Apesar das diferenças, ambos sustentam-se fortemente em imagens de arquivo da televisão brasileira. Em Chico Xavier, a participação do médium no programa de entrevistas Pinga-fogo da TV Tupi, em 1971, justifica o flashback que narra sua vida, numa trama que acaba por se entrelaçar com a do cético diretor de TV Orlando, interpretado por Tony Ramos, e sua esposa Glória (Christiane Torloni). Chama atenção imediatamente o cuidado e o rigor inéditos na reconstituição por um filme brasileiro dos estúdios de TV nos anos 1970, tanto nos equipamentos, quanto nos procedimentos de edição comandados ao vivo pelo diretor, numa das características (a simultaneidade da transmissão imediata) que talvez mais diferenciem o trabalho artístico na TV e no cinema.
Nesse sentido, o filme de Daniel Filho está próximo de alguns filmes hollywoodianos recentes como Frost/Nixon (dir. Ron Howard, 2008) e Boa noite e boa sorte (dir. George Clooney, 2005) que, reconstituindo episódios e programas marcantes da TV americana (e de seus bastidores), nos provam como a TV foi o meio privilegiado de registro da história recente, assumindo definitivamente o papel de "testemunha ocular da história" que fora do cinema até a Segunda Guerra Mundial.
No caso desses programas de TV, sua importância esteve na transmissão para milhões de casas, tendo batido recordes de audiência, revelando ao grande público, respectivamente, a perseguição política do McCarthismo, a verdade sobre o Watergate admitida pelo próprio Nixon e, no caso brasileiro, o dom e o caráter autênticos de Chico Xavier. Curiosamente, o personagem de Tony Ramos assume o papel de criador e espectador dessas imagens, dirigindo o programa e sendo, como sua mulher (na platéia do estúdio), uma das pessoas afetadas pelo programa, como um "mero" espector. Não à toa, em determinado momento, tocado pelo emoção, ele tem que se ausentar de suas função de diretor.
Nos três casos também, os filmes se sustentam em grande parte pela existência dessas imagens de arquivo que as produções tentam emular em suas reconstituições, sobretudo através de excelentes trabalhos dos atores que se esforçam para "reviver", inclusive fisicamente, as personalidades que interpretam. Se em Frost/Nixon, o espectador tem acesso às imagens originais da entrevista nos extras do DVD, esse "brinde" é dado aos espectadores de Chico Xavier durante os créditos, numa forma de demonstrar a capacidade da equipe na fidelidade à realidade - pela reprodução exata dos diálogos, enquadramentos e aparência dos personagens -, numa estratégia que já tinha sido posta em prática (quem se lembra?) em Cidade de Deus, por exemplo, que também se baseava na interação entre personagens assumidamente reais (Zé Galinha) e outros supostamente ficctícios.
A dependência das imagens e sons de arquivo é ainda maior no caso de Uma noite em 67, que além da transmissão do 3º Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, é composto apenas de entrevistas recentes com os mesmos personagens (Chico, Gil, Caetano, Edu Lobo etc). Nesse caso, não se trata somente de reconstituir ou relatar um fato importante da história do Brasil - e da TV brasileira -, mas se pretende principalmente "reviver" aquele episódio, assim como ocorre no filme sobre Chico Xavier, em que há sempre, inclusive, uma platéia diegética, espectadores dentro do próprio filme (nas cenas no estúdio de TV, no tribunal, nas sessões de psicografia etc). No documentário se procura colocar o espectador do filme de 2010 no lugar do espectador do programa de TV de 1967, apresentando as músicas na ordem de classificação, contextualizando quem era quem dentre os artistas, provocando "suspense" sobre o vencedor, e ao mesmo tempo destacando a extraordinária qualidade artística dos finalistas. Afinal de contas, o trunfo do filme é a inevitável sensação de que uma música é mais fantástica do que a outra, no que talvez não o afaste tanto do bem-sucedido comercialmente filão de documentários musicais, especialmente as cinebiografias de Simonal, Vinícius, Cartola etc.
