segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Projeção digital - a falácia

No Segundo Caderno do jornal O Globo de domingo, dia 23 de outubro, a matéria de capa era sobre a conversão do circuito exibidor brasileiro à projeção digital, mas especificamente sobre o "nosso atraso" na "modernização" das salas de cinema. Com um texto vago e dando voz a agentes com interesses específicos no processo, o discurso exaltado é do alarmismo e da prepotência: "Não podemos ficar para trás" e "Temos que correr", diz um exibidor, "Não haverá filmes para quem não passar logo da película para o digital", diz um empresário que lucra justamente vendendo equipamentos digitais.
Em primeiro lugar, a pressa é inimiga da perfeição. Além disso, a matéria enumera as vantagens econômicas para a conversão digital, que interessam principalmente aos produtores, distribuidores e exibidores. Mas se o ingresso não tem sido barateado (pelo contrário, as salas digitais 3D são sempre mais caras), qual é a vantagem dessa suposta "modernização" para o espectador?
O princial argumento - repetido à exaustão e sempre vagamente - é o de que a cópia digital não risca e por isso o espectador teria sempre uma projeção maravilhosa, seja na primeira ou na milésima sessão. O detalhe que ninguém comenta é que hoje o padrão de lançamento dos filmes é estrear com centenas de cópias e ter o maior lucro possível em menos tempo. Ao contrário de anos atrás, quando os filmes ficavam meses em cartaz (Forrest Gump, por exemplo, estreou no Cine Icaraí, em Niterói, e voltou a essa tela seis meses depois), hoje raramente um grande sucesso fica tanto tempo assim. No restaurado Cine Marabá, em São Paulo, o recorde recente de permanência de filme em cartaz foi Era do Gelo 3, durante 8 semanas, menos de dois meses (link).
Na verdade, a maior parte dos filmes dificilmente fica mais de um par de semanas em exibição hoje em dia. Além disso, é obrigação das distribuidoras substituirem cópias no caso delas estarem muito danificadas, pois nenhum espectador que vai hoje a uma das caríssimas salas de shopping admite assistir cópias sujas e riscadas como no tempo dos cineminhas de bairro (de ingressos baratos).
Enquanto isso, o que vejo nos cinemas já convertidos para o digital são inúmeros problemas. Por mais defeitos que a projeção em película possa ter, podemos dizer que ela tinha um padrão mínimo de qualidade em termos de brilho, nitidez, resolução etc. quando falamos de cópias 35 mm. Apesar de ser capaz de proporcionar atualmente excelentes projeções (sobretudo em 4K), no caso de péssimas projeções, para o digital o céu é o limite... Você sempre se supreende como um filme pode ficar ruim e com milhões de defeitos (artefatos digitais) numa projeção digital mal feita.
Para ilustrar isso, cito artigo do blog Exibição nos Cinemas, cuja referência recebi do colega Roberto Leão, e que é bem didático a respeito disso citando um caso recente. Boa leitura:

Sobre a qualidade da projeção dos filmes no Festival do Rio 2011

A exibição digital é uma grande oportunidade para a produção independente do cinema brasileiro. Sem empresas que possam oferecer uma exibição mais barata que o 35mm, o mercado não teria mudado tanto. Por outro lado, temos que exigir o mínimo de qualidade nas projeções. Não adianta investir para montar o sistema de projeção digital em muitas salas com a qualidade inferior ao que se vê em casa.

Nesse Festival do Rio de 2011 o problema está ficando claro para todos os envolvidos no processo. O problema é que o festival está colocando a culpa no exibidor, que por sua vez está colocando a culpa nos filmes. Soube de inúmeras histórias de problemas durante o festival, até mesmo trecho de filme em 35mm que sumiu e que foi exibido sem uma parte. Mas o que posso relatar aqui é o caso de um dos filmes que participei no festival. Sou finalizador e vou descrever o ocorrido detalhando a parte técnica, para que não fique qualquer dúvida que o problema não é dos filmes.

Em primeiro lugar, um filme finalizado digitalmente fica com o tamanho de aproximadamente 900GB em DPX444, ou seja sem compressão. O mercado independente não tem orçamento para trabalhar com arquivos desse tamanho e costuma recorrer a uma ótima solução criada pela Apple, o PRORES422. Um longa em PRORES422 (FULL HD) fica em média com 200GB e apresenta uma boa qualidade, visto que as câmeras utilizadas geralmente trabalham com qualidade pouco inferior ao formato. Ou seja, para quem fez o filme em RED 4K, o PRORES é um péssimo formato. Mas, para quem fez em 5D, EX3, etc, é um ótimo formato. O sistema de projeção que está sendo usado no festival transforma ambos esses arquivos em um WMV de 9GB. Não existe mágica para transformar um arquivo de 900GB em 9GB sem perder muita qualidade.

Para poder reproduzir um arquivo de maior qualidade os computadores instalados na técnica de projeção precisariam ter um placa de vídeo com saída em sinal realmente de vídeo, no mínimo em HDMI. O que está acontecendo na sala do cinema da Gávea onde fui verificar a qualidade da projeção é uma vergonha. O arquivo de 9GB é exibido via windows media player através da placa de video interna do computador via porta DVI. O cabo DVI tem um adaptador na ponta para ser transformado em HDMI para entrar no projetor. A perda de informação de cor nessa passagem era nítida. Mas o maior problema era que na técnica víamos o arquivo perfeitamente, enquanto que na tela do cinema uma linha de defeito era gerado no meio da tela de 2 em 2 segundos, aproximadamente. O pessoal do cinema dizia que o defeito era do arquivo, mesmo esse arquivo tendo sido exibido durante a tarde no Armazem 6, outra sala do festival, sem apresentar qualquer problema. E mesmo a gente mostrando no computador deles mesmos que o defeito não existia. Passamos então a segunda opção de exibição, a fita DVCAM. Tive uma surpresa maior ainda quando vi que a conexão da DVCAM com o projetor e o sistema de audio era feita via cabo RCA. Isso mesmo, me lembrei dos anos que comecei criança a copiar VHSs em casa. O pessoal do cinema disse que era assim mesmo e que a imagem ficava boa, como se estivessem falando com um completo ignorante no assunto. O gerente do cinema ficou estressado e andando por todos os lados de cara feia, afirmando que o defeito era do filme.

Nos últimos anos os produtores independentes tem se esforçado muito para melhorar a qualidade de seus produtos e todas as casas de finalização são testemunha disso. Não é justo que o trabalho duro de muitas pessoas seja tratado dessa forma pelos exibidores. Por outro lado, precisamos de um sistema barato que continue levando esses filmes para o publico. Acredito que uma maior relação entre as casas de finalização e as empresas de exibição seriam um bom começo para solucionarmos esse problema. Não adianta o Mega, a Casablanca, a Link, etc, se empenharem ao máximo para oferecer cada vez mais qualidade aos filmes, para vê-los exibidos dessa maneira.

Se o custo para montar um sistema de projeção é o problema, na qualidade que está sendo exibido, um BLURAY seria uma melhor solução do que a que está sendo utilizada. A compressão do arquivo de BLURAY é similar ao WMV que está sendo usado, com a vantagem da saída para o projetor ser HDMI. Mas fica a pergunta, será que o consumidor não espera algo melhor do que ele pode ter em casa no cinema? Ou basta apenas a experiência de estar em uma sala de cinema?

Nenhum comentário: