quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Acabou o rolo: digitalize sua sala de cinema

É com essa frase e imagem ("Acabou o rolo") que se define uma política de financiamento via recursos do BNDES para a digitalização de salas de cinema brasileiras. A justificativa para a iniciativa está no texto onde se lê: "Até 2015, os estúdios de cinema deverão deixar de distribuir cópias em película".
Duas curiosidades chamam atenção nessa frase. A primeira é uma suposição ("deverão") que intui uma incerteza muito maior do que o restante do texto, extremamente afirmativo, aparenta. A segunda é uma indefinição no que se chama genericamente de "Estúdios de cinema". Que estúdios são esses? Tratam-se das majors hollywoodianas? Por que não dar nomes aos bois? Trata-se de uma gesto retórico bastante malicioso, afinal o cinema brasileiro também seguirá esse prazo?
De qualquer forma, achei muito preocupante eu não ter visto nem lido praticamente nenhum comentário ou discussão a respeito do uso de verbas públicas - inclusive do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) - para esse tipo de iniciativa.
No site do BNDES, é explicado que esse projeto contempla linhas de financiamento voltadas para a compra de aparelhagens no padrão DCI. Achei novamente curioso pois o próprio governo - via Secretaria do Audiovisual - anunciou um projeto de criação e popularização de um padrão de cinema digital brasileiro, a custos menores e sem dependência tecnológica de empresas estrangeiras. As duas iniciativas se complementam ou se contrariam?
Na mesma página da internet, há o seguinte texto:



Ao digitalizar sua sala de cinema o exibidor poderá:


  • Modernizar a sua sala;
  • exibir com melhor qualidade e resolução de imagens;
  • aumentar a rentabilidade de cada sala exibidora;
  • aproveitar o pagamento de VPF (Virtual Print Fee), um valor que o distribuidor paga ao exibidor a cada filme exibido digitalmente;
  • melhorar o gerenciamento das sessões;
  • dar acesso a novos anunciantes, com o formato de comerciais digitais;
  • participar do circuito de lançamento de filmes, incluindo os blockbusters;
  • ampliar a variedade de filmes exibidos, atraindo novos espectadores;
  • possibilitar a variedade de programação, com exibição de shows, concertos musicais e eventos esportivos, com a opção de transmissão ao vivo; e
  • facilitar o armazenamento de filmes.


O caráter publicitário desses argumentos - muitos de viés ideológico particular, como equiparar automática e acriticamente digitalização com modernização - surpreende por vir de um banco público, parecendo mais atender aos interesses das empresa distribuidoras e fornecedoras de equipamentos do que o desenvolvimento social do país, como a sigla do BNDES indica. 
Talvez mais escandaloso é o argumento de que com a digitalização o exibidor poderá "participar do circuito de lançamento de filmes, incluindo os blockbusters". É isso que o Governo Brasileiro quer incentivar? Que mais salas de cinema lancem blockbusters!!!
Como eu apontei em outro post sobre esse assunto, num outro projeto semelhante de apoio à "modernização" (isto é, digitalização) das salas de cinema brasileiras com recursos da Ancine, a maior parte dos beneficiados eram as seguintes empresas: Box Cinemas do Brasil Ltda; Cinemark Brasil S.A; Cinépolis Operadora de Cinemas do Brasil Ltda; UCI Ribeiro Ltda.
Ou seja, as maiores empresas exibidoras que atuam no país - todas multinacionais (a única brasileira, Severiano Ribeiro, em associação com a estrangeira UCI) - que privilegiam a construção de multiplexes em shopping centers nas grandes cidades. Justamente o mercado que dá mais lucro pois atende ao público de maior poder aquisitivo cobrando ingressos mais caros (sobretudo nos filmes em 3D nas salas digitalizadas)! 
Assim, temos o governo financiando um modelo de exibição que é o mais explorado pela iniciativa privada e o menos necessitado de investimento público, que deveria ser direcionado a pequenos exibidores que ainda atuam ou possam voltar a atuar nos milhares de municípios brasileiros que não possuem salas de cinema.
A discussão de apoio às superproduções caríssimas ou ao cinema independente de baixo custo (embora mais matizada), não pode ficar restrita somente à produção, devendo ser pensada também em relação a exibição. Afinal, certos tipos de modelos de salas de exibição privilegiam certos modelos de filmes. E, nesse ritmo, grande parte do cinema brasileiro vai continuar sem ter telas grandes onde ser exibido, assim como grande parte do público brasileiro vai continuar sem ter cinema onde ir ver filmes.



2 comentários:

Anônimo disse...

Gostaria de saber do que se trata este "projeto de criação e popularização de um padrão de cinema digital brasileiro" da SAv. Onde posso obter maiores informações a respeito?

Rafael de Luna disse...

Esse projeto, ainda em desenvolvimento, foi discutido pelo prof. Guido Lemos (UFPB) no último CineOP - mostra de cinema de Ouro Preto.