Por outro lado, se os diretores tiveram o cuidado de dar ao seu filme um interesse maior do que apenas "celebrar" o talento musical da época, investigando de maneira muito perspicaz o próprio significado do tropicalismo e da efervescência artística que se delineava claramente no Festival de 1967, a dependência das imagens da TV representam seu grande trunfo ou fraqueza (para os que acharam que os diretores fizeram pouco além de "usar" o arquivo da TV), mas sem dúvida seu maior diferencial.
Nas muitas (e às vezes hilariantes) entrevistas de bastidores de Uma noite em 67 - que cantores como Chico Buarque pensavam ser para o rádio -, o fato da TV permitir àquela altura um registro mais prolongado, mesmo que com câmera fixa, vendo tudo do alto (como uma câmera de vigilância, um dos principais usos possibilitados pelo vídeo), permitia a captação da "atmosfera", de todo um "clima" reinante naquele festival. Embora essas palavras seja imprecisas, no final de contas era isso que Tropicalismo, Cinema marginal, Teatro de Oficina etc representavam, menos um movimento e mais um momento.
É curioso que em uma certa sequência de entrevista nos bastidores percebe-se ao fundo uma pequena equipe filmado os músicos com uma câmera cinematográfica. O operador se move permanentemente, circulando com a câmera por entre as pessoas em busca de um plano significativo, que pudesse condensar ou significar algo. É interessante como , em comparação, a câmera da TV Record em 1967, estática e monótona, com planos longos, observadores e muitos tempos-mortos, seja talvez capaz de revelar ainda mais, ou, pelo menos, outra coisa.
Mas não se trata só disso. Em contraponto às imagens das entrevistas nos bastidores, a transmissão dos shows mostra toda a perícia e virtuosimo das imagens televisivas, com uma fantástica edição dos planos da platéia com as diferentes câmeras que registravam o palco. Os shows de Uma noite em 67 são ilustrações perfeitas do talento que o diretor de TV de Chico Xavier supostamente possui, regendo, como um maestro, as imagens do show que se desenrola naquele exato momento.
Esses dois filmes mostram como o cinema brasileiro tem um enorme campo a ser explorado no acervo de uma TV já sextagenária. A Record, por exemplo, já anuncia sua próxima co-produção para cinema: o documentário Tropicália, de Marcelo Machado. Entretanto, nem tudo são flores, e os realizadores de Uma noite em 67 e Chico Xavier, o filme podem se considerar sortudos por terem encontrado os materiais que utilizaram em seus filmes. Dos 60 anos de TV brasileira, muitíssimo pouco sobrou, por exemplo, de seus vinte primeiros anos, quando a TV era ao vivo (podendo ser registrada em película apenas, através do processo de quinescopagem - filmagem do monitor) ou gravada em caríssimas fitas de 1 e 2 polegadas que era sistematicamente reutilizadas.
Sem dúvidas essa perda é lamentada, pois o que foi preservado tem possilitado excelentes frutos a serem explorados. Co-produtoras desses dois filmes, a Record e a Globo cada vez mais utilizam seus acervos em novos produtos, como programas, filmes e seriados baseados exclusivamente em suas imagens de arquivo, sobretudo para a TV por assinatura, com sua demanda incessante por conteúdo para preencher suas grades de programação.
As telenovelas que talvez sejam o mais célebre produto da TV Brasileira são um ótimo exemplo. Das primeiras novelas diárias dos anos 1960, quase nada sobreviveu, enquanto dos primeiros grandes sucessos, como Irmãos Coragem (1970), chegaram até os dias de hoje apenas compactos com poucos episódios, o único material que tem servido aos pesquisadores do tema (cf. livro de Esther Hamburger, "Brasil antenado", 2005).
Segundo o ensaio de Roberto Moreira no livro organizado por Eugenio Bucci, "TV aos 50", a primeira novela a ter todos os seus capítulos salvos (quer dizer, sem as fita serem apagadas e reutilizadas posteriormente) foi a já colorida Gabriela (1975), por ter sido uma grande produção de prestígio. Se na época isso poderia parecer exagero (para que guardar todos os episódios de uma novela?), quando logo depois Escrava Isaura (1976) se revelou o melhor produto de exportação da história de todo o audiovisual nacional, a decisão mostrou-se acertada. E hoje, em 2010, quando a Globo pela primeira vez comercializa todos os episódios de uma novela em DVD, com os 16 discos recém-lançados de Roque Santeiro (1985-6), mais uma vez quem apostou na preservação saiu ganhando. E o cinema está abrindo cada vez mais seus olhos para esse acervo.
