quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Preservar as salas de cinema

A preservação audiovisual consiste não apenas na conservação de objetos- sejam os filmes, os equipamentos ou a documentação correlata -, mas também do contexto de recepção das obras, o que também é chamado do "espetáculo cinematográfico" ou, segundo alguns teóricos, do "dispositivo cinematográfico" (a sala escura, a tela ampla e frontal, o isolamento acústico e climático do exterior etc).
A experiência da fruição coletiva num espaço público da projeção de um filme, além de possuir características sociais e históricas específicas, definitivamente influi na própria forma que uma obra é vista, ouvida e compreendida.
Desde os anos 1960, com a importância crescente da televisão e posteriormente do vídeo (e, mais tarde, do DVD, internet etc.), e também com o surgimento do formato comercialmente mais eficiente de salas multiplexes, um número cada vez maior de salas de cinema vêm deixando de funcionar, incluindo os "palácios de cinema" construídos a partir dos anos 1920.
Se nos anos 1980 e 1990 testemunhamos a decadência e destruição desses antigos cinemas de rua chegarem ao auge (sobretudo com a especulação imobiliária e a degradação urbana de regiões centrais das grandes cidades), há cada vez mais esforços para tentar salvar e revitalizar aqueles cinemas que ainda existem.
Nesse esforço de resgate, há sites dedicados a chamar atenção para os cinemas ainda existentes que se encontram abandonados atualmente. Um deles, indicado pelo professor João Luiz Vieira, é o "After the Final Curtain", criado por um fotógrafo de Nova York, com registros "tristemente belos" (como esse ao lado) de salas outrora luxuosas caindo aos pedaços. O objetivo do site é documentar fotograficamente cinemas negligenciados e abandonados em toda a América.
Possuindo o maior circuito de cinemas de todo o mundo, os EUA também são obviamente o país que mais possui cinemas abandonados no planeta. Quando estive em Los Angeles, em 2009, pude conhecer várias salas do Broadway District, no centro da cidade, que tinham dado lugar a igrejas e ao comércio popular (tipo lojas de R$ 1,99). Outrora a região mais movimentada e luxuosa da cidade, o centro de LA, como o de outras cidades, entrou em decadência e os cinemas acompanharam essa derrocada. Nada muito diferente do que estamos acostumados a ver no Rio de Janeiro ou São Paulo, por exemplo.
Numa foto que eu tirei naquela ocasião, é possível ver a fachada do Rialto, um cinema aberto em 1917, que virou uma loja.
Já na outra imagem abaixo, do cinema Roxy, inaugurado em 1931, é possível notar que, enquanto o hall de entrada virou o espaço dedicado aos clientes, a sala de exibição propriamente dita foi transformada no depósito de mercadorias, podendo perceber, ao fundo, a tela e as cortinas ainda visíveis na parede.
Entretanto, também há boas notícias. O UCLA Film & Television Archive, um dos maiores arquivos de filmes do mundo, sediado em Los Angeles, iniciou um programa de exibições num desses cinemas do centro da cidade, o belíssimo Million Dollar Theater, que, embora recuperado, vinha funcionando como casa de shows ou sendo alugado para a realização de gravações e eventos.
Veja aqui o programa regular de exibições todas as quartas-feiras à noite que passarão a ser realizadas nesta sala, numa importante iniciativa para revitalizar o cinema. Afinal, não basta restaurar a arquitetura, é preciso dar vida ao cinema, trazendo de volta filmes e espectadores.
Aliás, esse é o tipo de ação que merece ser copiado. Lembremos, por exemplo, do belíssimo Cinema Palácio, no centro do Rio de Janeiro, que foi totalmente restaurado (embora mantendo a divisão em duas salas que não existia originalmente), para ser, poucos meses depois, vendido e fechado. Aparentemente seu destino é hospedar eventos ou conferências de executivos. Por que não tentar voltar a fazer o Palácio - e outras salas - funcionar como cinema, senão permanentemente, pelo menos parcialmente?
Por falar em Brasil, existem vários sites dedicados a recordar os nossos cinemas do passado (resgatando, inclusive, imagens raras) e registrar o abandono das salas de exibição que ainda estão de pé. Um dos melhores era o fotoblog sobre os cinemas de São Paulo do colecionador Atílio Santarelli, que infelizmente saiu do ar (alguém sabe se ele voltou em outro endereço?). Mas ainda existem vários trabalhos semelhantes, inclusive na universidade, como a pesquisa de Márcia Bessa, da UniRio, sobre os cinemas de rua do Rio de Janeiro, apresentada no último encontro da SOCINE na UFRJ.
A luta continua!

6 comentários:

Anônimo disse...

Você tocou numa questão importante de preservação, ou seja, o filme é apenas uma ponta do processo. Resgatar os espaços de recepção também faz parte de ações preservacionistas que consigam, na medida do possível,dar conta de todo um contexto onde poderíamos até incluir, digamos, a pipoca ou o drops Dulcora, consumidos numa sessão de algum filme lá do início dos anos 60. Isso também é memória, histórica, afetiva, sensorial.

Talitha Ferraz disse...

Adorei o post. estamos tentando numa articulação com os Valansi e o Canosa reabrir o Tijuca Palace, no Rio. Abraços!
Talitha Ferraz
http://asegundacinelandiacarioca.blogspot.com/

Rafael de Luna disse...

ótima notícia, Talitha! Vamor torcer por isso. Abraços

Frederico Neto disse...

Tenho acompanhado esse blog faz uns meses. Acho muito bom os artigos e as problematizações. Estou tentando achar os vídeos com as falas feitas na SOCINE, tem como postar no blog?

Rafael de Luna disse...

Obrigado por acompanhar o blog, Frederico. Eu acredito que durante o SOCINE as falas foram apenas transmitidas ao vivo e não gravadas. Tente se informar na ECO-UFRJ.
abs

Márcia Bessa disse...

A luta continua, Rafael!

Marcia Bessa