sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Ações de preservação na Cinemateca do MAM

Durante o 44 Festival de Brasília do Cinema Brasileiro foi realizado o Seminário Internacional "Memória do Cinema: Desafios, Perspectivas da Era Digital na Recuperação, Preservação e Difusão do Acervo", que incluiu a mesa "Acervos Digitais e as experiências de recuperação, compartilhamento e difusão da memória audiovisual".
O site do Festival disponibilizou o texto da palestra de Gilberto Santeiro, curador da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, nessa ocasião. Agradeço a Natália Soares a indicação.



A ação contemporânea da Cinemateca do MAM no campo da preservação audiovisual.

Muito se tem falado e discutido nos últimos anos sobre o impacto das ferramentas e suportes eletrônicos (mais conhecidos como digitais) na preservação audiovisual, em particular no que respeito a obras originalmente concebidas em película. O digital representaria um avanço considerável pela possibilidade processamento arquivístico, restauração audiovisual e disponibilização em larga escala, sobretudo via internet, para um público amplo. De todas essas virtudes, ora exaltadas sem critério e sem uma crítica mais detida quanto aos limites e possibilidades da tecnologia, ora recusadas em nome de um purismo ou de uma nostalgia sem sentido frente à dinâmica sócio-histórica que vivemos, a que mais nos interessa aqui é a migração desses dados eletrônicos (convertidos de um suporte diverso anterior ou gerados de forma digital). Tal migração se caracteriza por se processar virtualmente sem perdas, para novos e indefinidos suportes, tornando a perenidade do registro ou da obra uma realidade menos angustiante do ponto de vista dos envolvidos com a tarefa de preservação em geral, e menos onerosa para a sociedade como um todo.

Apesar do número relativamente pequeno de experiências realizadas no campo da preservação audiovisual no Brasil desde 2000, pode-se indicar um resultado positivo no que tange à recuperação física de obras cujos originais estavam bastante maculados pelo tempo e por ações inadequadas de conservação. É um caminho, portanto, que coloca como inevitável para todos os arquivos e instituições que possuam acervos sobretudo de caráter fílmico, a incorporação dessa ferramenta e sua pesquisa para uso extensivo e produtivo, considerando aspectos técnicos, econômicos e éticos quanto aos resultados finais, chegando-se com o tempo a uma avaliação criteriosa dos seus benefícios ou limitações.

No entanto, para a Cinemateca do MAM, esses processo ainda se encontra em estágio anterior, que não se esgotou (e a rigor, não se esgotará nunca) e ainda merece consideração, mesmo do ponto de vista da junção da ferramenta digital às estratégias de preservação e restauração de um arquivo. Sabe-se que um dos paradigmas mais básicos para o trabalho com o digital é a relativa necessidade de que o material base para a formação do registro eletrônico tenha uma estabilidade e uniformidade físicas de modo a permitir a telecinagem ou escaneamento, sem produção de zonas sem informação ou inclinadas à criação dos chamados artefatos digitais, muitos dos quais se tornam novos ruídos associados à natureza das obras, quando reapresentadas a partir de processamentos ou suportes digitais. Para que se evite ao máximo os problemas daí advindos e se obtenha a melhor performance possível das ferramentas digitais, os materiais de base tem que estar nas melhores condições possíveis. Filme em bom estado dá ótima transcrição ou restauração digital. Filmes perpassados de problemas os mais variados (encolhimento, abaulamento, riscos profundos, perdas de trechos, etc.) comprometem os resultados.

Assim, a incursão ao digital já se coloca em termos não ideais e mediada por uma série de condicionantes. Além disso, mesmo com todas as maravilhas proporcionadas pelas ferramentas digitais, há a necessidade intrínseca da informação audiovisual voltar a um suporte foto-químico para fins de preservação física. As bases videomagnéticas, normalmente associadas ao digital, se revelaram bastante restritas em termos de longevidade física. Para o conhecimento atual, nada dura mais do que a própria película 35mm.

Para as finalidades de preservação da Cinemateca do MAM, seu atual plano de duplicação de materiais tem por finalidade maior a confecção de novas matrizes de preservação em película e também a percepção de que economicamente esta estratégia, se desenvolvida de forma preventiva, pode ser bem mais barata do que as restaurações digitais, de fato orçadas em valores próximas do milhão de reais para um único título.

O atual projeto de Recuperação do Acervo da Cinemateca do MAM, patrocinado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico - ONS, e desenvolvido em parceria com o laboratório carioca Labocine do Brasil, e que conta com um orçamento de R$ 104.000,00, se propõe a dar conta de um total de 30 longas metragens a serem duplicados integralmente.

Nesse projeto pudemos observar a progressiva incorporação das ferramentas digitais, mesmo às práticas tradicionais de copiagem em película, como por exemplo, a substituição da marcação artesanal de luz pela marcação em telecine digital, e os desafios de vencer as limitações físicas de materiais já algo deteriorados, preparando-os para os novos tempos.
Dos 30 títulos previstos, já realizamos a duplicação de 11: Crônica de um industrial, O Santo e a Vedete, Banana Mecânica, Amenic, Fábula, Raoni, O forte, Costinha e o King Mong, Etéia, A cartomante e Isto é Noel.

Estes títulos apresentavam desde hidrólise pontual (O forte), presença marcante de fungos (Costinha e o King Mong), acidificação (A cartomante), até sub-revelação (Fábula), implicando em desafios de superação ou atenuação destes aspectos problemáticos. Houve atenção ainda à copiagem de títulos que nunca circularam comercialmente, constituindo-se fato em obras inéditas, como foram os caso de O Santo e a vedete, de Luiz Rosemberg Filho, e Etéia, de Roberto Mauro. O primeiro ficou inédito por conta de desentendimentos entre o produtor e o realizador, e o segundo foi comprado por uma distribuidora norte-americana para que não competisse com o ET de Steven Spielberg.

O projeto continua se desenvolvendo e prevê a duplicação de mais 19 outros títulos, como por exemplo, Bete balanço, Baixo Gávea, Sangue quente em tarde fria e Prata palomares. Os critérios de seleção se voltam para o próprio acervo da Cinemateca do MAM e suas condições de conservação, a raridade dos materiais existentes de determinadas obras e a possibilidade de gerar a preservação de qualidade para as obras em questão. Por isso, inclusive, as duplicações tem sido acompanhadas por um fotógrafo especialmente designado para controlar sobretudo a marcação de luz e o rendimento fotográfico de imagem e som, abrindo-se a Labocine não só a uma parceria financeira, mas sobretudo a uma pesquisa de soluções para um melhor resultado de copiagem tendo em vista as atuais práticas laboratoriais e que já incorporaram diversas ferramentas digitais. Destaque-se os resultados para os materiais coloridos duplicados em positivo Gevaert, de resultados surpreendentes para tons refinados e sutis como os do negativo scope de um filme como Raoni.

Nesse sentido, estamos aprendendo a aperfeiçoar uma técnica antiga e tradicional e entendendo aos poucos, com cuidado e grande interesse as novas técnicas proporcionadas pelo mundo digital.

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