Nesse sentido, o filme de Daniel Filho está próximo de alguns filmes hollywoodianos recentes como Frost/Nixon (dir. Ron Howard, 2008) e Boa noite e boa sorte (dir. George Clooney, 2005) que, reconstituindo episódios e programas marcantes da TV americana (e de seus bastidores), nos provam como a TV foi o meio privilegiado de registro da história recente, assumindo definitivamente o papel de "testemunha ocular da história" que fora do cinema até a Segunda Guerra Mundial.
No caso desses programas de TV, sua importância esteve na transmissão para milhões de casas, tendo batido recordes de audiência, revelando ao grande público, respectivamente, a perseguição política do McCarthismo, a verdade sobre o Watergate admitida pelo próprio Nixon e, no caso brasileiro, o dom e o caráter autênticos de Chico Xavier. Curiosamente, o personagem de Tony Ramos assume o papel de criador e espectador dessas imagens, dirigindo o programa e sendo, como sua mulher (na platéia do estúdio), uma das pessoas afetadas pelo programa, como um "mero" espector. Não à toa, em determinado momento, tocado pelo emoção, ele tem que se ausentar de suas função de diretor.
Nos três casos também, os filmes se sustentam em grande parte pela existência dessas imagens de arquivo que as produções tentam emular em suas reconstituições, sobretudo através de excelentes trabalhos dos atores que se esforçam para "reviver", inclusive fisicamente, as personalidades que interpretam. Se em Frost/Nixon, o espectador tem acesso às imagens originais da entrevista nos extras do DVD, esse "brinde" é dado aos espectadores de Chico Xavier durante os créditos, numa forma de demonstrar a capacidade da equipe na fidelidade à realidade - pela reprodução exata dos diálogos, enquadramentos e aparência dos personagens -, numa estratégia que já tinha sido posta em prática (quem se lembra?) em Cidade de Deus, por exemplo, que também se baseava na interação entre personagens assumidamente reais (Zé Galinha) e outros supostamente ficctícios.
A dependência das imagens e sons de arquivo é ainda maior no caso de Uma noite em 67, que além da transmissão do 3º Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, é composto apenas de entrevistas recentes com os mesmos personagens (Chico, Gil, Caetano, Edu Lobo etc). Nesse caso, não se trata somente de reconstituir ou relatar um fato importante da história do Brasil - e da TV brasileira -, mas se pretende principalmente "reviver" aquele episódio, assim como ocorre no filme sobre Chico Xavier, em que há sempre, inclusive, uma platéia diegética, espectadores dentro do próprio filme (nas cenas no estúdio de TV, no tribunal, nas sessões de psicografia etc). No documentário se procura colocar o espectador do filme de 2010 no lugar do espectador do programa de TV de 1967, apresentando as músicas na ordem de classificação, contextualizando quem era quem dentre os artistas, provocando "suspense" sobre o vencedor, e ao mesmo tempo destacando a extraordinária qualidade artística dos finalistas. Afinal de contas, o trunfo do filme é a inevitável sensação de que uma música é mais fantástica do que a outra, no que talvez não o afaste tanto do bem-sucedido comercialmente filão de documentários musicais, especialmente as cinebiografias de Simonal, Vinícius, Cartola etc.
Por outro lado, se os diretores tiveram o cuidado de dar ao seu filme um interesse maior do que apenas "celebrar" o talento musical da época, investigando de maneira muito perspicaz o próprio significado do tropicalismo e da efervescência artística que se delineava claramente no Festival de 1967, a dependência das imagens da TV representam seu grande trunfo ou fraqueza (para os que acharam que os diretores fizeram pouco além de "usar" o arquivo da TV), mas sem dúvida seu maior diferencial.
