sua fotografia original. Eu nunca assistira antes filmes brasileiros da década de 1940 onde se pudesse ver, com clareza, o preto. Geralmente temos acesso a cópias velhas, em 16 mm, sem o menor contraste, com riscos e outros danos já impressos fotograficamente nos materiais originais. Nesse caso, porém, temos o oportunidade de assistirmos cópias de segunda geração apenas. Ou seja, do negativo original em nitrato para essas cópias restauradas, só havia um material intermediário entre elas. O acesso a materiais privilegiados e o excelente trabalho de restauração permitem, através do projeto Moacyr Fenelon, que o público finalmente tenha acesso a obras que podem revelar o que era a fotografia do cinema brasileiro desse período.

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