Nas muitas (e às vezes hilariantes) entrevistas de bastidores de Uma noite em 67 - que cantores como Chico Buarque pensavam ser para o rádio -, o fato da TV permitir àquela altura um registro mais prolongado, mesmo que com câmera fixa, vendo tudo do alto (como uma câmera de vigilância, um dos principais usos possibilitados pelo vídeo), permitia a captação da "atmosfera", de todo um "clima" reinante naquele festival. Embora essas palavras seja imprecisas, no final de contas era isso que Tropicalismo, Cinema marginal, Teatro de Oficina etc representavam, menos um movimento e mais um momento.
É curioso que em uma certa sequência de entrevista nos bastidores percebe-se ao fundo uma pequena equipe filmado os músicos com uma câmera cinematográfica. O operador se move permanentemente, circulando com a câmera por entre as pessoas em busca de um plano significativo, que pudesse condensar ou significar algo. É interessante como , em comparação, a câmera da TV Record em 1967, estática e monótona, com planos longos, observadores e muitos tempos-mortos, seja talvez capaz de revelar ainda mais, ou, pelo menos, outra coisa.
Mas não se trata só disso. Em contraponto às imagens das entrevistas nos bastidores, a transmissão dos shows mostra toda a perícia e virtuosimo das imagens televisivas, com uma fantástica edição dos planos da platéia com as diferentes câmeras que registravam o palco. Os shows de Uma noite em 67 são ilustrações perfeitas do talento que o diretor de TV de Chico Xavier supostamente possui, regendo, como um maestro, as imagens do show que se desenrola naquele exato momento.
Esses dois filmes mostram como o cinema brasileiro tem um enorme campo a ser explorado no acervo de uma TV já sextagenária. A Record, por exemplo, já anuncia sua próxima co-produção para cinema: o documentário Tropicália, de Marcelo Machado. Entretanto, nem tudo são flores, e os realizadores de Uma noite em 67 e Chico Xavier, o filme podem se considerar sortudos por terem encontrado os materiais que utilizaram em seus filmes. Dos 60 anos de TV brasileira, muitíssimo pouco sobrou, por exemplo, de seus vinte primeiros anos, quando a TV era ao vivo (podendo ser registrada em película apenas, através do processo de quinescopagem - filmagem do monitor) ou gravada em caríssimas fitas de 1 e 2 polegadas que era sistematicamente reutilizadas.
Sem dúvidas essa perda é lamentada, pois o que foi preservado tem possilitado excelentes frutos a serem explorados. Co-produtoras desses dois filmes, a Record e a Globo cada vez mais utilizam seus acervos em novos produtos, como programas, filmes e seriados baseados exclusivamente em suas imagens de arquivo, sobretudo para a TV por assinatura, com sua demanda incessante por conteúdo para preencher suas grades de programação.
As telenovelas que talvez sejam o mais célebre produto da TV Brasileira são um ótimo exemplo. Das primeiras novelas diárias dos anos 1960, quase nada sobreviveu, enquanto dos primeiros grandes sucessos, como Irmãos Coragem (1970), chegaram até os dias de hoje apenas compactos com poucos episódios, o único material que tem servido aos pesquisadores do tema (cf. livro de Esther Hamburger, "Brasil antenado", 2005).
Segundo o ensaio de Roberto Moreira no livro organizado por Eugenio Bucci, "TV aos 50", a primeira novela a ter todos os seus capítulos salvos (quer dizer, sem as fita serem apagadas e reutilizadas posteriormente) foi a já colorida Gabriela (1975), por ter sido uma grande produção de prestígio. Se na época isso poderia parecer exagero (para que guardar todos os episódios de uma novela?), quando logo depois Escrava Isaura (1976) se revelou o melhor produto de exportação da história de todo o audiovisual nacional, a decisão mostrou-se acertada. E hoje, em 2010, quando a Globo pela primeira vez comercializa todos os episódios de uma novela em DVD, com os 16 discos recém-lançados de Roque Santeiro (1985-6), mais uma vez quem apostou na preservação saiu ganhando. E o cinema está abrindo cada vez mais seus olhos para esse acervo.
Um comentário:
O dvd de Roque Santeiro infelizmente não contém todos os capítulos da novela: foi feita uma montagem (que eu diria ruim) dos “ melhores" momentos da trama. Ou seja,não se preserva o conteúdo apenas o divulga,pensando-se no lucro.Veja que a novela teve quase 200 horas de exibição e o box tem apenas 50...uma vergonha em termos de preservação
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